Pesquisar neste blogue

sábado, 16 de março de 2024

Vodka com sabor a mel


Como em todas as histórias, começa-se sempre pelo princípio.
E, neste novo princípio, sobressai o domínio da natalidade e das novas gerações sem memórias à flor da pele, mas com um enquadramento muito visual da História e muito sensorial do presente, como algo que faz parte da nova construção.
Um país de um catolicismo beligerante, do qual nascem muitas crianças, do qual se espera que seja o útero de todas as revoluções em prol de uma nação conquistada e do qual se espera um ódio santificado a quem lhes pode mal querer, especialmente os vizinhos.
E nas manhãs geladas da Páscoa de Varsóvia, são milhares os miúdos que se espalham, entre as cores garridas dos seus blusões de Inverno, pelos símbolos reconstruídas da ainda independente monarquia polaca, no museu do orgulho judaico, antes da sua extinção, no museu do desespero e da revolta com uma narrativa em que a galeria dos culpados se encontra em constante atualização.   
E, a estas crianças que já nasceram na Polónia, um grande país da Europa Central, tudo é mostrado, sem filtros, porque não se pretende que esteja a crescer uma geração de veludo
E as multidões de natalidade pujante fazem uma fila no reconstruído palácio Real, enquanto os adolescentes são induzidos a ter opinião em redor das peças de arte contemporânea no CSW.
Memória limpa, doses de crueza e sem interpretações alternativas do século vinte polaco, e criatividade máxima para interpretar o presente e moldar o futuro.
Mais tarde no dia, junto ao Vístula, nasce uma nova modernidade que alia o pensamento científico e universitário, a arquitetura vanguardista, a moda e o design de autor, uma marca definitivamente cosmopolita e ocidental que flui, rio abaixo, em direção à cidade museu.
Melhor que uma marca cosmopolita e ocidental, assim pensa um povo que cresce com jovens disciplinados, focados e com uma visão única do que não pode voltar a correr mal com a nação, muito competitivos e crentes que o ocidente tem uma divida por pagar, e com uma natalidade muito favorecida pelo catolicismo militante, tão divergente da europa envelhecida como o seu crescimento económico.
Nunca descobrimos a razão do ruído das mulheres que brindavam com champagne nos Três Toros, mas certamente preferem a sofisticação de uma auréola internacional com sotaque catalão e brisa do mediterrâneo, às sopas forradas de pão e às fotografias saturadas de guisados de uma gordura que se impregna nos restaurantes de uma rústica polónia que jazem, vazios, na cidade velha – que, afinal de contas, não é velha.
À noite, nos bares de Vodca da capital gelada e tardia ou em Cracóvia onde se respira cerca de vinte e dois graus de aristocracia poupada pela guerra, descobrimos, após um jantar de carne alemã regada de vinho francês, descobrimos o vodca com sabor a mel e estamos decididamente a entrar no universo autorizado da criatividade máxima para interpretar o presente e moldar o futuro.
O Vodca com sabor a mel é uma imagem expressiva do que os polacos pretendem do seu futuro, sofisticado, com sabores fortes, mas frutados sem mascarar o essencial, o facto de se tratar de uma bebida com 40º de álcool.
Um país à beira do Vístula apenas a cento e trinta quilómetros da guerra.



sábado, 9 de março de 2024

Onde mora a alma velha?

 


Leon Machowski foi um escultor do antigo regime, um artista militar que ultrapassou os horrores da guerra e viveu numa obscuridade tranquila, trabalhando na reconstrução da cidade ao serviço da estética construtivista.
Morreu de enfarte em serviço quando esculpia um baixo-relevo no tumulo de um arcebispo polaco na igreja São João Batista.
E esculpiu a estátua dos pescadores no centro da lagoa no Jardim Krasiński, um reservatório artificial construído no século dezanove que nos remete para as paisagens polacas e para os símbolos nacionais, o lago que simbolizava o Mar Báltico, o riacho que desagua nele, o Vístula, e o campo rochoso com uma cascata, uma reminiscência das montanhas. 
Uma obra de engenharia que atravessou o século vinte incólume, o triunfo da água no sentido figurado sobre as bombas, uma resiliência que inspirou a reconstrução, uma referência estética que moldou os espaços da cidade.
Já a memória do escultor que morreu com a Perestroika, parece não ter sobrevivido aos novos ventos vindo do Ocidente, Em 2013 por decisão das autoridades, o estúdio do artista em Varsóvia foi demolido. As esculturas que o rodeiam e os mosaicos que decoravam o pavilhão também foram destruídos.
Parece que o novo regime também é pouco condescendente com alguma alma velha e, pelos vistos, não perdoa aos colaboracionistas. Que o diga, o majestoso Palácio da Cultura a quem querem condenar à morte, apenas por ela ter sete irmãs russas.
Naquela manhã em que água sobrevivia a temperaturas que a podiam ter gelado, o idoso que não se dava a conhecer, refugiava-se no banco de jardim com vista para o Báltico e desenrolava a história de uma vida que parecia prestes a lançar-se ao mar, numa tranquilidade que a natureza estabelecia como inevitável. Como se a alma velha não se enquadrasse nos novos tempos.
A alma velha vive em contraciclo, entre os dinossauros do exército de salvação que, no museu nacional povoam os bengaleiros transformados pelo cheiro a mofo em instrumentos de pleno emprego dos reformados da democracia popular que nos lembram a irmandade moscovita que protegia o realismo do seculo dezanove com um zelo de elevada densidade de vigilantes por metro quadrado de tela. 
Mas a alma velha também se manifesta amiúde nos recantos de silêncio entre a intelectualidade exilada, que se refugiou nos redutos da cultura ocidental e perdeu as referências do sacrifício, apenas pinturas de tons carregados e rostos enrugados que desfilam nas paredes do museu nacional, pintados a partir de recordações longínquas da estepe gelada que se tornam cada vez mais difusas, quanto mais. 
E por isso a Nação tem dificuldade em fazer o culto dos heróis individuais porque uns, caíram em desgraça pelo seu comprometimento político e outros, não despertam a pátria, por falta de comprometimento e de capacidade de sofrer, desenraizados por exílios dourados e - suprema ironia – fugindo da falta de identidade nacional e de séculos de ocupação estrangeira.
Nesta manhã de Páscoa cinzenta, os pescadores de pedra do Báltico, recriado pelos últimos monarcas legítimos da Polónia, olhavam com condescendência para as margens silenciosas como se, para o colaboracionista Machowski, o velho debruçado sobre as suas próprias memórias escritas representasse, no seu corpo frágil, Adam Mickiewicz, o poeta, Chopin, o pianista, Marie Curie, a cientista, todos eles numa inteligência que deleitou a humanidade, mas que não serviu a nação.
É como se o escultor Leon gritasse, do centro do lago que se podia chamar Báltico, que os únicos heróis da pátria eram os coletivos, os oficiais de Katyn, os intelectuais democratas de Varsóvia e os operários de Gdansk e de todos os que souberam sobreviver, mesmo alguns, sem lutar.
A única certeza do velho cheio de memórias é que a alma velha ainda povoa os recantos da nação, mas já não são eles que vão fazer o futuro.



