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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Juventude de Atenas




“Youth of Athens” é apenas o nome de uma exposição.
E a atualidade despertou em mim semelhante urgência quanto o anúncio do último dia...
Da exposição, claro!
Por isso abandonei precipitadamente o trabalho, ainda era quase dia.
Além de que, último dia rima com Grécia!
Em vertigem.
E pressentia algo de grandioso, sem ter a certeza se seria da atualidade ou da história.
Mas “Youth of Athens” é apenas uma exposição pequenina, com um vídeo pequenino de entrevistas rápidas a jovens menos trinta, escolhidos – diria – por acaso
O único múltiplo comum da história é a PlaKa de Atenas, uma Babilónia semeada de prédios brancos sem preocupações de estética, que se contentam – e já não é pouco - em albergar o frenesim da vida grega que, em Atenas, tem uma atmosfera muito kasbah, imagens repetidas do oriente próximo, de Istambul até ao Cairo!
E os miúdos, desfilam perante a câmara, nos terraços de Atenas, emergindo do cogumelo branco, todos com vista explícita ou implícita sobre o esplendor destruído da Antiguidade Clássica, numa pretensa invocação da sabedoria dos deuses passados, mas algo pateta!
Muitas palavras, para tão poucas imagens
E não gostei do prefácio do senhor embaixador e a mensagem desesperada à união europeia “parem de comer os vossos filhos porque não há futuro sem eles
E as entrevistas prosseguiam: a jovem estudante com um bebé que dançava num bar para pagar as contas, um jovem empresário otimista que exportava aplicações para telemóvel, um músico de rua que jurava que vivia onde sempre quis viver, a bióloga que admitia emigrar depois do doutoramento e uma marketeer de piercing no lábio afirmando a sua identidade, história e fidelidade à sua herança.
Sem critério nem coerência especial
(Mas imagens que captavam a atmosfera, sejamos justos)
Todos nós já tivemos vinte anos e faz parte da natureza dos putos de vinte anos serem inseguros, desconhecerem o que o futuro lhes reserva, terem sonhos, terem medos e uma enorme dificuldade em construir cenários de futuros coerentes
Eu já tive vinte anos em Atenas e os jovens de Atenas tinham a mesma tez, o mesmo olhar obstinado, o mesmo idealismo indecifrável, uma mescla não resolvida de sangue ateniense e espartano.
E Atenas era uma Babilónia infernal, como se tivesse atraído para o seu vale sufocante e poluído, Beirute, Cairo e Jerusalém, todas cercando a arruinada (mas fantástica) Acrópole.
Eu já tive vinte anos em Atenas e discutíamos o futuro da Europa como se fosse o último dia e éramos todos significativamente mais pobres.
No terraço dos prédios brancos sem preocupações estéticas, onde dormíamos em monte, debaixo das estrelas e do calor do mediterrâneo. E o chão duro era apenas a recompensa de acordar sobre os terraços da cidade e sentir os cheiros do oriente e o frenesim de um povo em agitação permanente.
E já fui juventude feliz em Atenas!
E (só) conheciam (os) o Drakma, notas coçadas de uma imponência aristocrática, concebidas com orgulho e sem preconceito de ser o berço da civilização ocidental. Mas sem grande valor!
Então porquê intrometer o Euro nesta angústia?
Neste prisma, então teríamos de assumir que já os Romanos comiam os jovens de Atenas. E uma revisão cuidadosa da História, levar-nos-ia a concluir provavelmente que havia outras causas.
(e que os romanos até tinham karma)
Portanto, pequenino este pedaço de realidade.
Prefiro gritos de revolta em grande estilo.

Por isso, esperamos por ti, numa manhã de nevoeiro de Abril, grande Sebastião (Salgado) em Genésis!

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Riviera



Makarska, a Riviera Croata, dizem eles.
Falta espaço em terra, cercada entre as montanhas abruptas e o mar plano, verde, e hoje povoado de um país inteiro.
Numa faixa de praia de cascalho de cinco metros de largura.
Um dia de pausa absoluta, com os pés na água e cercado de toalhas, baldes, crianças e gente em geral.
Depois daquele banho de multidão, o jantar na esplanada do hotel Osejava, no final da marina, com a cidade ao fundo e os ruídos dissipados pela música instrumental a meio tom, pela escuridão da merina e pelas minúsculas luzes da encosta e da cidade velha.

