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sábado, 25 de março de 2017

Pablo, e os exílios dourados

Santiago, 2010

O meu personagem do fim-de-semana foi o Pablo.
Não digo Neruda, porque, se o fizesse, logo se criaria um auréola romântica que distorceria a verdade do filme e, provavelmente, quase todas as suas motivações e encantamentos.
Não sou, de todo, um cinéfilo, e por isso sou um tanto desajeitado com o desenho da forma, com as subtilezas dos diálogo e até com as mensagens subliminares que abundam no cinema de autor.
Por isso não entendi porque é que o primeiro livro que Pablo deixou Oscar apreender fosse "As mulheres quando vão ao zoológico, já não voltam."
Mas, construído sobretudo em cenários de sombras profundas e de contraluz ostensiva, pareceu-me coerente

Santiago, 2010


Um jogo de pistas
Um bordel heroico, resistente ao interrogatório de um polícia de bigode e ao close up do realizador
Um oficial que seria general sem medo
E mulheres.

Santiago, 2010

São imagens que desfilam num enredo que nos faz adivinhar o desfecho
Afinal de contas estávamos em 1948, do Óscar, o polícia, não restam vestígios de História e do Pablo, todos o conhecem pelo poeta que foi apresentado à indolência boémia e parisiense pelo seu amigo Pablo

 Santiago, 2010

Democracias populares efémeras entre ditaduras nacionalistas de pendor absoluto e um fascínio muito europeu pelas histórias de exilados sobreviventes.

Neruda, o filme.
Premunição 1973, quando só a Europa permanece livre.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Santiago – A cidade que ousa desafiar


Santiago não se deixa conhecer num dia.
Porque não ambiciona ser exuberante e persegue uma necessidade de afirmação.
Das fronteiras, da sua identidade!
Estreita e comprida, Santiago é a cidade que se afirma como a americana.
Um desafio permanente aos vizinhos, sem compaixão.
Quarta-feira de manhã de Verão e sente-se a leve brisa dos Andes a soprar pelas ruas movimentadas do bairro de escritórios.
Vitacura pretende ser um elogio ao sucesso, ao trabalho e às riquezas naturais de um país, e à elegância e requinte, as torres de vidro.
- Estamos a construir o maior edifício da América, maior que o Empire State!
Não há calor na manhã da cidade. Por isso ninguém se lembra da boémia.
E a nossa voz de fundo, o Chile que abençoa os Andes que os separam dos vizinhos, esclarece que o bairro universitário, hoje vazio de Verão é o viveiro do futuro…
Afinal há sinais de boémia na cidade…até irreverência!
Esporadicamente entrecortada por lembranças de um passado recente:
As camufladas casas de tortura do regime militar.
Em ruínas…de propósito, impossíveis de reparar por decreto. Reminiscências?
Lembra-me as ruínas na capital dividida de Berlim, no auge da guerra-fria; destroços que se afirmam como espelhos dos nossos (seus) próprios excessos, feridas que não se conseguem sarar, se não formos capazes de expiar os nossos pecados.
Exagero romântico!
Afinal de contas, Allende pode ter sido um governante sonhador, absolutamente destituído de sentido prático, mas é muito mais sedutor que o General.
Contudo, não se vislumbra na nossa superficial memória visual, algum substancial vestígio de trauma colectivo. Talvez uma paz negociada, por falta de consenso!
Casa de la Moneda: Outrora símbolo, actual residência da bem-aventurada Presidente.
95% de aprovação, dizem eles!
E mesmo assim é obrigada a abdicar…os tempos modernos têm um medo horrendo de perpetuar mitos, sobretudo na Latina América.
Palácio La Moneda…
É um palácio urbano, encurralado na cidade (como conseguiram bombardeá-lo, entre os prédios, a cidade e o povo?), em sintonia com o país, sem jardins que o rodeiem, e que turvem a visão aos governantes…
Allende, presidente eleito, tem aqui o seu espaço de memória, entre o palácio e o Ministério da Justiça.

