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domingo, 4 de novembro de 2012

Domingo é dia de feira no vale sagrado

Domingo em Pisac é dia de feira.
Tal como em todo o vale.

Logo de manhã, enquanto o petrificado e pindérico puma colérico procura lançar o pânico no povo (sem qualquer efeito aliás, o velhote mumificado que se sentava à sua sombra que o diga, ele era o espelho do tédio) …
O povo invade as ruas e as estradas, vestido num arco iris de roupa e chapéus (sim, chapéus surreais, cartolas e de coco com umas abas de acrescento, um erro lamentável de um empresário, certamente de origem espanhola).
A procissão que desfila através das janelas do nosso combie de luxo, monta as bancas em todas as praças e ruas, aquece os fornos de assar o pão, espeta os porquinhos-da-Índia sobre as brasas improvisadas de um qualquer lugar, um repasto que se confirmará como a última ceia dos guerreiros feirantes…
Como foi afinal a última ceia de Cristo, segundo artista andino desconhecido, elevado à imortalidade nas paredes da catedral de Cusco.
Seja qual for a ocasião ou o pretexto, o baby pig é que se lixa!
A nova Pisac do vale (distante da inca perdiz – em quéchua, sinónimo de pisac) atrai também outros espécimenes mais alternativos, aquela raça de europeus encardidos que sempre renascem (intemporais) das cinzas qual JC, direitos ao passado de ganza e das drogas alucinogénias, e que deambulam por todos os jardins floridos ou quintais que evoquem (mesmo que remotamente) um título de sagrado.
Tudo se compra e se vende em Pisac, numa gigante feira, uma exposição universal do mundo peruano em formato Perú dos pequeninos, onde deixamos de entender se o objetivo final é comercial ou antropológico.
A mesma diversidade de cores e feitios, um bazar dos antigos ali, ou em qualquer pisac do mundo!

A antiga Pisac das montanhas abruptas, permanece silenciosa nos cumes que cercam o sagrado vale, relembrando os nossos contemporâneos que as verdadeiras razões para se permanecer nas alturas podem ser intemporais… porque a história é longa, e repete-se!
Ruínas sábias!
Dilúvio no vale e no rio, a terra tremente, soldados espanhóis a rebolar ao contrário da corrente do rio e os restos da civilização inca, arrastados pela corrente abaixo.
Sinais da História e da Natureza!
Em dias maus, é melhor deixar o verdejante vale entregue à cultura das batatas e outros vegetais.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Finalmente os vestígios do Império - a caminho de Cusco



O templo de Wiracocha marca a nossa entrada na terra dos incas.
Wiracocha é o deus dos deuses, uma crença que apenas os barbudos mal cheirosos desprezaram.
A caminho de Cusco, a descer para o vale sagrado, embalamos nas histórias do nosso guia, um inca cusquenho convicto que não admitirá nunca que ponhamos em causa a superioridade de um povo, um estado e um deus, cuja principal razão da sua existência era alimentar o seu povo.
E conquistá-lo, diria eu!
Eles não queriam a roda, porque não lhes servia…
Eles não tinham escrita, mas tinham uma forma de comunicar, que os barbudos liquidaram.
Falou-nos e mostrou-nos as qolqas (armazéns de mantimentos pertencentes ao estado inca), os templos, os círculos perfeitos e a simetria das paredes inclinadas como as pernas dos humanos.
Mas os barbudos, tudo levaram, o ouro e as estátuas.
A primeira das vitórias da história do capitalismo selvagem sobre o socialismo humanista.
Nas ruínas gastas do deus maior, vagueiam anciões que não parecem ter outro destino que se acomodarem nas sombras de um império que não conheceram, mas de quem se sentem filhos, e relembram-nos quão perecível é a natureza humana, tal como os impérios por eles erigidos.


A imagem do casal de idosos sob a sombra de uma qualquer árvore nativa, de nome indecifrável, ele a nível superior sentado numa pedra milenar, ela subalternizada no chão poeirento de uma terra que já foi fértil, resgata-nos da nossa fascinação por uma civilização, que afinal ainda tem ruínas em pé, para uma existência de fé, pobreza e sofrimento.
Católicos, apostólicos e andinos.
Um pouco adiante, como se fosse numa ordem cronológica pré definida (mais próximo da grande capital e o poder dos colonizadores torna-se ostensivo) em Andahuaylillas, perto do nada e longe das rotas andinas, descobrimos a capela sistina dos Andes, uma verdadeira extravagância de ouro e preciosidades, frescos e pinturas, um verdadeiro teatro de experimentação dos novos (e convertidos) artistas da escola de cusco, que releva a pintura europeia do século XV, numa nova dimensão indígena.
Aqui, tal como no Colca, os santos vestem luvas e cachecóis (porque a igreja é fria), e são humanos que sentem, numa crença quase pagã em que colonizados e colonizadores se fundem em vontades distintas, mas convergentes.
Afinal de contas o dia de S.João coincide com a data do solstício de inverno – mágico para os incas e seus rituais de adoração ao deus sol – a cruz de cristo, simboliza o cruzeiro do sul, uma referência astronómica dos adoradores das estrelas e do céu.
Tudo tem uma explicação, tudo se enquadra numa civilização que, pela ausência de registos, convive bem com a lenda e com as interpretações arrojadas da sua história.
Hoje, católicos, apostólicos e andinos!


Chegámos a Cusco ao fim da tarde mas vínhamos do vale e falhámos a entrada triunfal, qual Pizarro, sem vista aérea sobre os tesouros do Império.
Antes, submergimos numa qualquer periferia anárquica e precária que nos desagua diretamente no centro histórico.
É sempre triste uma frustração à chegada, para quem já se imaginava cronista do reino.
No restaurante Marcelo Batata, jantamos o profundo Perú e, levantando a cabeça deparamos com uma frase inscrita nas paredes deste espaço incomum:
“O nosso medo mais profundo é que tenhamos um poder desmedido” – Nelson Mandela
Quem diria, em Cusco!
Depois de vários copos de vinho peruano, acho que faz todo o sentido.