Afinal, há mesmo Riviera em Makarska!


quinta-feira, 31 de julho de 2014

A última valsa em Dubrovnik



Uma visita ao palácio do regente,
Encontro com as pinturas renascentistas dos notáveis da república, homens de imponentes perucas e currículos impressionantes, reconhecidos diplomatas e intelectuais da renascença europeia,
Mais uma subida até à porta sul,
Um diálogo solitário com um artista esloveno que tem procurado esquecer tudo o que aprendeu na academia de artes, e cinquenta anos depois já conseguiu.
Olhando das janelas do palácio renascentista, o contraste da arte surrealista que se confunde com o verde do mar e das ilhas.


Deambulando na noite quente ouvimos, através das portas da catedral, um som lânguido de um qualquer artista croata romântico, com tonalidades italianas e sonoridades gregas.
As raízes confusas sentem-se por todo o lado

Incluindo no mau-génio do povo!


Lokrum




Uma ilha perto de nós, a apenas dez minutos de um barco que se afasta do porto velho aos solavancos, com muralhas a desaparecer no verde da ilha e do mar.
Em Lokrum, vamos à praia no mar alto, bebemos cocktails com os pés na água da lagoa salgada, imaginamos os frades beneditinos nas ruinas do mosteiro – terá sido uma manifestação de agradecimento aos cidadãos da república, por safá-los de provações maiores -
No cimo do monte, os restos do forte tinham a marca de Napoleão e os objetivos eram diferentes.
A vista sobre a cidade era gloriosa e os franceses lamberam-se de gula.

Pouco tempo depois engoliram a República!



terça-feira, 29 de julho de 2014

A vida efémera dos conquistadores



O general francês do exército de Napoleão, instala-se no seu cadeirão, em cima do torreão sul da muralha que circunda Trogir e reúne a sargentada para uma partida de cartas.
Não há piratas que cheguem perto e, enquanto não chegar o inverno na frente russa, a vida de um soldado no Adriático é azul.
Tão absorto no jogo, não se apercebeu qua a paisagem urbana, polvilhada de telhados vermelhos e de torres de igreja, era predominantemente de origem veneziana, alguns alçados medievais e nada, ou quase nada, das civilizações da antiguidade.
O general fazia a guerra, não era arquitecto ou artista mas, se entendesse alguma coisa de estilos de construção, ficaria certamente irritado com esta manifestação de ostentação de um povo que não se destacava pelos seus dotes militares.
Ou então, se percebesse que não chegava conquistar os lugares para lhe modificar a paisagem.
E o general tinha mau génio, tanto quanto a soberba vista que podia dali desfrutar.
O azar dos franceses é que, para serem donos de impérios exóticos, não podem destruir o que outros construíram, dado que o património do lugar é o que dá valor às conquistas.
E quando os italianos voltaram, aproveitando-se da desgraça dos outros, sentiram-se em casa.
Um Azar dos Croatas, que não se conseguiram conter, e estoiraram com um leão de pedra na Loggia Veneziana, na praça central de Trogir

1930 DC.



segunda-feira, 28 de julho de 2014

O palácio do último Imperador



Split, a morada de Dioclesano, um dos últimos Imperadores da Roma Ocidental.
Filho de escravos, nascido em Salona, na Croácia Adriática, chegou a Roma através de grandes feitos militares
Visionário, foi o primeiro que se reformou em vida e planeou-a, construindo por antecipação o palácio em Split.
Sentado no seu palácio, viu de longe o Império a desmoronar-se, implodindo pelo seu interior e suicidou-se seis anos depois da sua reforma voluntária.
Depois da sua morte, da queda do Império do Ocidente e da invasão de Salona pelos eslavos bárbaros, os sobreviventes refugiaram-se nas muralhas de Split.
Quatro séculos depois, o seu palácio transformou-se em cidade
Hoje vive entre ruínas, o vibrante porto de mar e uma movida muito mediterrânica

E Salona, seis quilómetros pela encosta acima é um descampado sem glória que relembra Pompeia, um vulcão chamado eslavos.