E ninguém estranha que o bombardeemos de fotografias, habitantes desta cidade que se vestem de bancários e funcionários, e que não se abandonaram aos prazeres do Verão na costa, para os lados de Valparaíso.
Ao que consta, políticos e magistrados já foram.
Restam as referências católicas.
Uma freira solitária nas ruas de Santiago, caminha apressada para a Praça das Armas, uma verdadeira inspiração fotográfica. A praça!
Foi aqui que tudo começou; a cidade, o país, a encarniçada disputa com os índios pela posse de uma terra que não pára de tremer, que nunca parava de tremer.
Ontem à noite foram dois abalos, garantem!
A melhor memória ao passado sangrento é o povo mestiço que povoa a praça.
Quinhentos anos depois o presente testemunha que não houve vencedores; extintos ou imersos, os donos dos bosques e das armas, fundiram-se numa nova raça!
Pedro e Inês estão presentes na Praça, na Catedral erigida, mas não era possível ignorar os índios, os espíritos de um país que não chegou a ser: eles vigiam-nos de perto, na entrada Sul da Praça, estupefactos pela petrificação abstracta a foram sujeitos, mas conformados porque a pedra é o destino final de todos os heróis. Também de Pedro e Inês.
Em breves ângulos de exposição do Sol, rendemo-nos à evidência de ser uma Praça espanhola… mas nos profundos e demorados ângulos da sombra, perdemos a certeza e as referências europeias.
Fantasmas ou povo?
Não há gritos mapuche no ar, os cães não ladram mais e o único conquistador a cavalo, também ele petrificou, no extremo Norte da Praça!
Norte, Sul, parece evidente que ninguém abandona já, esta terra!
Praça de Armas, inspiração fotográfica e memória contundente.
Quando revejo as chapas (sim, fotografamos com chapas), os vendedores ambulantes de sonhos e bugigangas desapareceram e sentimos as inexplicáveis sombras…ou talvez seja a brisa que é inexplicável nesta manhã de Verão?
Fantasmas ou povo?
Na altura, povo diria!
Em flashback, fantasmas certamente!











Bellavista, finalmente a reconfortante boémia, sonolenta, preguiçosa e causticada pelo Sol, cores tropicais e latinas, casas térreas e arte popular, apelando ao Pisco Sour e à cerveja gelada.
Afinal sempre deve ter havido bosques frondosos!
Atravessando o rio Mapocho…Ah, terra de selvagens, para lá do forte!
Estivemos na casa de Neruda! Uma das três casas de Neruda, uma das três paixões do poeta:
Matilde, entre outras!
O poeta precisa de inspiração e liberdade, só podia ser Bellavista!
Por isso, morreu três semanas depois do golpe de estado.
Misteriosamente…afinal a pedra não é o destino final de todos os heróis. Nalguns, a mente e a pena (símbolo da escrita) gravam a nossa memória de recordações doces e sentidas.
Mas vista de cima, a cidade parece nunca ter sido bosque, o Sol está demasiado alto para alaranjar os Andes, e o fumo que não se vê mas se sente desvanece as cores e presenteia-nos uma cidade cinzenta aos nossos pés:
Sathanattan? Nãa!
A diva de quarenta, descansa o olhar delgado e as coxas can-can sobre a cidade.
A bicicleta vigia-a, e um olhar furtivo descortina cor na cidade entre os raios da roda da frente.
A Diva e a sua montada. Momento fotográfico…digital!
Concéption, dixit!



Descemos à terra no mercado central.
Entre o peixe do Pacífico e a Centolla universal, o mercado é um momento de cheiros e sabores fortes, uma babilónia onde não se distinguem os que compram e os que vendem, pratos com sabor a música chilena que ecoa na abóbada das esplanadas interiores…
Escapa-se por debaixo das cadeiras e dos menus, trepa nos pilares metálicos, surpreende-nos em todas as esquinas, todos iguais e um som inconfundivelmente diferente.
Na hora do almoço, os estridentes e gelados picos dos Andes, tinham descido à praça.
Não havia flautas, mas violas que competiam pelo reconhecimento e pelo espectáculo.
Almoçámos Santiago no mercado central!
Só o vinho branco do Chile, nos faria sentar junto à fonte – lavagem dos legumes? -reconhecendo, na música, a originalidade de uma cultura e na comida, o apelo do mar!
Mesmo que Santiago não se deixe conhecer num dia.





