Apesar de ser uma
mente que pairava o mundo, não o empolgava qualquer sentimento ou apelo ao
destino atlântico e descobridor, revelado no ADN lusitano, e muito menos à
Ibérica ambição de grandes e épicas conquistas. Nem mesmo o amor convicto pelas
causas humanitárias num mundo globalizado, o terá alguma vez despertado para o
voluntariado de impulso e sem regresso, que a sua mente em estado de sono
profundo, sonhava.
Era eventualmente, e
apenas, uma forma de expiação do pecado de viver num mundo remediado. Por isso,
era um sentimento sem força suficiente que levasse alguma vez L. a pensar
sequer em partir sem bilhete de regresso.
“ Tu és um homem
maratona “ – uma profecia indesejada de furtivo e não assumido amor.
Convenceu-se então que
isso de ser corredor de fundo era uma espécie de gene diletante e ramificado na
sua consciência de ser, que não lhe permitia tomar decisões grandiosas e
absolutamente não convencionais.
E por isso mesmo, tornou-se
um adulto conformado e portador de uma existência tão linear quanto previsível,
empurrado pelas circunstâncias conciliadoras de uma vida socialmente
enquadrada, temperada por laivos de irreverência condescendente, décadas de
ascensão consciente e estruturada, a obstinação que, esporadicamente, se
sobrepunha à determinação e uma invulgar capacidade de acumular experiências e
devolvê-las, sem golpes de mestria e de forma absolutamente gratuita, a todos
os que dele se abordassem.
Socialmente inapto,
portanto, este homem da maratona, no amor e no trabalho.
E à medida que as
luzes amarelas do aeroporto galgavam o horizonte em sua direção, do táxi que o
transportava e dos subúrbios sem esgoto nem pavimento, L. via desfilar, neste
oásis de luz fosca, esbatida e sem sombras, a súbita destruição do seu mundo
familiar e a incapacidade de lidar com um mundo laboral de metas curtas e
personalidades afirmativas.
“Vou sair de casa” –
foi de uma forma tão simples e cruel que o amor da sua vida, subitamente o
privou da família, do sentimento que julgava ser apenas uma esbatida e longínqua
paixão, e de uma vida social em recente estagnação.
“Apaixonei-me outra
vez!” – A paixão é um sentimento do fim dos tempos, que se reacende em momentos
de crise profunda, uma espécie de anestesiante para a queda iminente nos
abismos, os momentos de loucura que precedem os marcos da História.
Foi o regresso da
teoria dos ciclos, após décadas de crença absoluta no enriquecimento eterno,
baseado no conforto, na indulgência e nos valores em que fomos habituados a
acreditar.
“Lamentamos, mas não
se adaptou aos novos tempos” – Retrato de uma geração em apuros
No amor e no trabalho!
Assim, para L. as
generosas taxas de crescimento destes povos latinos, ansiosos por ascender ao
patamar mínimo da classe média, ainda entre senhores e servos, eram um desafio
sem segredos para quem já não acreditava, depois dos cinquenta, que o mundo
fosse o seu novo e instável lar.
E os laivos de memória
descontextualizada invadiam-no com a aproximação dos lugares com fuso horário.
E o aeroporto da
Cidade do Panamá era um deles.
E, enquanto procurava
consumar uma bandeirada a preço aceitável nesta viagem de bigode e tez morena,
viu a sua vida a desfilar em contramão na esporádica autoestrada deste destino
improvável.
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