O canal é apenas uma linha azul
no mapa usado e desfeito, uma relíquia sobrevivente
A linha azul aparece do nada,
porque o mapa tem fronteiras, cabos das tormentas de onde os exploradores não
temem atravessar.
Acaba e pronto.
Para lá chegar foi preciso comer
um pastel de nata no café Lisboa, atravessar a linha do comboio do expresso
para um lado nenhum, descobrir que havia, debaixo da linha, um barracão que
parecia ser a filial local dos lagartos, sábado salmão grelhado e bacalhau com
espinafres, rascunhado a giz branco em ardósia preta, fundado em 1980, um leão
encardido e um número de telefone de call girl 02089683069, definitivamente
underground.
Mas depois de uma escada de
caracol, locais de camisa interior numa varanda rebaixada sobre o canal, e
felizmente não há comportas porque senão molhavam os pés, olhares desconfiados
porque na ponta do canal não é suposto haver estrangeiros.
Sim, estrangeiros, mas num
conceito londrino o estrangeiro pode ser o local, o londrino, o inglês, é muito
fácil perceber em que sítio não estás.
Mas afinal há vida no canal
Três horas e meia depois a linha
azul do mapa transformava-se num grande oceano sem fim nas nossas pernas,
porque afinal havia dobras no mapa que haviam desaparecido e as curvas do
canal, que eles chamam desgraçadamente de pequena veneza, empurravam a linha de
água para norte, e então atravessávamos o grande parque do Jardim Zoológico e
voltávamos a reconhecer a civilização, ninguém aqui mais vive em barcos, um
bairro de casas vitorianas e agências imobiliárias, londrinos que não são estrangeiros,
pelo menos aqui, e entrámos no primeiro bar de esquina que tinha portas
abertas, mas não tinha gente porque aqui, no bairro, multidões não eram permitidas.
Sentámos-nos de pernas penduradas
em bancos pernaltas e pedimos cerveja.
O empregado era ruivo e sardento,
demasiado desconjuntado para inglês pois então, adivinhei-lhe uma personalidade
celta porque era prestável e não tinha a certeza de tudo (nem de nada) e a música
de fundo não enganava. Afinal de contas fazia todo o sentido que a banda sonora
fosse riverdance e os donos do bar irlandeses.
O’Brien, portanto!
Sempre fantástico!
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