Mouraria, o primeiro gueto árabe
depois da reconquista cristã de Lisboa, abre-se à fauna urbana no passeio das
luzes
“Tanta gente, novos e velhos” –
Exclama um habitante do bairro, mestiço como a sua origem, guardião de uma
exposição de fotografia improvisada, nas paredes caiadas de um logradouro.
Por ali paira um fantasma de um
branco azulado que ordena aos passantes “sigam a vossa luz” e, no largo dos
Trigueiros, é o pessoal do bairro que domina e os visitantes sentem-se
intimidados pela crueza dos olhares e pelo à vontade desta gente rude e despretensiosa
que chapinha nas fontes e monta uma guarda firme à árvore desfolhada de luzes
muito brancas.
Famílias que se perfilam à porta
da taberna, sombras que escorrem nas paredes em tons que saltam entre o amarelo
e o azul, nos intervalos da luz dos candeeiros de iluminação pública,
contornando os lençóis estendidos nas janelas do bairro mouro!
No largo do Caldas, espreitando a
rua da Madalena, uma fileira de janelas abertas desvenda-nos a sociedade
recreativa, sons de música de salão, e um casal que procura acertar o passo em
lições de dança, sem repararem que estão a ser vigiados por forasteiros, mas
não há estranhos neste local que justifiquem portadas fechadas e luzes
apagadas.
Também a luz é precisa no grande
salão de festas do bairro da Mouraria!
Nas traseiras do bairro, há
cinema em tela de ar livre para uma praça cheia de gente da terra.
Sim, dentro do bairro, a cidade
está emprestada e no ecrã ondulante pela brisa que assola a noite, desfilam
memórias do bairro, treino de boxe numa arena ressequida, sessões de artes
marciais, uma velha voz de fado que ecoa nas noites de uma taberna e uma nova
multiculturalidade que invade o bairro, uma mestiçagem que desmente a sua
origem de gueto.
As igrejas de ritos moçárabes –
portanto anteriores à reconquista – abrem as portas do bairro (e do sacerdote ausente)
à comunidade de turistas, intelectuais de nova dimensão, gente jovem e idosa,
gente que se deslumbra (e outros não) pela criatividade desta exposição aberta
de arte urbana e contemporânea
Frágil é a essência das figuras
de luz e cera, que se espalham pelo chão da igreja, o Coleginho
Descendo no bairro em direção ao
Martim Moniz, a multidão adensa-se e a fauna do bairro agora acotovela-se para
ganhar espaço livre e manter a fadista Severa, dentro do seu espaço de artista.
Mas a rua clama pela face obscura
da memória da artista e transforma as ruas e os largos do fado numa zona
vermelha, numa evocação sem equívocos da outra face da vida do bairro.
As câmaras fotográficas
enrolam-se nos tripés dos artistas de imagem, e as equipas de reportagem
asseguram-nos que a ideia de abrir os bairros à cidade e ao mundo, através de
manifestações de arte viva, urbana e conceptual será, no mínimo, viral
Noor, a homenagem sem complexos de
um bairro árabe à luz de Lisboa!
Encontro de culturas e religiões,
bem longe do espírito marcante das cruzadas ou da intifada
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