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domingo, 3 de junho de 2018

Felizmente está tudo feito


"A arte não é estética, pelo menos na sua visão clássica, não se aprecia pela beleza, mas pelo gozo intelectual que proporciona a sua interpretação..."
...Ou apenas a constatação de uma espécie de deslumbramento, presente nas novas descobertas.
Antes, a arte representava o que as pessoas viam, a nossa visão contemporânea também representa a realidade, mas não como as pessoas a vêm, antes como a sentem porque a nova visão da estética prende-se com as energias que as obras libertam.
O entusiasmo da curadora é convincente e eu cresço de entusiasmo pela ideia de que a arte não serve para nada e, mais do que isso, para ser arte não pode servir para nada porque é esta inutilidade que lhe confere a intemporalidade.
Enquanto contemplo desinteressadamente (porque, mais do que explicar, o importante é constatar a sua existência) o ícone da exposição "No place like home", afinal de contas é apenas um urinol, ponho em prática os conhecimentos induzidos pela curadora e trato de simplificar, não me ponho a contar histórias e assumo que um quadrado é um quadrado, uma bola é uma bola e um urinol é um urinol.
Com as suas singularidades e ironias.
Tal como a pintura é forma e cor e a politização da arte torna-a efémera porque a condiciona à efemeridade dos movimentos políticos e sociais.
E o "ready made", é a sublimação da vida sem fazer nada, como o próprio Duchamp o reconhecia.
Despudoradamente.
Apenas acrescenta, continua ou aumenta peças já existentes, procurando (apenas por vezes) novos efeitos, novas impressões, singularidades e ironias.
Sem pretender resolver quaisquer problemas práticos ou sociais, apenas pelo gozo intelectual de descobrir os efeitos que elas podem fazer no conjunto.
Basicamente, sem ter de fazer (ou mostrar) obra.
Muito reconfortante para um retiro espiritual de final de tarde de Sábado.





sábado, 28 de abril de 2018

Lita Cabellut

"Não conheceu o seu pai, e a sua mãe trabalhava como prostituta e abandonou-a aos três anos, deixando-a com a sua avó em Barcelona. Foi à escola mas sofria de dislexia e passava o dia a mendigar pelas ruas. Aos dez anos, a sua avó morreu e foi internada num orfanato, onde foi adotada aos treze."

O seu futuro foi exuberante, uma explosão de técnicas mistas, cores inesperadas, uma perfeição alucinante e grandes formatos.

Há coincidências assim.

No Centro Cultural de Cascais





sábado, 7 de abril de 2018

Berlin Gems, Tomo I/IV

Original (mind) Soundtrack : 
Berlin, Berlin Marlene Dietrich



Dircksen Strasse (Hackescher Markt)




Alexanderplatz




Marx - Engels Forum




Unter Der Linden




Friedrishstrasse




Hamburguer Banhof




Hamburger Banhof




Invaliden Strasse





Paul-Lincke-Ufer




Ohlauer Strasse

sexta-feira, 6 de abril de 2018

“Ku’damm 59”