domingo, 27 de julho de 2014

Mostar - A cidade mártir



Bombardeada pelos Croatas em 93, Mostar é a prova de que não há inocentes na idiota guerra das Balcãs
Para além do pedaço de cidade reconstruída, pedra a pedra, pelas consciências pesadas das pombas europeias e do folclore do turismo multicultural, nada mais bate certo neste puzzle civilizacional.
Apesar de ter sido, e ter vivido, como fronteira dos impérios, durante séculos e, segundo rezam as crónicas, habituaram-se a viver em harmonia, igrejas e mesquitas, hoje, vinte anos depois da guerra as comunidades vivem vidas separadas, uma paz podre que se esconde por detrás do grande bazar que é a zona antiga da cidade, cheio de mercadoria sem origem definida, mas definitivamente oriental e com contornos turcos, a prova de que a cidade velha de Mostar não tem vida própria, nem comum.
À custa das contas públicas, pouco mas dispendioso Estado que, em Mostar, duplicou o seu aparelho para servir de forma distinta a comunidade muçulmana bósnia e católica croata.
Não se respira por isso naqueles becos de pedras bicudas e gastas, aquele clima de harmonia que a reconstrução da ponte pretendeu recriar.
As margens do rio estão pejadas de musculados mergulhadores profissionais que transformaram uma festa anual, num espectáculo que corre a todas as horas, haja no chapéu que passa de mão em mão, pelo menos sete euros, oferecidos por turistas que gostam de emoções fortes, protagonizadas por exóticos locais.
A margem norte do rio, enche-se de homens musculados de tronco nu que despejam cervejas na barraca de madeira que se debruça sobre a corrente que empurra o orgulho para o mar, para lá da fronteira com a vizinha Croácia.
Quando lhes perguntam – e um jovem jornalista americano perguntou, numa reportagem que não tem dois anos – qual a razão da guerra, eles não sabem, não respondem ou não querem saber.
O jovem muçulmano (seria muçulmano? Seriam os vendedores das lojas do bazar mesmo bósnios?) que controlava as entradas na (minúscula) mesquita principal incentivou a criança a subir ao minarete sem pagar e depois, estendendo a mão, colocou o dedo na boca e afirmou “não digam nada lá fora, menos quatro markas no preço, vale certamente duas markas de gorjeta”.
Achei pois que não valia a pena perguntar-lhe qual a razão da paz, pois ele talvez fosse incapaz de saber.
Mas nas vielas da margem norte, mais longe do bazar, rodeado por pequenos riachos, pontes de pedra e hotéis simples e familiares, senti que este local poderia (poderá?) ter sido (vir a ser) especial.
Se os balcânicos conseguirem superar esta geração sem se meterem em trabalhos.
Oiço um estrondo nas minhas costas e recuo assustado. Vinha do lado da ponte, mas afinal era apenas mais um musculado que se tinha lançado à água.

Sete euros depois!


sábado, 26 de julho de 2014

Na rota de Montenegro - Kotor


Mas em Montenegro, vive e respira Kotor.
Uma preciosidade com mais de mil anos, origem bizantina e cercada de uma muralha que demorou novecentos anos a ser construída.
Entende-se a demora, olhando as montanhas a pique, e não se estranha pois porque é que, ao contrário da vizinha Ragusa, tenham deixado entrar Venezianos, Austro-Húngaros e Franceses, ao longo de nove séculos de História.
Mas Maja, que gosta sempre de recordar o que de bom os invasores trouxeram à cidade – o seu espírito positivo reflecte juventude e proporciona-lhe mais histórias para contar – relembra, espetando o seu indicador direito no ar, em direcção à torre direita da catedral, que ficaram à porta os dois piores: otomanos e piratas.
E nós não perguntámos porquê.
Entre os inúmeros avanços e recuos de todas as civilizações com aspirações guerreiras e territoriais, foi-nos afirmando as suas preferências.
Em trezentos anos de ocupação, os Venezianos substituíram todos os símbolos ortodoxos das igrejas de Kotor, por artefactos cristãos enquanto Napoleão lhes deixou o relógio da Igreja e um palácio junto à porta Sul, hoje (ou ontem, já não me lembro) transformado em casino.
Maja, ao contrário do que consta ter sido a reacção da maior parte dos sérvios e croatas, foi seduzida pelos ideais da Revolução Francesa, e pela possibilidade de ser tratada como cidadã.
Não estranha pois que tenha demonstrado uma quase imperceptível irritação eslava, quando confrontada com a religião predominante respondeu que “somos católicos, porque fomos tão invadidos que nos fomos esquecendo das nossas origens ortodoxas”
Mas surpreendente foi mesmo, quando estávamos a apreciar o estilo do padre ortodoxo, à porta da igreja mais pequena da cidade – são casados, avisou Maja, porque só os nomeamos padres, depois de sabermos que são bons pais de família e a O. esmoreceu de entusiamo – a revelação do Herói de Maja, a nossa jovem amiga de Montenegro.
Apontando para um qualquer lugar, que eu rapidamente esqueci, afirmou com uma comoção espontânea e um súbito brilho no olhar:

- Aqui instalou-se o Marechal Tito, o querido pai da nossa nação! 