Nem em dois…
Dupla personalidade na baixa, é o sentimento de Sábado à tarde na mesma cidade. Deserto humano, primeiro e uma repentina enxurrada de gente que não pertence ao mesmo filme.
De onde vêm? Para onde vão?
É Sábado à tarde e os subúrbios desceram à rua, agitam-se num só sentido e despovoam as ruas em redor.
Uma súbita sensação de América Central: as hordas incas que desceram do Peru?
Era tempo de espreitar os conspiradores no Rincon dos canalhas!
Chile libré! Seria a verdadeira senha?
Nunca se soube. Debalde!
Uma velha de vassoura na mão, exclui-nos do bar, deste pequeno pedaço de clandestinidade.
Tínhamos chegado demasiado cedo e não tínhamos sido devidamente recomendados. Ninguém sério procura secretas conspirações pela Internet.
Mas juro que vi, por cima do cabelo palha-de-aço da velhinha antipática (e amedrontada?), Allende e o camarada Che a sorrirem sobre um fundo de bandeira do Chile livre.
Roubei-lhes, num vislumbre, o seu olhar e toda uma revolução!
Como água para chocolate. O não último jantar em Santiago na cama, com Laura Esquível!
Todos comeram na mesa, feita cama dela; no bairro da Bellavista, a dois quarteirões da casa de Neruda, o Pablo na casa da Matilde…ou a virgem mãe…Poetas!
O pisco sour, aguardente chilena, recorda-nos que todos somos livres: temos plata e passaporte e não tenho perro (cão) que ladre. Uma vez mais dixit!
Força Chile!


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

S. Pedro (Perro) de Atacama – o deserto das estrelas


S. Pedro, uma terra de mochileiros, tão diferentes entre eles, mas tão vivos e presentes.
Alguns são apenas revivalistas da mochila, sedentos absolutos do conforto e do bem-estar, no centro de uma verdadeira aventura, remotas latitudes, exóticas referências!
Como Calafate, Cahuita e Canoa Quebrada, icons (presentes, passados, futuros?) dos viajantes solidá(tá)rios, um regresso às origens ou a expiação colectiva das suas inquietações burguesas ou solidões profundas.
Na praça da igreja, um largo do coreto tão recôndito como familiar, a aldeia reinventada no sopé dos andes, passeia-se ao fim da tarde e prepara-se o cinema ao ar livre.
Cine Paradiso na noite fresca de S. Pedro.
Caracoles ao anoitecer é o centro da diversidade, onde se reúnem os contadores de histórias do mundo inteiro à volta de um braseiro, os viajantes são assim, mesclam experiências e são apenas pescadores de sensações com uma contextualização pouco precisa.
Chegam e partem dos cumes e dos vales; uma aventura em ambiente controlado!
Impossível de definir um padrão, uma origem, porque não há uma fronteira social entre os autóctones e os forasteiros.
Apenas na fisionomia andina…alguns!
Sente-se ainda no ar os cheiros e as sensações de uma última fronteira.
A Bolívia é já ali ao lado, por detrás do Licancabur, 45 quilómetros de encosta íngreme, uma estrada que se adivinha esburacada sem controlo de fronteira. Ninguém quer ir para lá! – Dizem eles
Argentina, um pouco mais a sul, Paraguai, em entreposto para chegar ao Brasil!
A música andina entope a rua, construída de sal e areia, intermitentemente iluminada por candeeiros amarelos, homenagem às cores do deserto, um suave contraste com o barro das cercas, das paredes e dos pátios, heranças de influências múltiplas:
Andes, deserto e colonização espanhola.
A noite é curta no deserto e a Via láctea é o lençol iluminado (a nuvem?) que nos fecha os olhos!
Géisers e fumarolas a 4,300 metros.
Acordados desde as quatro da manhã, tivemos saudades das furnas dos Açores.
A actividade geotérmica estava dormente, porque a temperatura do ar era demasiado alta…diziam eles!
3º Graus é muito calor – dizem eles
Uns fumitos e uma aguazita a espirrar.
Não ousamos troçar da natureza no seu estado puro, mas aquele banho matinal nas águas quentes (e sabe-se lá mais o quê) das termas de margens lamacentas sofre de tendências depressivas, multidão de cabeças espetadas no vapor e flutuando sobre as sombras da água, no limite da indecisão entre o riso e o choro.



