Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta Miraflores. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Miraflores. Mostrar todas as mensagens

domingo, 11 de novembro de 2012

Lima - A (foto) síntese da Latina América



Lima de novo.
A neblina da primavera do pacífico persiste, embora temperada por um tímido sol, que acende uma chama protetora das indígenas que se refastelam na relva de Miraflores, a pastar os lulus dos ricos.
Depois da noite esfriada de cusco, altitude seca em estado sólido, rebolámos para a altitude 0.
Lima, Perú a nível do mar, mas protegida dos tsunamis por cinquenta metros de arribas convenientes.
Miraflores (o bairro) mira mar por vontade e vocação.
E hoje, descobrimos a burguesia peruana pelas ruas que trazem o oceano até aos jardins da cidade ociosa.
Uma outra face da mesma metrópole, tão enorme e tão surpreendentemente estratificada por bairros, ruas e quarteirões, ou simplesmente encostas de poeira desértica…
Contra as expectativas de uma metrópole invadida pelo país rural, numa anarquia sudamérica das periferias em pólvora, hoje revejo-me numa cidade com os ambientes Vargas Llosa que estou a aprender a conhecer, sessenta anos mais tarde.


No jardim Kennedy, havia bancos com estórias trocadas entre velhos amigos, gatos que se espraiam pela relva, uma porta para a avenida arequipa, a conexão literária entre o passado e o presente da cidade dos príncipes e dos pobres.
Um excerto de cidade sul-americana de latinidade ocidental, europeia sim mas com sotaque, como na bellavista em Santiago, em Ipanema ou no bairro S.Telmo.
Saudosista, levemente afetado, mas sedutor para um europeu latino que regressou dos confins (e das entranhas) da indígena (fascinante, longínqua e estranha à nossa cultura do mar e da planície) terra andina.
Mas a Lima nebulada e sombria de um inverno que não termina mais, revela-nos outras surpresas…
Num mundo em que a agricultura não é reconhecida, os terraços incas de experimentação agronómica e os ícones de aproveitamento da natureza, qual sal de maras, reproduzem-se nos novos laboratórios de experimentação gastronómica, exemplo restaurante central, a Lima, capital gastronómica da américa do sul.
A chef loura prepara o cheese cake cabra km 28, do lado de lá da cozinha peruana
E não sorri!
A um ritmo alucinante, uma estratosférica alegoria de ingredientes sublimes que legitimam, só por si, um abençoado regresso à terra profunda, um vale sagrado da agricultura de sabores.
Lá fora, os abutres, os pelicanos e as gaivotas do pacífico acenam-nos com as asas e voam, rasantes sobre as ondas.
Também na cidade dos reis, a última palavra pertence aos deuses, e seus fiéis símbolos da vida eterna sobre a terra.
Aleluia, Perú dos incas e dos viracochas!


terça-feira, 23 de outubro de 2012

Lima - A cidade das brumas



Lima é a cidade dos Viracochas e, quem sabe, uma afirmação de modernidade de um país. Deuses que viriam do mar…e vieram
Lima é a cidade dos reis brancos, barbudos e malcheirosos que desconfiavam da mística Cuzco, demasiado grandiosa e sobrenatural
Portanto, incontrolável
No credo en brujas, pero que los hay, los hay
Nove milhões de almas que se acotovelam nos bairros populares em gigantescos mercados grossistas
Cidade das brumas, fenómenos meteorológicos que lançam capacete sobre a cidade, que devia ser tropical, mas não é, pelo menos mais de seis meses por ano!
É bizarro, o equador tão perto e os caprichos das correntes marítimas, e o pacífico oceano que se empurra de encontro aos Andes transformam, esta amálgama de metrópoles tão latinas e tão sul americanas numa distinta urbe, tão britânica quanto a neblina permite, qual chapéus de coco que estranhamente povoam as ruas poeirentas dos mercados de rua e que se equilibram, quais trapezistas entre o infernal burburinho desta cidade, sem caírem sequer!
A vingança nativa (incas e os seus incógnitos ascendentes) serviu-se retardada e definitiva.
Oitenta por cento do povo é mestiço!
Sol e Lua, oposto e complemento em três estágios de vida: ave, puma e serpente
Cidade das crenças que, em dia de procissão da Nossa Senhora das Dores, se revela de uma profunda religiosidade que leva multidões às ruas, magotes que se deslocam a pé dos bairros pobres, distantes e inacabados para um centro que, se encolhe porque estranha, no seu abandono e despovoamento crescentes, o movimento e a alegria dos crentes, pobres mas crentes!
Não estamos habituados a ver tanta fé em povos que (foram, de forma musculada convencidos a mudar de..)mudaram de Deuses há menos de quinhentos anos, de tez inca, mestiça ou índia.
É uma nota disfuncional na paisagem, mas que é perfeitamente coerente com todas as notas invulgares que povoam a cidade.
Nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma!
Símbolos religiosos, impregnados nos mantos cristãos, através da mãe natureza
Não há barbudos e malcheirosos espanhóis a atravessar as húmidas brumas de uma manhã tão cinzenta, mas tão colorida porque a cor é aqui, e em todo o país, o Perú intenso!
Mas a Praça de Armas é uma afirmação do poder espanhol que resiste teimosamente à desertificação do centro da cidade, uma auréola de edifícios coloniais gastos pelo tempo, pelas revoluções e pela ascensão do poder revolucionário subversivo e clandestino
Em seu redor, expande-se uma cidade caótica, cuja inexistência de infraestruturas empurra milhares de carros, motos e combies (pequenos autocarros independentes) para uma dança de desfecho sempre incerto, em que a prioridade é concedida a quem for o último a parar. Sem ofensas, como se as buzinas apenas prestassem honras ao mais destemido dos guerreiros do trânsito.

Saindo da Praça de Armas em direção ao mar e a sul, percebe-se que coexistem nesta larga extensão de casas quase térreas, vários destinos de um mesmo povo.
As grandes migrações dos anos noventa, a pobreza extrema dos sem raízes, aqueles que já foram integrados dentro dos limites da cidade e os que se espraiam pela pan-americana à espera de entrar;
Os bairros de classe média, com quintais vedados, e um espaço de garagem ao ar livre onde param os automóveis de família, gastos mas dignos;
A frente Pacífico com bairros a tocar o glamour e com uma gastronomia de fama e eleição, espraiam-se os soprados pela riqueza e pelo crescimento económico de seis por cento ao ano, abençoados pelo poder e pela pátria
Mas não se chegam ao mar: as arribas de Miraflores espreitam o mar mas deixam a marginal, lá em baixo, para os surfistas e para quem quiser, numa espécie de zona livre porque afinal o mar (porque não há sol) quando nasce é para todos.