Na rota de Montenegro - Budva



Montenegro tem de tudo para ser uma espécie de país. Abençoada pela grande mãe sérvia, agora amputada dos seus braços de mar – é que para ser país nas Balcãs, é imprescindível ter a sérvia como, no mínimo, desconfiança – seiscentos mil habitantes, uma dimensão que cabe na mão direita de um sérvio deitado ao Sol nas praias rochosas de Budva.
Maja, a nossa amiga de Montenegro sorriu, dividida entre o desdenho pela ignorância do Homem Safari, e o comprometimento por terem emprestado aos sérvios umas milícias para atacarem Dubrovnik:
- Não, nós não fomos bombardeados. Estávamos do outro lado (a referência à Croácia era evidente)
A miúda também era, na altura, demasiado nova, por isso não chegou a corar.
Vermelho de vergonha ficou o Safari, um elefante de focinho de suíno, calções beije de explorador, óculos de aros grossos tão pretos que lhe borravam a cara de medo sempre que lhe levavam o passaporte para uma das inúmeras fronteiras que povoam a península.
Indefinido o sotaque, o pavor descontrolado revelava-nos a mais do que provável nacionalidade – americana.
Vinte por cento do país percorrido numa manhã.
Permanece, para meu mistério pessoal, porque que raio se tornaram independentes, sem guerra e quinze anos depois de ter acabado a Jugoslávia.
Órfãos da mãe pátria, adoptaram o mesmo presidente, desde a independência, mau grado os rumores que circulam nas poucas notícias virtuais sobre o país, de que o senhor já se envolveu amiúde em algumas nuvens de corrupção e participação em ilícitos de diversa ordem.
Em Budva, e ao longo da faixa de terra à beira-mar plantada, demonstram a entusiástica adesão ao capitalismo do dinheiro sem cor e sem cheiro e a ambição reflectida nas placas em cirílico, penduradas nas varandas das centenas de edifícios e condomínios em construção, de vender a costa Adriática em postas, aos russos da nova ordem.
Mónaco Oriental, sussurram os iates de luxo que se acotovelam nas insuficientes plataformas de atracagem e as meninas vistosas, apreciadoras de rublo forte, que pululam à porta das novas discotecas ao ar livre.

Enfim, um mimo!


sexta-feira, 25 de julho de 2014

Korcula – A outra costa de Veneza



Para alcançar a ilha, é preciso ultrapassar as muralhas de Ston, percorrer a península de Paljesac, uma quase ilha que se esgana ao chegar à costa continental e se espraia à medida que se aproxima do mar e das inúmeras ilhas do Adriático.
A quase ilha é apenas um paraíso para as ostras e para o (sobrevalorizado) vinho croata.
Quinze minutos de mar mais tarde, uma réplica em miniatura convincente do mesmo Estado Veneziano, o mesmo Adriático, as mesmas origens mas uma língua diferente, porque reinventada pela pacífica invasão dos Eslavos
Segundo consta, convidados pelos Bizantinos para os proteger das influências ocidentais e sobretudo orientais.
Na ilha de Korcula, estamos rodeados de Adriático e chove nas cornijas das igrejas, debaixo das varandas do Palácio Episcopal, arcadas venezianas por todos os becos e uma disputa inconsequente sobre o berço do Marco Polo
Respiram felicidade de Ilhéus, porque dizem ter provas documentais que esta celebridade não nasceu em Veneza mas aqui e porque os otomanos nunca cá conseguiram entrar.

Por isso não há mesquitas no Mar Adriático
Mas existe a casa onde nasceu Marco Polo


segunda-feira, 21 de julho de 2014

Os limites da equação de Ragusa




Se eu fosse ela, habitante de Dubrovnik e guia de pretensão, eu começaria por nos contar a História de Ragusa
“ Meus amigos de um grupo pequeno, eu hoje vou-lhes contar a História de Ragusa. Quinhentos anos de uma quase independência muito esforçada, uma democracia que lembrava os Governantes no Palácio de Rector, impresso na pedra, esqueçam as preocupações pessoais, preocupem-se com os assuntos públicos, uma cidade cercada de inúmeros inimigos geracionais, sempre geridos por uma diplomacia de alianças e muralhas inexpugnáveis, uma armada que chegou a proliferar marinheiros onde a diplomacia e o comércio eram a razão para a sobrevivência”
Bom, mas isso sou eu, ela tinha um bico que se confundia com um nariz de pardal, mas em grande e faltava-lhe anos e eloquência para dizer numa frase, uma única só, o nome de todos os invasores e povoadores que por aqui andaram, antes de Napoleão. Sim porque Napoleão é importante.
Gregos, Romanos, Bárbaros, Húngaros, Venezianos, Mongóis, Otomanos, Austro-Húngaros e sinto que me esqueci de alguns, convidados ou infiltrados.
Só Ragusa, a Dubrovnik Libertas sempre resistiu até que, num ousado golpe de diplomacia, Napoleão anexou esta colónia que, de tão antiga, esquecera a sua origem composta de Eslavos convidados pelos Romanos de Constantinopla e os Latinos residentes, provavelmente a prova de que o Império já tinha sido Ocidental.
Todos os peixes morrem pela boca!
A noite quente da véspera testemunhava a coerência de um governo que soube atrair os talentos nascidos nos povos vizinhos e manter fora das fronteiras os indesejáveis – mesmo que por vezes aliados – conquistadores vindos de longe.
Duraram cinco vezes mais que os incas e metade do tempo do país mais antigo da Europa: Nós!
Na manhã seguinte, junto ao istmo que quase corta a península de Peljesac pelo umbigo, descobrimos uma maravilha desta república em Ston, a ponta  da maior muralha da Europa, reconstruída recentemente pedra a pedra pelo orgulho Croata, porque apenas a guerra moderna – demasiado moderna – a destruiu, e a destruição veio do céu.
Mas o que persiste são cinco quilómetros de muralha, que une as pontas do istmo, e protegeu durante anos o sal de Ragusa, das invasões de todos os piratas que a ameaçavam, uma moeda de troca e uma absoluta necessidade de sobrevivência.
Nesta grande península de fronteiras que são os Balcãs, Ston, como Dubrovnik, são extraordinários momentos de História