Os fatos de banho ancien regime deviam ser proibidos, porque interferem com a vida selvagem!
Agora entendemos porque é que o pico que circunda o vale geotérmico se chama choro do avô!
Pobre avô!
A descida pelas encostas, montanhas abaixo, tão deserto, riachos cheios de verde, pontes que não existem.





Uma aldeia recôndita, sem nome que deixe recordação ou lembrança!
Uma fotografia do lama bebé órfão que bebia biberão custou 1000 pesos.
Afinal o lama não era órfão, mas a igreja era linda!
O intervalo da aventura do dia, chama-se sopa de beterraba fria, de frente para o Licancadur, sala de almoço no Tierra Atacama, arquitectura minimalista, sem traves mestras, só vidro, paisagem e vulcão.
O mais famoso dos vulcões.
O vale da Muerte (que devia ser Marte se não fosse um equívoco linguístico) é o princípio da última experiência de deserto.
A primeira verdadeira experiência do deserto no seu estado natural: absoluto inóspito.
Gargantas profundas esculpidas pelas águas, gelo, vento, lava e sedimentos, montanhas esculpidas de areia e sal, encostas arenosas que escorregam só de olhar, formas bizarras esculpidas no ar e na terra…
O Vale da Lua!

Dizem que é o lugar mais seco do mundo. Dizem!
Sublime a não cor, a forma da lua nas rochas, um arrepio na cordilheira dorsal …
Nossa ou do deserto?
Inesquecível a versão Atacamenha da Lua.
Começam a juntar-se os adoradores do Sol Poente, dançarinos da areia e do monte, adivinham-se os pés descalços e as plantas alucinogénicas, capazes de tatuar (sem possibilidade de remoção) as cores do Sol a despedir-se das montanhas, dos vales …
…oásis, vulcões, lagos salgados e…areia!
Pôr-do-Sol no deserto!
Andes pintado de tons laranja que mudam a cada momento, a cada ângulo.
Oásis de S.Pedro deita-se no planalto e o deserto capricha em formas e cores, amarelo, laranja e tons desconhecidos, porque não os há noutros lugares.
Deserto é vida!
Deserto é extremo!
Inenarrável a despedida do Imperador dos elementos!
Causará danos irreparáveis nas partes mais sensíveis do cérebro?


Atacama – o deserto das estrelas


O céu que cega os sentidos, é a primeira sensação do deserto.
Via Láctea, as Três-Marias…
Os camiões sulcam o deserto que se pressente na escuridão, e pressentem-se as maiores minas de cobre do mundo.
A chegada à cordilheira dos Andes é visível a quilómetros, pelos vultos luminosos que se confundem com as estrelas dos alucinantes monstros do asfalto…
E a distância entre os portos do Pacífico e as grandes metrópoles do interior Atlântico, torneando as cordilheiras, afrontando os cumes dos vulcões extintos
Bolívia, Paraguai, Peru e Argentina, refazendo as áridas rotas de Pedro de Valdívia.
São as novas fronteiras que se cruzam no Atacama!
O deserto em movimento, dominado pelos faróis da estrada e pelas estrelas do céu.
Depois, vem o silêncio; o deserto longe da estrada.
E no fecho da trilogia dos sentidos, o cheiro: a seco, perfumado e (particularidade deste deserto) a vento, 2,200 metros de altitude ventosa e resfriada.