O Berliner MorganPost proclamava a 17 de março que a Kurfürstendamm estava outra vez na moda.
Estreava o já aclamado “Ku’Damm 59”, depois de 56, a segunda série de um filme que narra o renascer da nova Alemanha do pós guerra, e o título não podia ser mais sugestivo quanto à importância simbólica da Kurfurstendamm, como a montra do milagre económico da guerra fria ou da ânsia de liberdade e emancipação da nova juventude pós 45.
É uma avenida com números impressionantes. Construída em 1883, perdeu para os Campos Elísios em metros de larguras 70 / 53 mas duplicou o seu comprimento, imaginem 3600 metros, números mágicos para os últimos suspiros de um dos grandes impérios da europa central
E neste sucesso comercial da ZDF, os números representam os anos da saga, não os números da porta ou outra qualquer medida de espaço, imensidão ou soberba.
Mas não consigo deixar de pensar que esta gigantesca avenida não mais despertou do sono profundo, desde que deixou de existir, provavelmente, a única razão pela quase ela precisava de afirmar a sua exuberância: o muro da cidade
Aquela que, nos anos do pós-guerra foi transformada num símbolo do ocidente triunfante foi engolida pela desmensurada dimensão que a cidade descobriu, nela própria, após a pulverização da fronteira.
Hoje, como há vinte anos, sente-se um perfume de decadência no ar, nas vitrinas quadradas que provocam os transeuntes na competição desenfreada pela largura e pelo comprimento.
Apesar do persistente esplendor do seu comércio, da elegância incontornável das suas esplanadas e dos seus hotéis, ou os veludos austeros e imperiais dos restaurantes, há um olhar vintage que se perscruta nos olhares dos empregados de mesa, dos rececionistas e das empregadas de balcão, como se tivéssemos regressado do futuro  à geração beat, às mini saias e às calças de boca de sino, sapatos de tacão alto e os shows de rock and roll, aos homens de meia idade de fatos claros e gravatas finas, cabelos penteados para trás e empastados de brilhantina, estilo convenções do SPD nos anos do humanismo glorioso, da crença no Estado Social como a solução para o futuro de uma Europa unida e, sobretudo, de Willy Brandt.
Os traços da decadência estão precisamente na arquitetura vanguardista das eras de cinquenta e sessenta, nas formas quadradas dos inovadores centros comerciais, lojas, cafés e cinemas que levantaram a cidade das cinzas da guerra numa apologia à modernidade do vidro e da funcionalidade das formas geométricas, uma afirmação da emergente sociedade de consumo que transformava os objetos em instrumentos de consumo prático, barato e disponíveis para utilização das massas.

O periódico alemão argumenta, contudo, num tom de indisfarçável revivalismo, que esta avenida era o “palco da expressão burguesa” e criou, ao longo das décadas seguinte, uma atmosfera incomparável.




Mas não consigo deixar de pensar que esta gigantesca avenida não mais despertou do sono profundo e dos espaços por preencher, agora que as novas tendências de modernidade se deixam tentar pelo apreço da dimensão humana das coisas.
Reconheço que não me consigo distanciar da primeira chegada a Berlim no comboio da noite proveniente de Hannover, atravessadas duas fronteiras, guardas austeros e arame farpado, uma chegada anárquica a Berlin Zoological Garten, a linha que continuava para leste, os milhares de transeuntes que se atropelavam nos corredores escuros e nas passagens subterrâneas, refugiados africanos, representantes de países em autodeterminação, simplesmente viajantes, multidões que saltavam para as ruas, que enchiam os restaurantes e os passeios da avenida de cinquenta metros de largura, automóveis que lotavam as faixas de rodagem da grande avenida, uma multidão que crescia com as horas da noite e eu, que procurava dormir no primeiro andar da pensão flórida, um hotel sem casa de banho, quartos despidos e corredores austeros, sonhava com o ruído dos motores, das conversas do tilintar dos copos, como se aquela – e as outras duas que se seguiram – fossem a última noite antes das premonições de fim do mundo que os Messias barbudos apregoavam nas esquinas da Joachimstrasse, acordava sobressaltado a todas as horas ao longo da noite e os ruídos ligavam a madrugada à manhã.
E no regresso às três da manhã, esquivando-me entre lambretas e automóveis estacionados em segunda fila na faixa descendente, as mesmas multidões multinacionais, a mesma gare lotada e ruidosa, apenas um silêncio de gelo quando se aproximava o comboio que chegava de Moscovo.
Por mais filmes que tenha rebobinado nos últimos 33 anos, nunca consegui entender o que por ali fazia e circulava tanta gente e tanta diversidade, sendo Berlim 85, uma cidade cercada.
Nessa perspetiva, nunca mais assisti ao acordar da Ku’Du.
Não deixo de reconhecer a bondade do esforço do Berliner MorganPost em recordar-nos que voltam a regressar as galerias de arte ao lado Oeste da cidade, é verdade que a Gare do Zoo continua a manter uma atmosfera de desespero vagabundo de outrora (diria mesmo que o tem recuperado ano após ano) e que os transeuntes não são assim tão poucos, sobretudo se não fosse sexta feira santa e o comércio não estivesse respeitosamente encerrado
Há sinais, querido periódico de Berlim, que o lado Oeste já começa a perceber quais os requisitos para readquirir uma auréola prometida de modernidade.
A Galeria C/O Berlin em Amerika Haus e a Fundação Helmut Newton, uma extraordinária retrospetiva da audácia, do glamour e da nudez feminina de um fotógrafo de moda berlinense desdenhosamente provocador e dos seus muitos amigos que, no limiar do surrealismo, enchem o edifício da sua Fundação.
A cem metros uma da outra com a Gare da Zoological Garten, entre as duas.
Ambas tão ao género do que já foi a Ku`Damm.
Este lado da cidade parece querer entender a mensagem, chamou os guindastes e parece estar a ultrapassar a sua fase de negação, a ideia antiga de que ser recente, significa modernidade.
Mas é difícil vencer o chamamento de leste, o charme da reabilitação do antigo com o cheiro a spray da arte urbana e marginal, uma estética de formas curvas e não convencionais, e é uma tarefa gigantesca unir a imensidão dos espaços e anular o desmesurado Tiergarten que foi criado para separar as cidades e não para as unir.
E o Berliner MorganPost vacila entre a saudade e o regresso, como se no caso da Kurfürstendamm isso significasse a mesma coisa