Muralhas e fronteiras como meios de preservação.


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Volta Galileu, serás (estás perdoado) reabilitado


(foste absolvido em 1983) ...
...ou um quase poema em honra do pai da ciência moderna

Na praça da república, o que resta dos banhos de Diocleciano, reconstruído pela basílica de santa maria de (todos) os anjos, a partir do século XVI, recupera a dignidade das suas abóbodas na destruição dos seus vestígios
Roma no seu âmago
Miguel Ângelo, arquiteto ao serviço papal, num traço hoje também irreconhecível perante as reformas do século XVIII
Ganhou dimensão e grandiosidade, mas tornou-se fria e distante porque os banhos tinham a composição genética dos templos pagãos
Falta-lhe espiritualidade baseada na abstinência


E aquele que só muito mais tarde teve direito a um túmulo católico regressou em vida, reconhecido pelo templo católico dos espaços abertos e raízes… (numa linguagem moderna) laicas!
Irónico?
Ou o reconhecimento de que a ciência precisa de espaços amplos e múltiplas origens?
Quando deixou a matemática e se dedicou a por em causa os dogmas da criação do mundo, as trevas do renascimento avançado cobriram a sua chama,
O pensamento científico
Não morreu na fogueira inquisitória, mas foi-lhe negada a honra da razão
Queimado, no sentido figurado e social do termo
Na última manhã da Roma turística deparei-me com Galileu na paz dos anjos, abençoado pela república na grandiosidade (quase pagã) bíblica de uma basílica católica
Um triunfo pelo cansaço da teoria heliocêntrica


Não podia haver melhor síntese para a Roma dos quatro atos, a vitória da inteligência, apesar da permanente insistência das trevas do tempo.
Antiguidade, Cristianismo, Renascença na modernidade e redenção!
Um Génesis possível do imaginário de uma Roma futurista!

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Antiguidade em estado (im) puro – Mercados de Trajano


Oásis de silêncio nas traseiras do fórum imperial, numa manhã de calor abrasador em que as memórias sobrevivem na solidão dos passos perdidos, das pedras renascidas das mãos dos arqueólogos.
Sem multidões, as paredes intactas do mercado contam-nos a História sem pressas, interferências com sotaque ou contadores de histórias profissionais: só nós e a perceção sensorial do passado, salpicado, quase de forma não intencional, por peças genuínas, recém-descobertas no subsolo intocado do mercado e fórum de Trajano.
Bustos, estátuas, colunas e lápides, sem ordem precisa mas com significados próprios.
Silêncio e memória!
Provavelmente porque aqui não houve imersão em banhos de sangue nem superproduções, nem mesmo gladiadores em discurso direto
Apenas mercadores e comércio, uma vertente pouco heroica e pouco convencional da antiguidade romana
“The most exciting city-center roman ruins”, segundo os colunistas da atualidade
Deambulando pelos corredores, subindo e descendo escadarias corroídas pelo tempo, abraçando as vistas desafogadas do fórum, a partir das varandas milenares e vagueando o olhar pela serenidade deste lugar, simplesmente sentado numa qualquer pedra com uma profunda perspetiva histórica…
Tal como a visão se habitua gradualmente â escuridão, os espaços redescobrem-se à custa de olhos estremunhados.
Primeiro temos a visão do espaço grandioso e milenar; depois apercebemo-nos das peças expostas com o orgulho de uma descoberta recente; subitamente, entendemos que novas artes se intrometem no nosso angulo de visão – duvidamos, antiguidade desconhecida ou modernidade consentida - sublimam e realçam a envolvente e, finalmente, absorvemos as intenções dos artistas e a sua cumplicidade criativa com os arqueólogos.