De manhã, nasce um outro deserto.
Quente, vermelho, os vulcões que assomam do cimo das fronteiras, imensidão que se vê, as distâncias que não se entendem.
Tão perto (que parece), tão longe (que é).
Miragem indiscutível
Acordar com o vulcão Licancabur aos pés da cama!
Inactivo, mas com 6,000 metros de imponência, num absoluto contraste ente a terra de cor indecisa e o céu de um azul que não é cor de mortais!
O oásis dilui-se progressivamente no asfalto intermitente, nos muros altos que bordejam as árvores frondosas, os rios subterrâneos, primeiro, substituídos por arbustos, depois por umas penugens secas, tão inóspitas quanto o horizonte, por fim pedras e areia cinzenta.
Oásis, deserto, bosque inacabado, oásis Toconao.
Tudo o que se imagina num oásis: uma igreja – missionários que não se detinham na sua missão evangelizadora, pela ausência de crentes – pó que se entranha na vegetação que ousou nascer, um repositório de todo o lixo que o deserto rejeitou, uma luta que se vislumbra entre a civilização e as forças da natureza.
Um lama no curral e uma cabra que se passeia no banco de jardim, patas atadas por precaução de quem as conhece.





Mas tem gente; brinquedos esquecidos no quintal da senhora de idade, um tear que se prepara para trabalhar e a velhota da loja dos souvenirs, também dona do lama, da cabra e provavelmente das crianças que abandonaram o quintal, em defesa da sobrevivência do negócio.
É um cenário de purgatório geográfico e humano.
Antes do deserto que não tardou a afirmar-se como dono do planalto.


Salar de Atacama: uma imensidão de caprichos da natureza (ou o fascínio pela obra da criação e transformação do mundo), o terceiro maior lago salgado do mundo, o coração do deserto nas alturas, afinal o deserto tem vida
Flamingos, os donos dos pequenos lagos do Salar
A subida para as lagoas altiplanas, faz-se de medo das alturas e de transição de estado…o deserto que se perde nos cumes da cordilheira continental, simplesmente Andes!
4200 metros de altitude, lagoas de azul impossível, que competem com o céu e os vulcões.
Dizem que há alguns milhões de anos, a actividade de todos estes vulcões, correspondia a um terramoto de 40º…
Muita animação nos primórdios do mundo.
E ficaram duas lagoas…o vento assopra-nos os sentidos, um bando de vicunhas desce a encosta até ao lago, para matar a sede, um vulcão extinto de 5900 metros de altura vigia a vida animal do lago, do vale e das encostas sobranceiras.

Afinal, parece que o grande explorador dos interiores inóspitos, Pedro de Valdívia, passou apenas no vale e não conheceu este cenário do nosso mundo.
Pena para ele, e uma sede mortífera para os seus comandados que se perderam e reencontraram nos recantos mais secos deste planalto de Atacama.
Um problema de definição de fronteiras?

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Punta Arenas - O outro lado do canal



Punta Arenas é o testemunho de que o Chile é o dono do Estreito da Magalhães.
Sem possibilidade de disputa.



Eles fizeram questão que esta fosse uma sinóptica lição de História.
Na fronteira do estreito e do país!
Os factos revelam a apetência pelo Sul, a vista do morro Norte desvenda uma ambição traçada em avenidas largas e desenhos geométricos.



Uma colonização precoce, famílias poderosas, casamentos de conveniência, fortunas colossais feitas com o ouro branco – a lã dos carneiros do Sul!
O português José Nogueira que não resistiu ao apelo do estreito, enriqueceu e casou com a Diva, Sara Braun
O regresso do espírito português ao estreito…o fascínio pelas terras frias, encontro de mares e de trajectos!
Sara Braun, a benfeitora, adoptou a dois terços da Terra do Fogo como se fosse riqueza de berço, construiu o seu palácio para a posteridade e ofereceu a si própria a porta para a eternidade.



O cemitério de Punta Arenas é a prova da riqueza vivida: alamedas sumptuosas, ultimas residências de pedra trabalhada.


Ironia que este seja o museu vivo do espírito de conquista do inóspito!
Irónico e um pouco desconfortável.
Mas também a diversidade cultural de um povo de imigrantes, que aqui descobriam o fim da linha.
Na cidade e no estreito!
La Luna é um momento zen na fronteira do estreito.