segunda-feira, 2 de abril de 2018

Tempestade na ilha dos museus





Os ventos de leste percorrem as arcadas neoclássicas dos museus imperiais.
E está frio, muito frio, tão cortante como as vozes das espanholas que nos martelam os ouvidos, não há frio que lhes seque a voz.
Enquanto elas se empurram, nos empurram, com um coro de vozes sem intermitência nem pudor, e nos tocam, nos apalpam, naquela agitação de tudo querer contar umas às outras, evitando a chuva e o vento, esquecendo-se que existe uma fila, ignorando a vizinhança ibérica ou outra qualquer, não há obviamente nada de sexual no calor dos seus corpos ou almas, a rapariga eslava que nos antecede na fila, descontente com as aproximações involuntárias da alma ibérica, ou por choque em cadeia ou por osmose, encolhia os ombros, lamentava ao (muito mais idoso, e por isso provavelmente grato), parceiro e trocava de lugar sempre que a ola a perseguia.
Havia, ao longo desta fila que se entornava (sim porque chovia, sim porque havia uma fila à chuva e outra à sombra de uma arcada que soprava todo o frio que se esquivara da chuva, sim porque avançava às vagas ou solavancos) um caleidoscópio das divergências comportamentais da Europa do Atlântico aos Urais.
Como as espanholas, que transformaram o primeiro lugar da fila à chuva no último da fila à sombra, provocando estridentes compressões na península
Ou a eslava a quem o contacto físico gerava repulsa e o velho lobo da Silésia que a protegia.
Ou os italianos indiferentes.
Quase tantos mundos quanto os impérios de Pérgamon, o museu montagem da elite da arqueologia alemã da mudança de século XIX para XX.
Por estes dias mantém a ala sul fechada para restauro, imaginemos nós o império grego e o magnífico altar de Pergamón encerrado para obras, não há aproveitamentos políticos ou sinais de um novo poder às periferias idealistas e despesistas enquanto expõem o Império Romano, a Babilónia e doze séculos de mundo islâmico, povos que sempre apresentaram uma consistência territorial e uma noção de Estado, bastante mais condizente com a reputação germânica.