Novos olhares e interpretações contemporâneas da Antiguidade, os novos tons da modernidade romana, são uma forma diferente de elevar a Antiguidade ao estatuto de arte contemporânea
Segundo o manifesto do artista, compara o passado, o presente e o futuro olhando para simples utensílios como copos, pratos, garrafas


“…Objetos simples obedecem a um ritmo lento, quase geológico…”
O artista confronta a arqueologia romana com a arqueologia do futuro
E o espaço renasce por ele mesmo, numa visão deliciosamente não convencional dos monumentos romanos
É como se a Antiguidade pudesse ser viva, soubesse dialogar com o presente numa milagrosa inversão do paradigma absoluto (do passado) da cidade, aquele que apelava à reconstrução devoradora em camadas sobre as (à custa das) ruínas (sobre ela própria)
Aqui, nada se constrói à custa de nada
Nada se cria nem se destrói, tudo se funde com a solenidade de um Templo submerso em Deusas fotográficas que espreitam das paredes numa descoberta surpreendente da intemporalidade do espírito (e da criação) humanos.
Meio-dia, nas traseiras do Fórum Romano!

sábado, 4 de agosto de 2012

Trastevere ou a embriaguez das noites de Roma


Lambretas aceleram entre o trânsito impossível e uma multidão que não tem pressa de regressar a casa
Também não apetece porque a temperatura de corpo humano com febre ligeira serve de suave casulo para a brisa inexistente que se sobrevoa o Tibre em voo rasante
Em Trastevere a noite faz se de ruelas estreitas de uma cidade alem rio diferente com sentido e vida próprias, cheiros que denunciam existências suadas, roupas interiores expostas, sem pudor, nos estendais das traseiras mal iluminadas, tascas de bancos corridos cheias de memórias de aspeto autêntico e cheiros de comida mediterrânica
Santa Maria Trastevere, a praça e a igreja são apenas um prelúdio medieval que nos convida a embrenhar pelo bairro adentro - quanto mais recôndito o canto, melhor - porque cada esquina é um microcosmo tingido de cores próprias, existências diferentes e seres de texturas especiais
Os comedores de fogo que pululam na praça convidam-nos a experimentar o bairro
Sem sofisticação nem ruínas milenares em emersão constante, apenas vida incontida num bairro que não conheceu (nunca) imperadores e que nasceu na era das trevas (ou da penumbra, conforme as vivências)
E por isso mesmo é um local mais familiar porque os personagens podiam pertencer a uma qualquer fita de cinema do sul da europa, com uma ausência total de fantasmas adoradores de deuses pagãos
Católico, apostólico e romano
É assim Trastevere numa noite de verão abrasador nas margens do Tibre
Embrenhamo-nos com os vapores do limoncello a pairar à volta das nossas cabeças, no arraial à beira rio e as referências (turvas) ao nosso mundo - mediterrâneo e europa do sul - são reconfortantes
Num dialeto esmagadoramente italiano, incha-se o ego machista no tiro aos pratos, lê-se as cartas numa tenda de mil e uma cartomantes, bebem-se caipirinhas e mojitos, disputam-se acesos campeonatos de matraquilhos, vendem-se bugigangas dignas de uma feira.
Debruçados sobre a ilha Tiberina – regressam os vestígios de Roma antiga – atravessamos pontes para a ilha do cinema, mais referências latinas em múltiplos jardins cinema
E, de repente, apetece-me ser cinéfilo,
Lambretas aceleram entre o trânsito impossível e somos nós que não temos pressa de regressar a casa
Trastevere, ou a embriaguez da noite de Roma!