Mensagens de postais ilustrados, dos viajantes que gostam de deixar troféus e bilhetes em todos os confins, ou onde lhes seja permitido.
Uma eslava almoçava sozinha junto à janela
Almoçava, escrevia bilhetes, e complicava as referências geográficas.
Ela não era daqui.
- Todos nós temos amigos com apelidos croatas, croatas imigrantes que fugiam do conflito dos Balcãs, com data 1ª guerra mundial
Afinal era de cá
Pareceu-me que não falava dialecto local
Viajante à procura das origens?
A lua nascia sob a forma de candelabros, posters azuis e amarelos.
O restaurante enchia-se, perdia o silêncio mas conservava o teor multicultural.
A eslava esperava o par!
A língua espanhola traiu a nossa dúvida.
Croata – concluiria algumas horas mais tarde
O único povo imigrante com direito a monumento na cidade.
Sobreviveu a Tito – o Marechal – a uma guerra civil e a muitos anos de não afirmação da diferença entre expressões de nacionalismo balcânico.

Mas…
O ouro branco que se transformou simplesmente em lã
O canal do Panamá que destruiu as rotas épicas e a aventura
A vitória da engenharia sobre os pântanos
Os indígenas absolutamente extintos
Hoje…
A cidade vive da distância, da inevitabilidade de ser periférico,
Um destino que não é fado, é o outro lado do óbvio!
É uma reputação que perpetua o fascínio das rotas quase incólumes, o dom da natureza e do desafio à coragem humana…
Também é possível viver assim!




Quando partimos para Norte, recordo-me do símbolo do Sol Nascente, atracado no estreito, atrás do Via Australis.
E entendi porque a baleia solitária da madrugada anterior, se manteve tão à distância…não teve tempo de verificar as cores da bandeira!
Boa sorte, mamífero (quem tem coragem de lhe chamar selvagem?), porque os predadores andam por perto!
E a Patagónia desvanece-se a Sul, no horizonte azul e frio
Paragens do outro mundo!

domingo, 7 de fevereiro de 2010

A caminho do Estreito de Magalhães – a rota dos puros



0º Centígrados no fiorde.
Chove que desunha, os blocos de gelo (icebergs) atravessam-se à frente do Zodíaco, cataratas explodem água gelada pelas escarpas do fiorde abaixo, uns pássaros Cormorans equilibram-se na ponta dos rochedos, e vivem, procriam e defendem-se dos depredadores.
Pudera! Tanto frio e tanta inacessibilidade!
Que estes pássaros não morram da cura!
Um glaciar que ninguém tem a certeza se avança se recua.


O Zodíaco fura mesmo os icebergs que são trespassados pelo casco vencedor.
- A versão chilena do Titanic! – Risos largos do chileno explorador dos glaciares e dos mares e nervosos de todos os outros
Foi um êxtase de água nos seus múltiplos estados e origens.
O frio era intenso e molhado, mas os seres inebriados pelos vapores do glaciar cheiravam as quedas de água (e molhavam-se), sentiam as nuvens de água gelada a entrar pelas narinas, e gostavam, absorviam todo o branco que havia no glaciar…e ficava o azul das profundezas.
Água vida!
A adrenalina da água – quanto mais molha…


O vinho quente e amargo no regresso ao conforto não aniquilou a adrenalina no estado líquido.
Fim de tarde em frente a um glaciar, no final do fiorde, nós, o Via Australis e o gelo
Rifaram a bandeira do navio: Saiu a um brasileiro de Magalhães
Sentimos o Estreito de Magalhães a chegar: 11 da noite e o mar acordou!
Ilha Magdalena: Estreito de Magalhães, manhã do ultimo dia!


Pinguins: cheiro de mar impregnado na pele, animais que cantam que nem burros, uma visão de multidão alucinante bicos espetados, garanhões e outros mais atrevidos
Rufias que bicam nas pernas de um passante, um tráfego de pinguins para cima e para baixo atravessam o sendero sem olhar, aos grupos todos juntinhos, com um andar de pinguim (pareciam mesmo pinguins)
Entram na água, lavam-se, sujam-se e entram na água.


Aos pares, aos grupos, sozinhos, todos juntos numa agitação sem limites.
120.000 pinguins numa só ilha!
Uma verdadeira comunidade de buracos (ninhos) que pareciam apartamentos de um sobrelotado bairro suburbano com as sopeiras a atirar o lixo pela janela abaixo.


