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domingo, 13 de março de 2016

Low Tide




Silêncio, é a primeira das associações que me prendem à maré baixa, que se sobrepõem à inquietação das gaivotas e de outros pássaros do rio e dos esgotos.
A segunda é a ansiedade, uma forma de antecipar que a seguir à bonança vem a tempestade, as ondas, o rio que galga as margens, o tempo que urge para voltar a terra, antes que as águas nos cerquem.
A última, que numa lógica popular deveria ser a primeira, é a de que a água já semeou a desolação e que agora se refugiou no mar em correntes de culpa, por ter descoberto os destroços que provocou.
O silêncio, esse, é o interlúdio repetido do ciclo das marés e é esse que me prende os olhos e os pés aos fundos lodosos.
E fico à espera que a orientação do Sol decida o que vem a seguir...

...numa manhã de fim-de-semana à beira do Douro



quarta-feira, 20 de março de 2013

Porto Velho


Cheira a couves cozidas no centro da cidade, odor que se sobrepõe ao fumo das castanhas que se assam em avançado Março nas bermas dos passeios, esquinas da baixa, portas da estação de S Bento. Há rostos sofridos mas genuínos, populares sem sofisticação urbana, como se toda a ruralidade do país se reunisse naquela praça. Um destino final de dezenas de anos de migrações, um interior que desaguou na foz do rio, na cidade das oportunidades.
Nem os turistas que apontam as câmaras para as paredes de azulejo varrem as memórias dos cestos de vime que se deslizam desajeitadamente dos trens a vapor, escadas abaixo, olhares assustados de passados marcados, futuros incertos!
Num mundo que vivia a preto e branco, as merendas eram a ultima ligação ao espaço de conforto, no fim da linha, no fim da rua.
Paira na alegoria do trânsito confuso, uma sensação bizarra de que há seres que ali deambulam há anos, para absorver as saudades das origens, de um lugar que verdadeiramente nunca chegaram a conhecer senão em memórias juvenis incompletas, como se o túnel de S.Bento fosse uma máquina do tempo que os transporta para uma ilusão sem retorno.
Hoje a cor é cinzento, pelo passado preto e branco e pela espera persistente mas sem esperança,
O elétrico chamado Carmo desce de costas os Clérigos em direção ao rio, a praça e porque não (todos os rios desaguam no mar) para o mar.
Amarelo na manhã e nos tons de cinzento da cidade (que se assume escura por herança histórica) e um Sol que trespassa a cidade chuvosa em carris de ferro.
Um sol chamado Carmo quando visto de costas e Batalha quando lançado sem freios pela rua abaixo, pela calçada acima.
Perdemos de vista o elétrico chamado (desejo) Sol na curva de Sá da Bandeira e divergimos avenida acima à procura dos dragões e da origem do burgo.
 
 
Catedral e D.Pedro, uma paisagem remendada pelas gerações de história, torres de catedrais ou telhados de zinco, a evolução da história não foi uniforme, a riqueza e a mediocridade em alternância com mentes brilhantes ou tempos de penúria, sem apelo nem vontade.
Vista de Gaia, a cidade velha é mais simétrica e menos remendada mas incomensuravelmente menos humana, não se vislumbram os lençóis ao vento, os cheiros característicos do mofo urbano que se impregna nas pedras encardidas a cada olhar, a cada passo incerto, escadaria abaixo pelas vielas em direção à Ribeira.
 
 
A ver o rio, (debruçados sobre a margem) vive um povo que aspira virar ao contrário o curso da corrente do Douro, barragens acima, encostas envolventes de um verde vinícola e se prolonga nas origens de um vale que se verteu para a cidade em décadas de incontroláveis e imprevisíveis inundações.
Só as gaivotas aproximam este microcosmos do mar latente!
 