sexta-feira, 8 de março de 2024

Sem censura

 


No CSW, localizado no topo norte do parque Liezensky, respira se uma atmosfera reciclada, a reconstrução detalhada de ambientes passados com cheiros de tinta nova, como se o tempo não tivesse passado por aqui, afinal de contas é sempre mais reconfortante acreditar nos bons genes da arquitetura clássica que admitir que em Varsóvia, não ficou pedra sobre pedra das memórias da monarquia polaca.
Mas no U- jazdowski, o tempo e a arte são contemporâneos, um momento em que a europa central se liberta das grilhetas do construtivismo, as formas são minimalistas, os cacifos são de moeda a fingir, o bar serve sumos saudáveis e tartes vegetarianas, e até os vigilantes de sala parecem humanos, como que hipnotizados pela legião de crianças que se atrevem a contestar a interpretação dos mestres, diante das obras do inconformismo dos artistas que, nos anos oitenta do seculo passado iniciaram a nova revolução, ao lado dos sindicatos de Gdansk e da igreja católica de todo o país.
Nie ocenzurowano – polish independent art of the 1980s é, de acordo com o  catálogo, uma exposição que mostra um panorama alargado do fenómeno artístico através do qual os artistas se manifestaram de diversas formas a sua oposição e independência do regime comunista da República popular da Polônia e do seu aparato opressivo como forma de aniquilar as aspirações públicas de liberdade.
Daí a atmosfera nova Polónia que se aloja dentro das paredes do passado, um local onde a arte decide por ela mesmo o que quer ser e como quer parecer
Na Polónia todos os lugares têm um significado cronológico, antes de serem o que são. A Polônia monarquia de Cracóvia até 1549, a Polónia da nova capital monárquica em Varsóvia ao longo da rota real nas margens do Vístula, o primeiro desaparecimento enquanto país a partir de 1759 quando as alianças a norte não foram suficientes para resistir às alianças que, a partir daí, rasgariam incessantemente o pais de leste a oeste, a democracia  incipiente de 1918, minada pela incompetência estratégica travestida de laivos de nacionalismos e de ingenuidade dos novos intelectuais, cuja essência sempre viveu no exílio, o retorno ao inferno da extinção em 1939 e os mais de 40 anos de obscurantismo dialético até que, em 1990, a europa central evaporou o leste, num sopro vindo de oeste.
Mas, por aqui, nos corredores deste espaço percorremos um dos raros momentos em que a história não se enquadra em nenhum significado cronológico preciso, um dos raros momentos em que a disrupção criativa se sobrepôs ao pensamento dominante e desafiou o futuro.
E a ideia, tal como o guião, não podiam ser mais sedutores: desobediência, clandestinidade, diálogo com o publico, militância, reflexão da nossa condição espiritual, consciência politica e, sem cedências, a liberdade. Afinal de contas um filme revolucionário rodado nos anos oitenta do século passado, num espaço e num tempo em que as causas revolucionárias tinham sido extintas pela falta de memória dos infernos e pela perceção coletiva de um futuro de redenção e bem estar sem limites.
Talvez no incompleto espaço chamado Europa mas não no território dos novos europeus.
Na Polónia que aspirava de novo a ser um estado da Europa central e que queria rejeitar os ventos de leste dos descendentes dos velhos mongóis, e a nova revolução proclamava se em  pequenos espaços, através da produção de miniaturas da obras originais, escondidas em malas de cartão, expostas em pequenos espaços, de casa em casa, como uma nova afirmação do domínio da individualidade sobre o que, outrora, parecia ser o destino dos povos, a revolução construída para as massas, baseada no pensamento único.
Mas porque as revoluções não sobrevivem ao sussurro, e a liberdade criativa não pode ser reduzida a amostras nem encarcerada, logo os novos portadores da boa nova, ou da nova ordem espalharam as suas obras pela paredes dos claustros das igrejas, numa improvável aliança entre a igreja católica, o espírito libertário e o pensamento revolucionário, uma impossibilidade apenas possível na Polónia, que a história confirma que não é circunstancial, porque a tolerância e provavelmente a única forma de garantir a unidade de um povo que teima em querer existir.
Aliás uma tradição de séculos, que o diga Copérnico, quando no século catorze proclamou, em Cracóvia, a submissão da terra ao sol, e foi objeto da admiração geral, sorte diferente de Galileu, nascido no berço da igreja católica.
E na exposição dos novos artistas, proliferam as referencias simbológicas ao marxismo decadente em obras de protesto como a instalação de a “revolução somos nós “ou a pintura “dificuldade em respirar”, o realismo de uma contemporânea ambição de independência em “polacos construindo a sua bandeira nacional” e a persistente reflexão sobre a sua condição espiritual inspirada na iconografia cristã em  “o sinal da cruz” .
Sem surpresa, uma síntese da forma como se tem construído a nova Polónia, numa afirmação de uma entidade própria, nem sempre percebida pelos europeus do ocidente, por alguma razão, a Europa central não é leste nem oeste, mas quem disse que na Europa deve prevalecer o pensamento único, ou não deverá a diversidade ser a nossa forma de afirmação no mundo?




sábado, 2 de março de 2024

WAY TO INDOCHINA #19 - Last train to (from?) Indochina

 