E com a ala sul fechada para obras de restauro (ao que consta até 2019, para depois fecharem a ala norte para restauro das restantes civilizações e construírem uma quarta ala que permitirá uma visita aos quatro impérios e civilizações de uma forma ordenada, coerente e sequencial) perde-se a possibilidade de evitar as filas de europeus que não procuram, nas diferenças das civilizações da antiguidade, o fio condutor da civilização ocidental, pelo menos de uma forma tentativa.
Basta olhar à volta e observar as reações da europa a vinte e sete ao contacto físico.
Palavras de museu (a primeira metade do parágrafo) inquietação do autor em toda a restante.
O desconforto da fúria renovadora desta nova Alemanha, que mantém a ilha (e o resto da cidade) em estado de um estaleiro quase histórico, que não permite entradas rápidas a portadores de bilhete, exceto com pré-marcação (quase virtual) nos postos de turismo da cidade, e que mantém toda a cidade num estado de sítio, apenas incomoda os forasteiros, porque parece tão devidamente planeado como uma inevitabilidade de quem considera que tem tempo e que não pretende recolher os guindastes enquanto Berlin não for a capital perfeita da Europa.
E se foi destruída em dois anos, adiada durante mais dezoito e trancada ainda mais vinte oito, existe a ideia de que, todo o tempo do mundo, se justifica, para transformar Berlin na cidade imperial perfeita.


E a forma como se pretende adicionar uma quarta ala – mesmo que tal signifique que só teremos um museu completo lá para 2022 – é quase uma declaração de que não chega recuperar a história, mas é sempre necessário acrescentar presente, mesmo que este – à luz dos valores e da estética herdada da Antiguidade Clássica que povoa o Pérgamon e inspirou o lado ocidental da civilização europeia – nem sempre nos pareça muito adequado e coerente.
E os alemães respondem-nos com audácia, atrevimento e disrupção e com um orçamento de obras públicas colossal.
Provavelmente confortados com tão dispares predisposições ao contacto físico que demonstra a nova circunferência continental, a Alemanha permite que Berlin – de forma quase autodeterminada - estenda as suas intermináveis avenidas a leste com emprego e solidariedade ocidental e umas vagas origens históricas comuns, como os dois braços estendidos aos extremos, em torno de uma nova alma europeia.
Considerando a reação eslava à euforia ibérica, até é capaz de fazer sentido que Berlim continue em obras nos próximos vinte anos.
As opiniões dividem-se entre o meu Eu interior e exterior, o meu Eu racional e sensorial e uma certa precaução que a História recente aconselha.
À saída do Pérgamon, a única certeza que tínhamos adquirido, era a de que todos os grandes impérios do passado se tinham, de uma forma ou de outra, desmoronado.



domingo, 28 de janeiro de 2018

Arte sem legendas

(ou a reconstrução apressada de uma história atual – Extratos da Bienal de Cerveira)


Mediterrâneo – Uma homenagem às vitimas da estupidez humana, um título que explica os destroços de madeira, os fragmentos peças que não se conseguem consertar, cuidadosamente expostos à curiosidade mórbida dos espetadores anestesiados, e as cores vivas das roupas retalhadas que denunciam as origens de África





(Sem fotografia disponível, apenas imaginação)





Porto uma outra ideia de cidade quadrados cinzentos, figuras geométricas que servem de moldura às janelas, uma sensação de aperto, de conformismo, de falta de espaço para criar


O guardador de estrelas é um ser incompleto que paira sobre a liberdade, quase estropiado pela ausência de um espaço finito onde se recolher




Um sem título que não se isenta de responsabilidades, a mulher de branco que cose o uniforme militar como se quisesse consertar as asneiras dos homens. O branco alvo e o cinzento guerra




Saída negra de Helena Almeida transporta um turbilhão de desistência, desespero e morte, como se a paixão só o é se for retalhada e fatal, representada pela banda desenhada na melhor tradição do filme negro e da humana atração pelo abismo - Cadáver Exquis (de une grande delicatesse)




Diz olá ao primo parece ser uma forma triunfal de evocar (o que poderia ter sido) a teoria da evolução das espécies, o que não deixa de ser um epílogo possível para o regresso às origens que representam alguns dos laivos da realidade contemporânea.