Roma em três atos - Ato III - A modernidade romana


Em pleno terceiro ciclo de vida da urbe (do Império, do País?) – terá começado com o regresso dos papas ou com o renascimento tardio?
 A nova Roma, a Roma dos dois elementos, nasce com o renascimento adiantado e integra a recuperação do elemento antigo com a sumptuosidade luxuriante do barroco
É o que consta dos relatos e o que ressalta dos passeios na cidade habitada e cosmopolita
A intrigante coexistência do (profundamente) religioso e do pagão (o culto da beleza e do corpo) nos últimos séculos, é um acontecimento pleno de êxtases e arrependimentos, revelações, equívocos e algumas sórdidas vinganças.
Mas salvo acidentes e algumas adaptações convenientes - daí as estátuas nuas sem sexo nos corredores do Vaticano – a obra dos artistas do novo renascimento da cidade é a essência da arte compreensível e completa, a modernidade anunciada que se respira nas igrejas, nas piazzas, nos lugares de culto ou exaltação pagã.
Michelangelo, Bramante e Raphael desbravaram a nova era por entre a indefinição de estilos de uma cidade que olhava, soturna para o passado, e Bernini soube render guarda aos poderosos mecenas e as suas exuberantes obras prolongam o fulgor dos mestres do Renascimento, com um toque muito (barroco) especial
Assim nasceram pedaços da nova Roma, os retalhos da vida de um turista na cidade.
No Campidoglio, no alto dos capitolinos, encrostado entre o fórum e o monumento a Vittorio Emmanuel (uma extravagância fora de época, muitos séculos depois numa nova, e fugaz, tentativa de construção imperial) …


(Porque é fascinante alimentar a ideia de que a cidade se (re) constrói permanentemente sobre ela própria, por camadas de História…)
Nas fontes da Navonna, entre o bairro judeu, o panteão – obra mágica de céu à vista, de dia e à noite – um rio que se confunde com as origens de Roma, e na vizinhança das sedes do poder…


Em S. Pedro, não somos surpreendidos por um toque de barroco demasiado especial que confunde os sentidos com os compromissos apostólicos e artísticos a basílica centro do catolicismo ocidental …), desbravado muito mais tarde por avenidas “mussolinicas”…


Pela Via Sistina adentro até Trinitá del Monte, escadarias abaixo em direção à Piazza di Spagna, navegando na Fontana dela Barcaccia pelos mares de luxo da Via Babuino até ao Popolo (igreja, praça e a porta da cidade), uma praça quase perfeita de formas geométricas e de simetrias cheias de significados misteriosos…


E os locais de culto sucedem-se, independentemente das hordas de turistas acidentais, ruidosos e, por (muitas) vezes incapazes de entender o sentido mais espiritual das obras e das crenças de um povo.
Sim, porque as referências são quase impossíveis de abarcar num roteiro, numa visão panorâmica, ou numa superficial visita com tempo contado, porque Roma não se esgota numa unidade de tempo / dia.
Mas os heróis do terceiro ciclo têm uma vantagem preciosa: não experimentaram a decadência e a derrota, viveram numa Europa de bárbaros domesticados (ou convertidos)
Foi só criar nos espaços vagos
Por isso os génios da arte andam à solta na citá!

domingo, 29 de julho de 2012

Roma em três atos - Ato II - Via Appia Antica e o triunfo de uma Nova Ordem


Nas bermas da grande estrada do Império conspiravam os cristãos nos túneis suburbanos da grande Roma.
Nas catacumbas de S. Calisto, construídas em camadas, não apenas como um repositório de defuntos, mas como um templo vivo da nova fé, sentem-se os primórdios de uma nova era, feita de simplicidade, uma devota militância num mundo e numa nova crença, despojada e plena de aspirações, igualitária e cristã
Nas catacumbas sente-se o peso histórico da ascensão de uma nova ordem (como em nenhum outro lado em Roma) que, tal como o frio subterrâneo, arrepia quem sente!
Ao lado, a Via Appia Antica, simboliza o êxodo dos antigos senhores e relembra-nos com é ténue a linha de fronteira entre dois mundos.
Soberba a incapacidade de prever (e aceitar) os ventos de mudança que deslocam o império para leste, lançam a antiga capital no caos e no retorno às trevas, que a ascensão do papado ressuscita, (ressurreição de fénix) lentamente ao longo de séculos de uma transição, feita de alianças improváveis, em direção ao renascimento e à modernidade.
Ciclo de vida em mil anos de uma história desordenada, uma idade média que viveu muitos anos nos escombros da Antiguidade e que utiliza os restos do Império, sem critério nem pudor, para a construção dos novos templos de um deus só!


É uma descoberta sensorial única que nos confunde à vista desarmada e nos obriga a escavar fundo, ao lado dos novos arquitetos seguidistas que, para além de tudo o resto, contribuíram para a preservação de alguma da grandeza da antiguidade imperial.
É o verdadeiro ato II da atual Roma turística: identificar, edifício a edifício, as sobre (justa) posições de épocas, de estilos e de necessidades construídas, de forma intencional (ou não), na longa idade média romana.
Longa vida para os novos messias do império que prosperam desde os túneis da lama à cripta da basílica de constantino e de pedro.
O ato II ½ (portanto entre o II e o III) é uma demonstração de que a natureza humana não se altera significativamente com a mudança de ordem prevalecente e de que, tudo em Roma, acaba por desembocar no vaticano profundo
Trata-se da adoração celestial das relíquias terrenas, acumuladas pela nova ordem romana e ocidental ao longo de séculos missionários.
Mais do que uma fé, os museus do vaticano, são uma demonstração de poder, uma acumulação insaciável de relíquias de todas as civilizações imperiais defuntas, repositório de tudo o que foi escavada nas inúmeras terras de Roma.
Enquanto cambaleava entre multidões em fila cerrada, pelas maiores exposições de esculturas (definitivamente pagãs e absolutamente bélicas) egípcias e romanas do mundo, repetia que nem um tonto; fé ou demonstração do novo poder romano que só a unificação italiana confinou aos territórios do vaticano?
Não é fé com certeza!