Na península de Luang Prabang, os oitenta e três mosteiros, um património mundial baseado na harmonia entre a arquitetura colonial e o espiritualismo budista temperam o frenesim asiático e aproximam a cidade, que foi capital real do império do Laos, na época dourada após a queda dos kmers, entre o século catorze e dezasseis, da visão neorromântica do Oriente. 
Há nesta simbiose arquitetónica que tanto fascinou os técnicos da UNESCO um certo sentido histórico porque os reinos de Luang Prabang foram os mais iluminados das centenas de anos de divisão natural do reino em protetorados fantoches das potências vizinhas, mas também porque foi a capital do império nos séculos em que o Laos foi um verdadeiro Reino, curiosamente, coincidente com o ocaso dos kmers em Anghor, mais a Sul., mas não foi curiosidade apenas, foi uma descendência real que acreditava na sobrevivência da indochina, talvez com o epicentro mais a norte, que apenas ainda não sabia que o era, a par dos grandes impérios emergentes.
E, parece hoje um facto histórico incontestável que foi o colonialismo francês do século dezanove, que voltou a colar as peças do Laos e que procurou construir um novo reino a partir de Luang Prabang, com um rei a sério, e tudo.
Não que fosse esse o objetivo dos franceses, mas a sua estratégia de utilizar o Laos como um território tampão entre as potências vizinhas e concorrentes e a verdadeira Indochina, aquela que tinha margens de mar, foi o estímulo necessário para que hoje Luang Prabang – e alguns outros locais da nova República Popular do Laos – nos revele um sedutor mosaico de diversidade arquitetónica e bom gosto cultural.
Preservada em nome da memória, seja ela qual for, sem juízos nem preconceitos
Apesar de, ainda assim, em Luang Prabang serem escassos os momentos de visão de um santuário paradisíaco de meditação, definitivamente um mito.
Sabemos, claro, que esta é uma visão fútil e desajustada da realidade (vivida pelos seus habitantes)  toldada por uma conversão apressada (e apresada numa espécie de moda) a Buda em posição de proteção, de quem não tem receio e que nos empurra para uma vida errante, um vagabundo que respira da meditação e distribui desprendimento nas experiências partilhadas e na acumulação de saber. 
Mas nos fins de tarde de Luang Prabang, sobre as águas do Mekong banhadas pela bola de sol que se despenha entre as montanhas, respira-se a indolência da Indochina em estado puro, onde só o mundo importa. 
Mas para logo a realidade destruir a nossa perspetiva orientalista do Oriente, com o cheiro a diesel do motor do barco que arrancava com um toque de fusíveis e se desfazia na travessia do riacho Kong, nas costas do Mekong, apenas uma linha de água e um monte de lama que nos separava do jantar.
A manhã tinha começado cedo em Luang Prabang entre pedidos de respeito feitos em inglês, para mantermos distância de segurança em relação aos monges que, antes de amanhecer, percorrem as ruas pedindo aos locais arroz e outras oferendas, para se alimentarem durante o dia. 
Os antigos colonialistas, cheios de culpas, princípios e respeito pelas sensibilidades e fé de cada um, reservaram os três metros de distância, não lhes tocaram, alguns rezaram e muitos deram oferendas 
Os novos donos da Ásia, que não param de se querer perpetuar em selfies e poses de imperador sempre com o incentivo adequado do fotógrafo, atuavam como os novos colonizadores, tocavam nos monges, envolviam as lentes da câmara nas vestes dos monges e garantiam que nenhum close-up era mais intenso que o deles. 
Esperemos que a História seja tão recriminadora com estes novos imperadores da Ásia e que os povos, um dia, se possam declarar oprimidos. 
Nos odores da manhã do Laos, cheirou-nos a incenso no Wat Xang Thong, a peixe desventrado mas de longos bigodes, do rio Mekong, a morcegos fritos entre outros animais, legumes inacessíveis e caril, e malagueta e umas quantas galinhas viradas de cabeça para o ar, bem vivas que gritavam quando lhes atacam as patas, para melhor arrumação. 
Nas imagens da tarde precoce de Luang Prabang deixamo-nos levar, uma vez mais, pela fragilidade da vida das pessoas, dos comerciantes que foram buscar os filhos à escola e montam as bancas do mercado noturno, uma tarefa perene que se repete todos os dias e morre, como uma borboleta, umas horas mais tarde, sempre com as crianças por perto, nas suas fardas da escola e que adormecem, noite chegada, entre os tecidos, o artesanato, as mãos do povo do Laos que se oferecem ao escrutínio dos estrangeiros. 
Espera-se muito das crianças da Indochina, vão a escola, viajam na dianteira das motas sem capacete, ajudam os pais nos mercados da noite, enfrentam os feiticeiros da aldeia que insistem que a terra é plana porque não vemos a curvatura da terra, e os deuses do dogma que lhes vão continuar a explicar que, numa utopia já desaparecida, os homens podem ser todos iguais e felizes desde que sejamos obedientes e nada irreverentes. 
Mas num país em que as crianças conduzem as suas motorizadas para irem para a escola e a sua independência precoce é a forma dos pais garantirem a sua sobrevivência, os velhos dinossauros estão em elevado risco de extinção. 
Num último adeus ao Laos a criança acenou da mota da mãe, mãozinhas firmes no guiador, mãos carinhosas a arranhar a perna da mãe, uma mão entusiasta a dizer-nos adeus, a acenar-nos para a traseira do tuk tuk que nos deixou no aeroporto e nós só lhe víamos os olhinhos que piscavam de expressividade, porque uma máscara de pano lhe cobria cuidadosamente a boca, porque a energia verde ainda não chegou ao Laos e uma mãe que nos sorria com os olhos, de orgulho, sabe que só ela o pode proteger. 
Corta! 
Foi a última imagem do Laos, mais poderosa que todos os monges cor de laranja que vivem e estudam em Luang Prabang.
Tão pungente quanto as quatro faces de Buda. 
Se não fossem as profundas saudades das minhas raízes, esta seria o meu destino, um vagabundo que respira da meditação e distribui desprendimento nas experiências partilhadas e na acumulação de saber.
Mas, no país dos elefantes, o mundo relembra-nos que ainda és demasiado novo para morrer distante, mas já és demasiado velho para ser errante 
Heaven in Earth for you, Indochina!