 

sábado, 20 de novembro de 2010

A fronteira Ocidental do Império – um texto idiota e ABSOLUTamente inverosímil


Pinhão. 07 Agosto (sem ano definido)

39º (à) sombra. Um calor tórrido abate-se sobre o vale, uma irrespirável onda térmica, comprimia os seres, atrevidos ou sem abrigo (turistas?), entre a terra e a espessa nuvem de fumo (prenúncio de fogo invasor) que pairava sobre o rio, que apagava o Sol, e aprisionava a respiração colectiva e ofegante de quem emergia da gare, das sombras do rio e das margens, paradas no tempo, suadas por este Verão insuportável para os Continentais, e para todos!
Nem as águas paradas do rio, permitiam refrescar a imaginária brisa que ousara subir águas acima, mais de cem quilómetros em marcha invertida (lembrei-me logo daquela história dos três rios que combinam, na manhã seguinte partir para o mar – há muito, muito tempo bendita escola primária), o Douro é dorminhoco, acorda tarde e parte em louca corrida entre falésias, sempre acontece aos atrasados.
Nada, naquela tarde, fazia prever um rio assim, nem hoje, nem nunca. Estava plano, reflexo do amarelo das nuvens, do amarelo e verde das encostas, apenas esporadicamente sulcado por um jet ski em piloto automático, dançando, e provocando o rio, que se encolhia ondulando-se, de forma tão preguiçosa que o calor crescia numa intolerável assumpção de poder dominante.
Mas não é um vale qualquer, maravilha da Terra, vinho do Porto, uma bênção do Império!
Yung, (nome do qual se desconhece a origem e o significado) encolhe-se por detrás da portada da sua loja 33.456, região 10, país 49, entreposto 115/49, porque o raio do calor lhe entope a mente e lhe entorna as fontes.
Enquanto os locais se fechavam nas tabernas esquecidas pelo Império (únicos estabelecimentos absolutamente locais sobre os quais não havia instruções centrais nem conhecimento enciclopédico), Yung conformava-se com o seu destino de guerreiro de terracota, enterrado na fronteira do fim do mundo; controlava o comércio local neste pedaço de território, mas não pertencia à elite da pirâmide que controlava, recolhia e exportava o ouro tinto deste vale encantado, uma pérola desabitada mas apreciada além-mar, terra do Sol Nascente.
Vinha longe ainda a azáfama da vindima, único momento em que este desterro se povoava de populações indígenas e de outras regiões ainda mais periféricas, em que os barcos desciam o rio na direcção correcta, em que se sentia parte da grande marcha do progresso.
Entretanto o seu depósito de mercadoria diversa, destinada aos bizarros gostos da população local (mas também aos ilustres turistas à procura de símbolos que comprovassem a sua passagem pelo vale e pelo território), coloriam a rua deserta com bandeiras lusitanas, incrustadas de pagodes, violas de plástico enfeitadas com os emblemas dos clubes de futebol (estranha e imprudente paixão dos autóctones que os fazia ferver e soltar-se perigosamente de uma letargia dominante), galos de Barcelos e Nossas Senhoras de Fátima luminosas e incandescentes, para além de tudo aquilo que os locais poderiam querer e imaginar, e há muito tinham desistido de produzir e vender!
Cinco da tarde, e o imponente mas decrépito comboio a vapor semanal apitava na gare dos azulejos azul lusitano, lançava um rasto de fumo negro sem odor, combatia o calor com o fumo, uma espécie de contra fogo aos incêndios florestais que continuavam a proliferar neste desabitado pedaço de mundo, sem que Yung percebesse porquê nem como!
No varandim traseiro que vislumbrava da ombreira da sua porta, reconhecia a identidade dos novos turistas, silhuetas familiares de quem prosperava no centro do novo mundo e recolhia, em fotografias digitais, as maravilhas naturais e culturais do velho mundo, os troféus conquistados à Antiguidade Ocidental, valiosos no prestígio exibido em regresso a casa.
Bah! Não iriam parar hoje na sua loja, à procura das recordações locais – exasperava Yung
Alguém, a oriente da linha, iria tirar partido do atraso da composição.
Alguém aumentava a probabilidade de uma menção honrosa e de progressão na pirâmide territorial, responsável do entreposto 115/49, quiçá?
Bah! Maldito sejas Yang (nome do qual se desconhece igualmente a origem e o significado).
Na taberna da Gare, os poucos homens que por ali deambulavam em torno de minúsculos recipientes de vidro que exalavam álcool em ondas, vociferavam para um visitante ocasional, sem grande convicção, todavia!

- Nós não estamos no rabo do mundo! Quer uma caixa de alfinetes? Não temos! Segue ao longo da rua e quando vir um tipo feio como … Aí tem. É a loja do Yung!