Apenas alguns… 

domingo, 7 de janeiro de 2018

O fosso da memória



Há momentos em que as memórias longínquas submergem, adormecidas, com uma nitidez que já tínhamos esquecido.
Os figurantes de um passado trancado reaparecem-nos numa ocasião festiva, ou num qualquer cortejo fúnebre e, de repente, despejam-nos um turbilhão de imagens de uma outra vida que um dia vivemos.
E, nesse momento, apenas nesse momento, parece-nos impossível que aqueles seres de quem fantasiamos passados sejamos nós, e eles sejam eles.
E este passado longínquo submerge a coerência da nossa história, construída a partir desse passado, em ondas de euforia que nos leva a tratar as memórias por tu, em respeito às cumplicidades, como se o passado tivesse sido uma linha contínua, mas depois sobram peças, quebra-se a conexão entre estas duas vidas, como um castelo de cartas construído sem fundações, foram mais os anos que passaram do que aqueles em que vivemos um espaço onde só havia futuro.
Quando só havia futuro.
Estes momentos são raros, mas relativizam a nossa perceção de imortalidade.
Mas, na noite do ano novo, fiquei com a sensação que, cada uma das primeiras cinco passas, tinham mais de uma década.
E, quando nos tornamos mortais, temos uma certa tendência para romancear os excessos da nossa imortalidade juvenil
Também é verdade que, nessa noite, bebi muito pouco álcool.

E isso não ajuda


sábado, 9 de dezembro de 2017

Perspetivas impossíveis




Tal como o século XX, Escher explorou os limites do surrealismo pelas suas próprias mãos, utilizando as mais improváveis técnicas de arte para produzir universos não conciliáveis.
Gravador, matemático e inteletual, parece ter vivido distanciado dos colapsos da velha Europa, construindo, a partir da sua História, da arquitetura e das paisagens, um mundo de perspetivas impossíveis e imagens desconcertantes, uma proto realidade, apenas realizável nas lendas dos nossos passados, como se todas as suas criações tivessem uma origem comum nas fábulas de uma terra mágica, como se Escher fosse o Feiticeiro d’Oz e a sua inspiração tivesse renascido das lavas da erupção de Thera que, quem sabe, terá afundado as utopias da Atlântida e nos privado da memória dos mundos impossíveis.
Passou incólume pelo século XX, porque viveu uma realidade paralela que inspirou os novos movimentos de ressurreição criativa e de vanguardismo inteletual que terão salvo o Continente do pós-Guerra das trevas.
Talvez por ter escolhido viver longe, construiu uma realidade não corrompida , uma mágica essência de quem representa, vezes sem conta e de forma meticulosa, o espaço, por natureza tridimensional, em planos bidimensionais.
As obras de Escher reinventam a Antiguidade, as influências árabes e a Renascença numa sequência que salienta a coerência entre o seu ritmo de descoberta e de transformação dos dos momentos altos da genialidade artistica da nossa História em premonições de futuro de harmonias geométricas.
Mesmo podendo não ser verdade, é o imaginário a duas cores, mais colorido que eu consigo imaginar.
Entre utopias e uma visão.
“Deus não pode existir sem o mal, e desde que se aceite a ideia da existência de Deus, tem de se aceitar também a do mal. É uma questão de equilibrio. Esta dualidade é a minha vida”

É especialmente uma questão de equilíbrio.