sexta-feira, 1 de março de 2024

WAY TO INDOCHINA #18 - Sakura


Em Vang Vieng há um comboio expresso que fura a paisagem de Vienciana em direção à Muang Xai, pela China dentro.
A pelicula intermitente que sobrevive à escuridão dos túneis parece retirada do mesmo filme, o país rural e desordenado, intencionalmente protegido do nosso olhar pelas barreiras de som que circundam a linha, apenas a planície coberta por uma nova camada de montanhas que floresce na direção a norte. 
Sim, dezenas de horas de estrada depois, há montanhas de cortar a respiração e rios com rápidos, pontes de madeira e uma atmosfera de nevoeiros baixos e margens verdejantes.
Um Laos que nos recorda a nossa visão de um santuário paradisíaco de meditação. 
Mas, em Vang Vieng, sobrevivem também as memórias das loucas e mortais trips dos aborrecidos ocidentais, como em Goa, como em tantos outros refúgios da loucura (do bom ou do mau) selvagem, mergulhos para o rio em época seca, julgando estar na estação das monções, descida dos rápidos em câmaras de ar de camião, “pull your butt up when you find a rock emerging”, substâncias sem estado definido nas loucas noites do Sakura, o antigo melhor bar da Ásia. 
Uma vítima famosa, filho de primeiro ministro de pais rico e doador, convenceu o partido de que a alienação do povo não devia passar as fronteiras e o Sakura passou a fechar às onze, as substâncias pesadas são agora caricatos balões pretos de nitrato que anunciam ter o efeito de uma trip tão instantânea que passa logo e as profissionais do amor distribuem carícias no braço direito de quem passa, sem que ninguém lhes peça e algumas (menos) adolescentes borbulhentas pulam em cima das colunas porque leram no Instagram que prolonga o efeito do balão e que se pode ser selvagem desde que se pareça.
Mas os duros cavaleiros do asfalto, esses desapareceram, vivos ou mortos, provavelmente aguardando o renascimento de um novo micro estado da anarquia total, sem ideologia e sem limites.
Mas mantém se os vestígios do que já foi e, como o renascimento da natureza verde e selvagem após violento incêndio, os jovens monges envoltos pelas suas vestes laranjas, lançam-se à água pendurados nas cordas abandonadas ao longo da margem, as câmaras de ar de camião sobrevivem enquanto houver correntes no rio, agora como um respeitável desporto aventura com adrenalina aceitável e os bares da margem mantêm-se agora silenciosos e respeitadores da nova moral restabelecida, acabaram-se os bêbados nas margens e nas rodas de camião, rio abaixo. 
Aqui, há turistas, agora abundantemente chineses, barulhentos e até um pouco infantis, quando deixados a navegar sozinhos no rio dos rápidos e uma beleza exótica que pode ser explorada pelo ar, dentro de água, ou a pedalar em cima de uma bicicleta oleada, ao longo de uma estrada bem asfaltada que percorre os arrozais alinhados, desemboca em piscinas de aguas quentes e pintadas de um azul pérola e despede-se do pôr-do-sol através do olhar dos miúdos que jogam à bola nos pátios verdes da escola primária.
Sim, a beleza favorece as probabilidades de sucesso, de um futuro melhor, mesmo que não seja muito inclusivo, admiti-lo.
Chegámos ,noite dentro, do sul, amassados pela estrada e pela vida intensa do Laos rural e abandonado que luta pela sobrevivência. 
Partimos de manhã cedo para norte de comboio rápido, cem quilómetros em quarenta cinco minutos de uma realidade asséptica, sem grande vista para o mundo real, afinal há quem tenha visão na cúpula. 
Tal como os grandes projetos que o partido e os financiadores do Norte têm para o país.
Pode ser, mas em Vang Vieng, nem se ouvem os silêncios da meditação, nem se sentem as fragilidades da vida humana.
Pode ser o futuro, mas não é a mesma coisa! 
Excentricidades à parte!



quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

WAY TO INDOCHINA #17 -Long ride ahead


 No país profundo, a distância não se mede em quilómetros, mas também não se mede em horas, tudo depende. Quem sabe, nunca se quis comprometer, apenas um lacónico vai demorar.
Catorze horas e meia depois de sair de Thakhek ainda não tínhamos chegado a Vang Vieng, excedendo sempre as últimas expetativas dos dispositivos de satélite, porque não se adivinha o pedaço de estrada que se vai evaporar, um caos que se confunde com o caos da beira da estrada, a única certeza é que há, todos os anos, monções e que o alcatrão é, tendencialmente, insuficiente e de fraca qualidade.
Um contratempo para quem, como todos os que não o conhecem, imagina o Laos um santuário paradisíaco de meditação. 
Mas caos rima com Laos.
Atravessar o Laos de Sul para Norte é um longo purgatório , primeiro nas ilhas do Mekong, depois ao longo das planícies de tédio, subindo ao planalto de Bolaven e depois regressando a uma altitude zero onde a margem oriental do rio se confunde com fim da linha, e a faixa estreita de pó que o separa do Vietname não tem margens, esporadicamente uma fina tira de alcatrão que agrupa a vida das pessoas e da sua ruralidade em torno de uma ideia e das suas necessidades comuns, na fragilidade das suas vidas que se desfocam sempre que os restos de pavimento nos permitem avançar velozes, mas que nos permitem fixar o nosso olhar na agitação das bermas, quase como se pudéssemos viver a vida deles, nem que seja por um instante, quando desaparece a estrada e nós marcamos passo entre solavancos e buracos, sem margem que nos permita desenhar uma referência.
Até chegar a Vang Vieng, ao norte das montanhas e do turismo emergente, quando a realidade de um país de pescadores dá lugar a um longo rol de utopias cartesianas de Estado, comboios rápidos e barragens, exportadores de energias limpas ou, segundo alguns entusiasmos dirigentes, a nova bateria da Ásia.
E a Norte, quando as distâncias são mais rápidas e as visões da fragilidade humana são meras sombras entre a vertigem da velocidade e a escuridão dos túneis, ficamos mais próximos de uma visão romântica do país dos monges, da meditação e dos elefantes
Mas, catorze horas depois, a vertigem do caos sobrepunha-se ao poder da mente.  
À porta do 120 Club a música Lao jorrava num entusiasmo que não era proporcional ao glamour do local. Em Thoulakom, a cidade que parece nunca dormir, como Nova York.
Fomos transportados para aquela beira da estrada, da qual julgávamos ser apenas espetadores, a comer arroz frito em mesas com vista para a estrada, cobertas de toalha de plástico aos quadrados. A luz fria da noite cerrada do restaurante e final de dia contrastava com a outra margem, a cor quente dos clubes noturnos, longe das grandes cidades, uma afirmação de quanto maior a ruralidade e o isolamento, mais alto se ouve o remix Laos. 
Horas antes, na aldeia de Tha Bak, uma serpente jazia morta de boca aberta e sorriso rasgado, a aldeia de montanha parecia adormecida apesar da hora da manhã tardia, a mulher bomba era a única disponível para saltar para o barco construído com restos de bombas americanas que metiam água pelas juntas mas duravam as águas lamacentas rio acima até que as águas se separavam lamacenta na direção do longínquo mar, verdes subindo as montanhas
Como que vigiando a serpente liquidada, a dona do mercado das águas e dos legumes, carregava no som Laos remix, e a ponte metálica, que podia ser a do rio Kwai, estremecia com o eco do som que saia do velho barracão vazio para a aldeia vazia e para a curva da estrada de esporádicos transeuntes que se aventuravam na ponte, algumas motos, menos automóveis e um autocarro mochileiro que vinha de Vientiane e dirigia se a Ho Chi Min, certamente dezenas de horas a perder de vista, montanhas acima. 
E a mulher bomba, tão sorridente como desdentada, acelerava rio acima com a destreza de um veterano. 
Se ela me fosse capaz de entender até talvez lhe perguntasse onde estava ela quando os americanos bombardearam o Laos e como é que ela se protegia dos milhares de bombas que não chegaram a explodir.
Mas ela sorria sempre, há uma expressão de inevitabilidade condescendente em todos os sorrisos laosianos.
Independentemente da etnia de que são oriundas.




terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

WAY TO INDOCHINA #16 - Paragem técnica


Em Thakhek, debruçamo-nos sobre a Tailândia, no fim da estrada ficam os restos da cidade colonial e das memórias dos tempos de guerra em que a cidade acolhia todas as almas atormentadas e penadas pela violência extrema e pelos pecados lançados sobre o Vietname. 
Desertores, mercenários, traficantes, soldados comuns e aventureiros numa mistura que apenas o Mekong harmonizava, nos dias da estação das chuvas. 
A Havana da Indochina tinha um casino ambulante, uma fronteira fluida com a Tailândia, bares repletos de fumo, música violenta e mulheres que acalmavam as angústias dos guerreiros do Apocalipse.
Hoje Thakhek é o lugar do fim da linha, uma paragem técnica e Kop Chai Po é o restaurante que capta a essência da memória nas madeiras pesadas e ressequidas que forram o soalho e diluem os ruídos das inquietações dos espíritos que aqui ficaram presos a este passado. 
Cinquenta anos é muito tempo e uma geração inteira de funcionários, de ideologia e de novas formas de fazer a guerra canalha, tiraram toda a adrenalina e Thakhek transformou-se em paragem técnica do roteiro mochileiro oriental. 
E enquanto derretíamos mais um fim de tarde de nostalgia de fronteira em baldes de bier Lao, uma dose temperada de mosquitos e uma grande bola de fogo a sobrevoar um horizonte chamado Tailândia, repetia para comigo que a cidade se deve ter referido ao seu futuro em nome próprio, e isso é garantia de mau karma 
Nos arredores de Thakhek nas grutas do buda, enquanto o sol se põe, uma nova família entra na gruta para render uma outra família na vigília ininterrupta que os aldeões insistem em   fazer aos duzentos budas descobertos por um camponês quando caçava morcegos, ao que se consta, para comer. 
Os patriarcas e as matriarcas, a prole de filhos, incenso e velinhas, cestas de oferendas e pulseiras da sorte e um olhar vigilante sobre os visitantes. 
Sente-se bom karma no local, porque tal quantidade de budas é sinónimo de que os monges por ali passaram muitos séculos atrás. 
Aqui ninguém falou do futuro em nome próprio, limitaram-se a aceitar o que o passado lhes deu.
 


WAY TO INDOCHINA #15 - A aldeia do Mr. Hook

 