Roma em três atos - Ato I - O triunfo dos feios, porcos e maus / A decadência do Império


Esmagados pelas pedras e pelo calor.
O calor absurdo evapora as poeiras milenares que povoam as ruínas e faz desvanecer o azul do céu e, apesar das multidões fumegantes e famintas de triunfos e vestígios dos Imperadores, dos guerreiros, dos gladiadores, o cortejo triunfal deu lugar ao caminho das pedras no Fórum Imperial e nas antecâmaras deste estádio da antiguidade.
O esqueleto do Coliseu clama por justiça (sim, dois mil anos de pé, apesar dos saques bárbaros e dos aproveitamentos católicos) porque a barbárie e a violência não diminuem a virtualidade da engenharia romana.


Apesar do elevado teor sanguinário deste local – a areia absorvia o sangue na arena – consta que não se mataram cristãos por aqui (afinal já havia mitos urbanos na Antiguidade).
Mas as setenta e cinco mil almas que aqui se sentavam, desfrutavam de atividades lúdicas de teor selvático elevado, devidamente ratificadas por todos os poderes imperiais.
Alienação das massas?
Quando já não havia gladiadores ou escravos e o Império já tomara o veneno que liquidaria de vez a cidade, os restos de poder organizavam combates entre animais selvagens, tendo conduzido à quase extinção de algumas espécies – é o que se diz!
Manter as massas entretidas com sangue, mesmo que as novas crenças dispensem o sacrifício humano!
As reproduções virtuais da cidade imperial revelam um estádio avassalador
Encostamos os ouvidos aos arcos, aos templos e ao fórum procurando escutar murmúrios (que sejam) de triunfos e glórias, de uma cidade vibrante de um milhão de almas que conheciam os segredos da água, mas só ouvimos cigarras e uma lengalenga de contadores de histórias a multidões ofegantes e crédulas, mas com uma grande dificuldade em compreender o todo!
Uma forma diferente de sentir a fábula!
Perguntamos à nossa alma dual (a inteligência racional) como se deu a ascensão e a queda do império mais óbvio do mundo.
Cento e cinquenta anos, foi o tempo suficiente para transformar o reino do céu na terra, num campo de pasto para vacas e menos de vinte mil almas residentes.
590 D.C.,
A superioridade rendida às trevas e à barbárie dos básicos do Norte.
Nem sempre triunfam os mais fortes
A única resposta da alma dual que refrescava as interrogações sem pudor numa fonte de água gelada, assombrada pelo Templo de Rómulo.


Roma em três atos – Como qualquer outra simplificação grosseira


Decidimos formatar a Roma turística numa cidade a três atos – A decadência do Império, a ascensão do poder católico e o esplendor renascentista e e da contra reforma.
Porque é fascinante alimentar a ideia de que a cidade se (re) constrói permanentemente sobre ela própria, por camadas de História, reaproveitando os materiais, as técnicas de construção, o significado mitológico/religioso ou pagão do espaço arquitetónico ocupado.
Consta que Miguel (o Ângelo) se perdia por entre as basílicas e os templos romanos em ruínas a estudar os prodígios arquitetónicos (e de engenharia, sem dicotomias nem pontas soltas) dos primeiros romanos e, mesmo na decadência, relançou as bases do modernismo (vide ato III)
Nascido na moderna Florença, emigrado para a velha e ruína romana.
 (A atribulada história dos pós império impede-nos de narrar o verdadeiro e definitivo primeiro ato – A expansão do Império - a não ser pela imaginação dos historiadores, e pelas tecnológicas reconstruções em maquetes de 3D)


(A falta de tempo – Roma é uma cidade que se devora – impede-nos de conceber um quarto ato “ A unificação italiana e o século vinte e a Roma contemporânea”, sobretudo porque resumir a Roma contemporânea ao mais que visível – seja qual for o prisma, o itinerário ou a visão panorâmica – “mausoléu” a Vitorio Emanuel seria descriminar positivamente o Benito)
(Sem ofensa)