domingo, 15 de outubro de 2017

Turbulências



É o nome de uma exposição composta por obras do espólio de arte contemporrânea do (ainda) catalão La Caixa.
E esta informação é muito relevante quando afloramos o tema.
A coleção de arte contemporênea “La Caixa” é muito explícita na forma de olhar e compreender o mundo que nos rodeia.
Comprometida, como a inteligência costuma rotular.
E, aqui sem discussão, com uma linguagem polvilhada de olhares latino-americanos “escavando nas suas profundidades temporais, a fim de distinguir as suas luzes e sombras”.
A exposição é, por isso, um mar de instalações, video e fotografia que se desafiam mutuamente em uma critica social nada subliminar.
Carlos Garaicoa desafia-nos (confronta-nos) com as operações populistas do poder e usa apenas lupas e selos.
Lupas para nos lembrar que a política se faz de mediatismo, da meticulosa exploração de uma infinidade de lugares comuns e meias verdades perigosas que, devidamente compostos e ampliados, se tornam em razões de estado.
Selos para afirmar a sua paixão pela posteridade e pela lembrança, não do que fizeram, mas da forma como se apresentaram.
Afinal de contas, a tradicional subserviência do conteúdo sob a forma.
O primeiro exemplar desta passadeira de vaidades (e único original) é o selo comemorativo dos quarenta anos de Adolf Hitler, devidamente ampliado por uma lupa armada sobre um tripé.
Depois alinham-se as criações do artista, revelando as personalidades de uma atualidade que preenche a informação no século vinte e um.
Não há povo nos selos, apenas culto de personalidade.
Despidas da lupa, todas estas personagens se revelam insignificantes.
Até um pouco repugnantes.
Em nenhuma fase deste percurso pela política contemporânea, perscrutei quaisquer sinais de procura de felicidade humana
Muito visual e educativa.
E o título também.

Foi pena eu e a visita acompanhada, termos sido os únicos visitantes da tarde.


domingo, 6 de agosto de 2017

Fantasias ocidentais





« A febre orientalista que se espalhou pela Europa no início do século XIX, conduziu a uma representação romântica de Marrocos, arquétipo de um Oriente por vezes fascinante e outras vezes, repousante.
Mas as fantasias ocidentais serviram igualmente a colonização…
No início do século XIX, os ocidentais são dominados pela ambição colonialista. No entanto, do Oriente em geral e de Marrocos em particular, eles não sabiam nada, ou quase nada.
Para eles, Marrocos não era mais do que uma parte do Oriente, sem caraterísticas próprias, descrito como um império hostil e fechado sobre si mesmo. Cientistas e exploradores, mas também artistas e romancistas são chamados a contribuir para levantar o véu do mistério do Oriente.
Estes “orientalistas” lançam-se, de alma e coração, naquilo que acreditavam ser um estudo racional e rigoroso da enigmática sociedade marroquina.
Mas o etnocentrismo é tenaz. Os europeus veem o modo de vida dos marroquinos através do prisma das suas fantasias.
Com o objetivo de criar sensação, os orientalistas apenas descrevem os costumes que consideram mais insólitos e estranhos.”


In folha de sala MACM – Musée d’Art et Culture de Marrakech














domingo, 9 de julho de 2017

O vinhedo vermelho




Nasceu tarde, viveu demasiado rápido e matou-se ao ritmo das suas pinceladas incertas, nervosas, para quem a vida não passou de uma breve impressão.
Sobressaem as cores vivas de um homem sombrio, desintegrado do seu tempo e do ambiente social que o criou e uma torrente incontrolável de imagens que ele criou, processou e se mostrou incapaz de as conter.
Um homem que viveu trinta anos no desconforto das suas trevas e do desapontamento da família e que, nos restantes dez anos de vida, correu loucamente para o precipício, como se soubesse que a sua insaciável criatividade o iria esgotar sem tempo nem pausa.
Foi um artista autodidata e torrencial que criou um mundo exterior diametralmente oposto à sua angustia interior
E dizem que se matou, louco, tão novo, que o mundo foi incapaz de interiorizar a sua obra, imensa e fulgurante.
O vinhedo vermelho foi a sua única obra vendida em vida.
Talvez uma das obras que menos o presente conhece.
O mundo demora tempo a digerir a genialidade torrencial dos homens, uma visão que o homem Van Gogh demorou a materializar mas que despejou sobre mundo a uma velocidade alucinante.
Não admira, portanto, que uma experiência sensorial de Van Gogh construída com tecnologia do século vinte e um, seja um banho de sensações fortes, num qualquer quente dia de Verão.