Na aldeia do Mr. Hook vivem oitocentos e dezassete almas animistas um sistema de crenças pouco organizado, característico das sociedades primitivas que acreditam que as coisas têm espíritos ou alma. 
(e nove católicos, e nem todos se dão bem e respeitam as respetivas crenças, somos muito desconfiados) 
Chegámos sem perceber nada do que nos rodeava naquela aldeia do planalto de bolaven e saímos dezasseis horas depois tão ignorantes " You don't know nothing" respondia Mr Hook perante a nossa indisfarçável ignorância da medicina tradicional enquanto recolhia amostras na farmácia do tio, um terreno que, aos nossos olhos era um baldio, mas as mãos dele descobriam raízes que curavam dores de cabeça ou vómitos, davam alta as grávidas numa semana e matavam todos os piolhos das cabeças das crianças. 
Era noite profunda quando imergimos no mundo rural do Laos, das múltiplas etnias que povoavam as zonas montanhosas e que o partido se tem esforçado por as fazer descer aos vales e as integrar numa das três etnias oficiais e levar as suas crianças à escola. 
A etnia de. Mr. H parece ter vindo da Índia e subido o Mekong até ao Laos, sem tempo conhecido. 
Por ser noite, os rituais de iniciação às heranças (ou aos cacos) do animismo, pareciam saídos de um guião de filmes psicologicamente intensos, Mr. H fumando um longo cachimbo de água, Mr. H incentivando-nos a experimentar os vários estágios de evolução do que chamavam de whisky servido em garrafa de plástico a partir de uma planta que não estava plantada no jardim medicinal, mas apenas na beira do caminho, entre uma cafeteira arábica e um campo de mandioca. 
As sombras de uma luz insuficiente diluem as vozes dos espíritos da casa -? estarão eles zangados ou apenas dormentes? , porque todas as almas aqui, fumam desde os três anos para afugentar os mosquitos - os legumes cozidos na mesa lembram que devemos falar com as frutas antes de as colhermos das árvores -  mas a voz hipnótica do Mr. H aloja-se nas nossas memórias, entre as espécies de café e as fases da torrefação, a mãe dele a preparar o cachimbo de água para a versão infantil do Mr. H e, a meio caminho entre as sombras que pairam no grande palanque que é o restaurante do Mr. Hook e uma das suas esposas e o manto de escuridão que cobria a aldeia onde dormia o Chamam, o feiticeiro e curandeiro, os dois chefes da aldeia, o da aldeia para controlar os aldeões e o do partido para controlar o da aldeia. 
E adormecemos no meio da selva, longe da aldeia para que os nossos gritos de solidão não incomodassem os espíritos bons, porque amanhã a aldeia decidiu que é o fim do ano, agora que as colheitas terminaram, e vão começar a matar sete vacas logo pela manhã, em sacrifício para acalmar os deuses e garantir um auspicioso Ano Novo ao longo das oito estações que o ano tem, que incluem a do arroz e do café.
O céu era estrelado e era tudo o que tínhamos para dormir. A aldeia do Mr. H queria ter a certeza que os brancos que nasceram no mundo das máquinas de fazer dinheiro teria estômago logo de manhã para se cruzar com as cabeças dos animais sacrificados, exibidos sem triunfo excessivo na porta dos proprietários.
E, de manhã, entregaram tudo o que noite prometeu, uma aldeia em estado de pré-coma alcoólico pela noite de fim de ano que se avizinhava, os animais devidamente mortos e uma multidão de seres, espíritos, almas e crianças que nos rodeavam ruidosamente junto a um gigantesco trator carregado de som de um parque de insufláveis e um som de uma nova Playlist local que parecia ter eco em todas as casas de madeira que se atropelavam sem uma muito clara interpretação de propriedade. 
E rodeavam-nos sem pudor, com muita curiosidade e até uma certa gula, diria, e alguém lembrou que, há tempos, estes katu, o povo da montanha e do rio, faziam sacrifícios humanos para agradar aos deuses, especialmente nos dias de festividades. 
Assustadora esta aldeia, a seita Katu, os rituais do Mr. H e as histórias que saiam em torrente da nossa mente enquanto os aldeões se riam e o Mr. H nos recomendava que não fotografássemos os anciãos porque, para eles, ao fotografarmos, estamos a roubar-lhe as vidas. 
Tão assustador que revivemos a sua (deles) receita de sobrevivência, em caso de doença grave, árvores medicinais, se não resultar então a médium, se não resultar então magia negra se não resultar então sacrificas um animal, senão resultar então morres
Temos mais opções do que vocês, quando vão ao hospital
E de manhã, o Mr. H antecipou o nosso sono incompleto e os nossos sonhos conturbados, que nos tornaram mais vulneráveis e crentes das suas lendas (ou apenas algumas meias-verdades oriundas de um mundo que já não respira sem ajuda?) primeiro a estória do negócio dos dotes que envolvia búfalos de água, vacas, terrenos e eventualmente motorizadas chinesas como desconto, casamentos combinados aos 5 anos, vá lá, ?a mulher que amas sabe fazer armadilhas?, a beleza não traz comida para a mesa., e se a mulher for boa caçadora então o dote aumenta mas elas nunca darão à luz dentro de casa porque enfraquece os espíritos, e não 
podem falar do futuro em nome próprio porque dá más energias “bad karma, you know?” Pode pensar, mas não pode dizer 
E, depois de nos termos refugiado na van que nos teletransportava desta experiência alucinogénia chamada de Laos rural e profundo no planalto de Bolaven, ainda juntávamos as peças da genealogia da sua família próxima do Mr. H, a mãe que lhe fazia o cachimbo de água, mais tarde o pai não lhe dava tabaco porque ele era preguiçoso e, por isso, fumava uma erva com um nome indecifrável. Uma ruralidade de excessos, pois!
E quando almoçamos, junto às cascatas, longe das garras do Mr. H, sua seita e respetiva aldeia, e perscrutamos os pensamentos do único elefante contemplativo com o qual nos cruzámos no pais de um milhão de elefantes, quase que tive pena dos pobres funcionários do partido que tentam construir um país à partir disto, também eles divididos entre a diversidade étnica que vendem aos ávidos turistas ocidentais e a impossibilidade de evitar que eles tenham uma vida e vontade próprias.
O que o fundador da revolução laosiana idealizava “como um sistema multiétnico no contexto de uma nação unida e indissolúvel “



domingo, 25 de fevereiro de 2024

WAY TO INDOCHINA #14 - Liberdades de Culto

 


No Laos regressamos ao Oriente em que a estrada é de todos, também dos búfalos, das cabras e dos cães, das vacas, das motas, dos transportes agrícolas, dos miúdos, dos altares de oferendas e, esporadicamente, dos carros e das estradas sempre novas em cada estação seca e, subitamente, desaparecem em cada monção e o sorriso discreto, mas entendido, entendido, mas trocista de quem sabe que as desgraças não são inevitáveis e que também há bom asfalto no Laos. 
No Laos voltamos ao convívio com a foice e o martelo, os slogans motivacionais nos portões das escolas e hospitais e os controlos de estrada mas aqui não parece haver símbolo ou ritual que discipline qualquer beira de estrada ou os milhares de cães vadios todos da mesma raça amarela e aqueles olhos de amor eterno sempre de língua estendida e cauda no ar. 
Afinal de contas, quase todas as inúmeras etnias do Laos professam o budismo, a religião da compaixão que concede amplos graus de liberdade para o exercício do culto.
E, junto às margens do rio Mekong, o mítico Mekong para os caçadores de marcos, todos os outros cultos são bem recebidos como o último refúgio dos bons selvagens ocidentais de rostos encardidos, tatuagens ressequidas, barbas em forma de v mais gastas pelas diversas formas de tabaco do que pela idade.
Levitam de rede em rede, e parecem ter descoberto no Laos o último dos trinta e sete degraus que os conduzirá, eventualmente, ao céu.
Do lado oposto do rio, uma família do Laos cultivava a sua horta nas areias do rio, certamente um uso capião, devidamente vedado pela persistência da família e pela remota localização, as crianças banhando-se no Rio, a mãe protegendo-se do sol numa palhota rústica e, de repente, um som que invadiu as margens do rio, fez tremer as redes de pesca, fez voar os peixes contra a corrente e afundou o Mekong na sua própria água. Da palhota mais desarticulada e entre duas parabólicas enterradas entre as couves e as beterrabas descobrimos que afinal, por aqui, os habitantes do Laos têm a sua Playlist própria, uma visão mais realista da realidade local baseada nos sons próprios em busca da internacionalização. 
Alguns letrados asseguram que os sons Techno made in Laos são o principal instrumento do confronto de gerações, entre o tradicional e o moderno, neste país ainda predominantemente rural.
Enquanto nos banhávamos no rio sagrado.