Estes animais não são certos! Animal que não foge do Homem não acerta com todos os parafusos.

Canal Beagle – As baías dos índios anfíbios






A lua cheia enche a noite de um rasto de luz amarela que persegue o Via Australis noite dentro, rodeado de margens estreitas e picos escarpados.
São onze da noite, mas o crepúsculo persiste no canal Beagle, um lago espelhado, despovoado dos índios extintos, reino das aves marinhas e lobos solitários.
Darwin ganhou fama nestas paragens, três séculos depois dos descobridores, chegariam as primeiras tentativas de colonização, de aplicação prática da imberbe e imprecisa teoria da evolução das espécies.
E os índios Ayamanas, foram as cobaias de um biólogo cura, que sonhava com os mundos longínquos, mas que abominava o contacto físico com o primitivo e o selvagem.
A ciência como (poderoso) exercício da mente.
A baía de Uluaia é um retiro da natureza em estado puro, águas frias e verde deslumbrante, bosques pejados de vegetação Patagónica, uma encosta íngreme que se preenche de cascatas e plantas com frutos amargos e (dizem eles) afrodisíacos (a legião italiana uiva de emoção), caminhos lamacentos e paisagens deslumbrantes.


Tínhamos chegado ao ponto de encontro de culturas, o marco do encontro entre Darwin e os índios selvagens, primitivos e anfíbios.


Mas Darwin equivocou-se; o vocabulário dos Ayamanas tinha mais de 40.000 palavras.
Dormiam nos barcos, saltavam de terra em terra e descansavam em cabanas construídas por folhas de árvores e revestidas por peles de lobos-marinhos!
Uma visão profunda e sofisticada do mundo, a ecologia no estado mais puro, viviam com o que tinham em completa harmonia com o meio ambiente.
Por isso acabaram exterminados pelas doenças dos povos que se encontravam no topo da cadeia de evolução.
Ironia científica?
Manuela, a bióloga da expedição dixit!
Tínhamos recuado dos mares tormentosos, das forças de uma terra em nascimento, para uma acalmia pôs parto…
O final da cordilheira chilena dos Andes, revelava ao longo um glaciar seco e os cumes gelados, marcava a fronteira entre a terra e o mar, ou revelava-nos o regresso a terra dos auspiciosos navegadores de mares infinitos.


Regresso ao finito, ao explicável e ao alcançável.
Três mil metros de altura, ilhas que salpicam o mar interior, um silêncio esmagador no topo da colina, a natureza que nos penetra em todos os sentidos, e nos fere o nosso racional civilizacional.
Os castores destruíam as árvores – foram importados do Canadá e esqueceram-se dos predadores – e construíam barragens na castoreira, atrevidos e descarados estes bichos roedores que nadam nas nossas barbas e roem árvores para se entreterem (?!)


Um equívoco humano?
O conforto civilizacional (sobre a forma de semi-rígido) recolheu-nos a bordo, e a noite caiu com um manto de lua sobre o barco, as pequenas ondas de um mar interior e o sono profundo de quem vive emoções profundas sem vacilar!
De manhã, já na vizinhança do mar da Tranquilidade (diziam os navegadores), Oceano Pacífico por perto (sentia-se o cheiro, o frio e a diferença), os lobos-marinhos acordavam-nos com a mania da perseguição, saltavam atrás do Via Australis e chamavam a baleia que, ao longe, expirava água, espuma (ou apenas miragem?)

E o Estreito de Magalhães (português ou mal compreendido?) aproxima-se sem pressa!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Cabo Horn – Os monstros do fim do mundo