domingo, 18 de junho de 2017

Não me deixem dormir!


Shut up ýou jerk - Manuel Alves (Fundação Serralves - O olhar dos artistas)

Não quero dormir, vou abrir muito os olhos, não me vou deixar entorpecer pelas vozes que crescem no eco dos corredores, apertados mas frios, vozes profissionais mas também vozes sonâmbulas de quem acorda de uma anestesia agitada, de quem se agita por um diagnóstico reservado das entranhas, vozes que se diluem por detrás de cortinas que não nos protege das nossas vulnerabilidades e claro, vou pensar muito alto nas realidades terrenas
E se não adormecer, como irei acordar? – E foi o último pensamento terreno que conseguiu agarrar, deitado numa maca gasta de tanta logística e de alvura própria de locais de uma medicina preparada para as boas notícias, preso por fios, ligado a ecrãs que debitavam números.
Rastreio – classificam eles
Silêncio, como se tivesse medo dos sonhos e a última imagem que reteve antes da escuridão em que mergulhou, foi a do professor Hélio, o neurocientista que inventou a máquina de fotografar os sonhos, bebendo chá em casa da Moira, sob a copa florida de uma enorme laranjeira afirmando, entusiástico da sua descoberta, que sonhar é ensaiar a realidade no conforto da nossa cama (in A Sociedade dos sonhadores involuntários – José Eduardo Agualusa)
Ele procurou seguir o conselho do professor, “…devolver ao sonho a sua vocação prática”, mas apagou-se, sem sentir o esboroar das batas brancas ou a frase seguinte do homem do sono, agora vai dormir.
E o ecrã dos dois números mágicos apagou-se de imediato sem que se tivessem manifestado falhas de energia invocáveis ao sono profundo do paciente de rastreio.
E voltou a acender-se, cheio de imagens que a classe médica parecia incapaz de explicar, tão nítidas que se assemelhavam a uma revolta das entranhas.


Dias de escuro e de luz - Julião Sarmento (Fundação Serralves - O olhar dos artistas)

Shoreline - Bruno Pacheco ( Fundação Serralves - O olhar dos artistas) 

Sem Titulo - Helena Almeida (Fundação Serralves - O olhar dos artistas) 

O que eles lêem - Carla Filipe ( Fundação Serralves - O olhar do artista) 

Aprender a viver com o inimigo - Pedro Neves Marques (Museu Berardo) 

 Museu Berardo  ( A única imagem que ela recordaria mais tarde mas que, ainda hoje, se questiona se foi sonho ou se será realidade)

E o homem (ou seria uma mulher) que não queria dormir acordou das trevas num lapso de vazio (porque ele não queria dormir, não existe tempo de acordar) e, hoje, apenas se recorda de uma enfermaria a preto e branco, cercada de seres de bata branca – pareceu-lhe reconhecer o professor Hélio, mas já não tem a certeza – que se dividiam entre olhares curiosos e alguma inquietação nos sinais do ecrã mágico que insistiam em debitar dois números mágicos, 66 e 98, números brancos contra um fundo preto.


E em vez das cortinas brancas de uma realidade asséptica ela viu-se rodeada de uma tela quase transparente que lhe anunciava ter regressado ao mundo dos seres acordados.

Ser e Estar - Museu Berardo