Francis Drake teria adorado, 500 anos depois, acordar junto ao temido cabo, dentro de uns lençóis imaculados ao som da música tradicional chilena!
Teria?
O cabo mais ao Sul do Mundo (Antárctida não é terra, sequer!) acordou-nos de um verdadeiro sono de mar, um amanhecer pesado e chuvoso, umas vagas mais crispadas que os civilizados lagos glaciares, uma expressão afirmativa de mar salgado, ventoso e inóspito, …
O Via Australis não é um contingente expedicionário com o destino fim do mundo, nem um veleiro de piratas, mas havia um toque de legião estrangeira neste mundo flutuante de tecnologia e conforto.
Dezasseis nacionalidades, velhos lobos de terra firme, alguns mesmo velhos, e um contingente de herdeiros puros de Magalhães, lembrados em público pelos marinheiros chilenos (e um arrepio de espinha e orgulho), e porque será que ninguém lembrou Drake e os seus herdeiros naturais?
Talvez a sua tendência para bombardear Valparaíso…
O advento das nações tornou relevante os motivos, atravessar mares pejados de monstros (imaginação ou miragem?) com precisão de mestre navegador, não apaga temperamentos belicistas (ou piratas) de um inglês que antipatizava que as alianças latinas. Não na memória dos povos!
Imensidão, solidão, aventura no estado líquido, tempestade e montes desérticos, desertos de vegetação rasteira, tão rasteira que só não afugenta os pássaros – esses podem voar entre a terra e o mar e podem, mesmo que não queiram, fugir – é a imagem do desembarque madrugador e anfíbio na ilha de Hornos.


Não tem problema, é água do Cabo Horn – o semi-rígido inundado pela traseira e o primeiro teste de impermeabilidade algo comprometedor, a lembrar que uma expedição se faz de alguma capacidade de suportar os elementos…
Drake teria apreciado os homens-rã em fato de mergulho a embalar os legionários com coletes garridos e expressões de fascínio juvenil.
Terá ele desembarcado no Horn?
A subida penosa até ao planalto desolador, reserva-nos um frio cortante e uma saudação chuvosa – a chuva foi despejada sobre a ilha como um souvenir do mítico referencial do atrevimento e loucura dos navegadores aventureiros –


Albatroz, monumento, os habitantes quase exclusivos das escarpas incendiadas de verde e rocha.
A bandeira, o farol, o monumento e uma base expedicionária do exército chileno.
A nação, o elemento humano e estranho a este paisagem que, na sua génese, é de ninguém, afirma-se por um pedaço de pano tricolor ao vento…
A tempestade obrigá-los-á a relembrar que o espírito de posse – identificado como nacionalismo – é efémero, na inexorável lógica da natureza!
Tantos panos por uma Nação!
Os albatrozes são anarquistas e anseiam a revolução mundial!
A Patagónia também se assume multinacional: Cordilheira Darwin, terceira massa de gelo do globo, fiordes, oceanos, cordilheiras e canais, oceanos, canal de Beagle, cabo Hoorn…
- Bem-vindo ao cabo Horn – os homens rã, os militares expedicionários, também eles se renderam à legião multinacional de exploradores, num largo sorriso de quem se sente a atravessar uma última fronteira: o Grande Sul.
Vento, panorâmicas desoladas mas infinitas e deslumbrantes; mar imenso, escarpas que desafiam as ondas encapeladas do Mar de Drake.
O êxtase do planalto no meio do mar!
800 naufrágios ao largo deste cabo.
Um farol isolado do mundo!
17 nós de vento, 8º C de temperatura
Não havia fogo, porque não se via fumo e os demónios tinham-se esfumado na imaginação dos navegadores do século XVII.
Somente vento, chuva e imaginação do que será o Sul gelado!
Mas o Via Australis zarpou da ilha de Hornos e o Sol furou o vento e a chuva, hasteou a bandeira de piratas num afoito desafio ao cabo (autoridade física?), Drake, Fritz Roy e todos os navegadores do absurdo, furou as ondas na direcção do estreito de Drake, ultrapassou o cabo num momento raro de bons ventos e apitou três vezes, sozinho no oceano, sobrevoado por albatrozes e outros pássaros agoirentos, para êxtase global de todos os velhos lobos de terra firme, que abanavam agora ao sabor do mar crispado, provocados pelo vento, iluminados pelo Sol e resistentes ao enjoo, porque a emoção e o momento histórico enchia-nos o estômago e lavava-nos a alma.



10;18 da manhã de 31 de Janeiro do ano da graça de 2010.
Dobrámos o Cabo Horn em grande estilo expedicionário.
O monstro rendeu-se à vontade indomável da tecnologia e das máquinas.