WAY TO INDOCHINA #13 - Ouvindo o arroz crescer

 

Atravessar fronteiras a pé é sempre a mesma emoção infantil.
Hoje a fronteira do Laos estava tão deserta que o sinal de stop era inútil e a cancela uma provocação ao bom senso.
Os guardas de fronteira olharam nos de sobrolho encardido, algum fastio de termos interrompido o seu fastio e voltaram aos guichets, as carimbos, as câmaras os scanners, as impressões digitais tudo como é esperado que uma fronteira funcione, primeiro na saída do Camboja onde o raio X das malas garantia que não levávamos materiais perigosos para a terra de ninguém e, depois no Laos, onde não havia nenhum raio X, este incapaz, pela ausência, de identificar as verdadeiras motivações dos indómitos viajantes
A mesma emoção épica quando avistamos o Mekong, um definitivo marco para todos os colecionadores de preciosidades. 
Em Don Det, uma das quatro mil ilhas do Rio Mekong, o ritmo de vida perdeu urgência e o fim de tarde empurra as correntes do Rio e deixa-se levar pela brisa da estação temperada.
A noite cobriu o deck e ficamos a espera que o rio nos embalasse ao som de uma Playlist de sons ocidentais 
Reconheço que ao décimo segundo dia de imersão no ritmo do sudoeste asiático, arroz frito, sabores de coco e caril, caldos de legumes e sopa de noodles, dias que se prolongam de noite até à noite, senti-me tentado por um bife de três pimentas, cerveja a copo sem hora limite de adormecer sentado, e o mosquiteiro que cercava a minha cama do bungalow e me fazia imaginar a Indochina pelos olhos dos franceses. 
O bife era de frango, a cerveja era de lata mas tudo o resto enquadrava naquela perspetiva orientalista que os ocidentais têm só oriente: fútil e superficial 
Nessa noite perdoei-me pela insensibilidade e pelo desconhecimento da realidade local e continuei a beber cerveja até o rio desaparecer na noite, e depois adormeci debaixo do mosquiteiro, embalado com os sons de música lounge que sobrevoavam o deck 
No Vietname cultiva se arroz, no Camboja vê se o arroz a crescer enquanto no Laos ouvimos o arroz a crescer. 
Ontem à noite, nada me pareceu mais certo. 



sábado, 24 de fevereiro de 2024

WAY TO INDOCHINA #12 - O Império da Água e do Ar (Gods, Kings and Heaven)

 


Acordámos de noite em Siam Reap, todos os dias acordámos de noite, porque nos asseguram que os momentos mágicos acontecem na selva ao amanhecer.
E a noite em Siam Reap é fria, nos focos de luz branca dos candeeiros de rua, intermitentes, nas correntes de ar que envolvem os tuk-tuk, que nos arrancam ao sono interrompido pelas ruas poeirentas da cidade até nos entregar à mãe natureza, precisamente antes do amanhecer de cores quentes à beira da selva.
E os quatrocentos quilômetros quadrados de selva plantada de templos de pedra são uma promessa cumprida, não há um ah mas, nesta alta densidade de magia pura, um privilégio muitas vezes traído quando as obras primas da humanidade se transformam em atrações turísticas.
 Mas aqui, na selva de Anghor, o silêncio sobrepõe-se às multidões – o silêncio impõe-se, apesar de sermos milhares, mal o lençol de escuridão é perfurado pela neblina do amanhecer - que se recolhem em contemplação das figuras esculpidas na pedra, dos troncos de árvore que absorvem a energia das colunas de pedra para continuarem a crescer, e das sombras que realçam as formas das divindades e nos convertem em crentes. 
E confirmamos que os momentos mágicos acontecem ao amanhecer e nem as correntes de formigas assassinas que ligam todos os locais sagrados do templo das raízes das árvores, o Ta Prohm, nos retiram serenidade e a certeza cósmica de que percorremos um lugar sagrado, mesmo que não tenhamos – enquanto os nossos olhos trepavam pelas raízes das árvores centenárias - uma visão clara do que é que isso significa.
Em Ta Prohm, no reino das árvores, sentimos o sereno amanhecer de um encanto assombrado, numa aureola romântica intocada pelo tempo e pela intervenção humana, que se entrelaça a nós, sempre que lhes viramos as costas.
É a primeira fotografia, a imagem que ficará impressa na pedra das nossas memórias, é muito mais do que um bilhete de ingresso, estamos mesmo a passar a fronteira para o passado, e a nossa foto no papel acartonado é a garantia de que teremos memória quando regressarmos das profundezas do império kmer. 
E, os quatrocentos quilómetros quadrados de passado, com dezenas de templos com nomes como Ta Prohm, Banteay Srey, Prasat Preah Neak Pean, Prasat Peah Khan, Anghor Wat, Prasat Bayon, ajudam-nos a corporizar a ideia de um império, construído e mantido sobre os alicerces do simbólico.
Duzentas e sessenta estátuas de deuses e trinta e nove torres com pináculos depois, voltámos à estrada, o sol aquecia a corrente de vida que envolvia os tuk-tuk, uma espécie de cápsulas que viajam no centro do mundo, entre o passado e o presente, que absorvem os sons das crianças que regressam da escola, dos mercadores que procuram dar um sentido à sua vida, na beira da estrada, e os cheiros da estrada poluída, da selva verdejante, dos fumos que emergem no verde e no castanho, afinal na beira da estrada também se cozinha, para toda a nova vida que povoa as ruínas do passado kmer. 
E, entretanto, o amanhecer transforma-se numa clareira inundada de um Sol inclemente, mais a norte no quadrado místico de Anghor e a selva despe-se para que a cidadela das mulheres se mostre ao mundo em todo o seu esplendor rosa, Banteay Srei é um palácio de fadas com paredes decoradas com figuras desenhadas numa pedra rosa que brilha com as miragens de um calor que não tem sombra, porque aqui, a floresta se encolheu à beleza das mulheres esculpidas no quartzo arenito.
O amanhecer desapareceu e a magia do princípio da tarde é exibicionista, e a luz desvenda as histórias do imaginário hindu, histórias de deuses e demónios, e começamos a acreditar que o lugar é sagrado pela intensidade da fé que emana, como se os seus reis se tivessem submetido à vontade do divino, em todos os atos de construção, conquista e desenvolvimento do império.
E, uma vez mais, regressámos ainda de noite à busca dos quatro elementos do corpo, a água, o fogo, o vento e a terra
E imergimos no nascer do Sol sobre Anghor Wat, sabendo que o corpo perde equilíbrio quando falta um dos elementos.
E o mar cósmico cerca Anghor Wat, o maior templo religioso do mundo. 
Nasceu hindu que era a crença das elites, uma religião que favorecia o papel dos soberanos como intermediários entre os deuses e os homens. 
Tal como as origens do Império Kmer nos remetem para migrações de príncipes da península indiana.
Converteu-se ao budismo, a religião da compaixão e do povo, porque o povo precisa da compaixão do rei, influência da vontade do povo à mãe natureza mas, sobretudo, do poder e da ambição dos Impérios vizinhos.
E hoje, nas galerias dos templos de Anghor desfilam as histórias do imaginário hindu, os dilemas morais entre deuses e demónios, a casa de Vishnu e também Buda nas múltiplas posições: Buda em nirvana, ou ensina os discípulos ou está em meditação e a ser iluminado ou a demonstrar coragem sem medo
No templo de Bayon o grande rei Jayavarman VII fez a síntese das duas religiões nas quatro caras de Buda em cada uma das torres representam a caridade, a empatia, a compaixão e a igualdade 
E no terceiro nível de Anghor Wat,  trinta e sete degraus chegam para alcançarmos a sabedoria de Buda e a camada celestial por isso nenhum edifício construído pode ser mais alto do que os três níveis de anghor
Foram seis seculos gloriosos na história dos kmers, os únicos aliás. 
Impressiona o que construíram, mas também a manifesta falta de conhecimento de como viviam, do que construíram e de como entraram em decadência, e porquê 
Talvez porque o poder do império fosse menos militar do que simbólico e religioso. 
Talvez porque a selva e os pântanos foram mais fortes que a ambição de manter um Império que, no século doze, excedia em muito o que é hoje o Camboja. Catástrofe ambiental segundo a linguagem de hoje que despovoou a capital do mais poderoso império do sudoeste asiático. 
E, apesar da elaborada teoria da conspiração do nosso guia kmer, que atribui todas as desgraças do Camboja aos vietnamitas e seus ascendentes, foi o Reino de Sião que mais fustigou os Kmers com invasões e saques, provavelmente o maior contribuinte para o abandono de Anghor como capital do império e o abandono do império às mãos das potências estrangeiras. 
Até hoje, diria.
Em 1431, mais década menos década. 
The heaven in earth, enquanto durou



quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

WAY TO INDOCHINA #11 - There is no sorrow

 

Neste longo caminho para norte sentimo-nos imergir na selva, não é isolamento no sentido de deserto de pessoas porque elas surgem do nada, nas suas motas sem lotação limitada. É um sentimento de que a selva engole tudo, as casas de zinco todas com estacas que deverão ter a função precisa de impedir a submersão dos lares de aspeto frágil quando a selva se alaga a partir das suas entranhas, engole o comércio de estrada concentrado nos entroncamentos das estradas nacionais
Mas há muitos momentos em que a natureza é desafiada pelos habitantes do Camboja. 
Milhares de crianças e jovens acotovelam-se, desde a sete da manhã na entrada das escolas públicas, todas fardadas de camisa branca e calça ou saia escura. 
Em todo o país, haja ou não selva. 
Contrariando Joan Baez em Cambodia, cinquenta anos depois, “there is no sorrow, but there is a future for Cambodia”



WAY TO INDOCHINA #10 - Cambodja Dreams

 


O algo populista e o quase eterno partido de governo do partido do povo do Camboja, um partido que vai a eleições, distinta aliás a sorte dos países vizinhos, construiu um novo aeroporto em Siem Reap, os turistas que vêm à procura da magia da mística kmer precisam pois de um novo aeroporto. 
O aeroporto não vimos mas, nas imediações do mesmo, o ministro das obras públicas plantou uma visão ideal do seu Camboja, uma estrada de asfalto reluzente com riscos desenhados no centro e nas bermas, plantações intensivas de árvores devidamente calibradas, campos vedados para os animais não fugirem para a estrada., camponeses confusos sem saber como atravessar os animais em segurança através de tanto asfalto, um sonho idílico que termina alguns quilómetros a frente sem que a estada nova ligue a coisa alguma senão ao camboja, ao verdadeiro, sem riscos na estrada com uma vida feérica a saltar das bermas da estrada. 
O portal reluzente que inaugura e se despede da nova via do progresso - é verdade que provavelmente não muito útil porque apenas liga a visão política do país ao próprio país - deixa antever tratar se de mais uma obra vendida, construída e financiada pela República popular da China a pagar em muitos anos, pela fidelidade e amor do povo do Camboja. 
Apesar do nosso guia insistir na teoria da conspiração oriunda de Hanói, o dragão expele fogo de Pequim (e a sua cauda mergulha no Mekong, rumo a Sul) 
No último troço da estrada nacional 7 rumo à fronteira do Laos, a norte de Stung Treng, o asfalto desapareceu por completo em largos troços do trajeto, descontinuando abruptamente o tracejado amarelo do centro da via porque, por aqui, fronteira não é sinónimo nem de mercado único, nem rota da seda, é mesmo o fim do mundo, afinal de contas qual o cambojano que quer ir para o Laos.
Passamos por uma motorizada imersa no pó vermelho e o pai leva uma criança embrulhada em trapos, procurando protegê-la da incúria das autoridades e das enxurradas de uma mais impiedosa monção.
Mais ou menos cinquenta quilómetros, não muito mais que a nova e reluzente pista de Siem Reap. 
Nem sempre o povo pode esperar que o Estado ou o Rei proteja os seus filhos



sábado, 17 de fevereiro de 2024

WAY TO INDOCHINA #9 - Silver Pagoda

 

Phnom Penh é uma cidade de muitos momentos e desconstrói-se a partir do buraco negro que foi a passagem de Pol Pot e dos seus camponeses soldados, pela cidade, e que a deixou desabitada.
Por isso, os momentos de Phnom Penh transportam-nos amiúde ao passado, a um passado antigo, faustoso e real, de cumplicidades ambíguas, é verdade, e a um presente apressado que ganha forma na urgência em construir uma urbe moderna e reverenciada na Ásia do futuro.
E depois há os momentos que se deixam captar, enquanto eles tratam de esquecer o buraco negro e enquanto as torres de vidro não cobrem todos os locais com vista para o Mekong, já que o Palácio Real e a marginal da nova nobreza têm, para já, o domínio da margem do rio Tole Sap, ou melhor, da confluência dos rios.
E em Phnom Penh voltou a chover. Chegámos a um Sul que chove, será da confluência de tantas águas, quatro rios que se juntam precisamente no coração da capital kmer, e aqui chove às barcaças, daquelas que esgotam o céu e limpam o ar.
E o primeiro momento foi o ar fresco que nos bafejou a cara, mal saímos do autocarro que nos trazia da fronteira. 
Essa mesma corrente de ar tropical que iremos levar connosco, em todos os tutuque do Camboja, que nos ajudará a absorver os ruídos, os cheiros e os sorrisos de todo um povo. 
Naquela noite levaram-nos para a Preah Monivong Boulevard, pelas artérias lavadas pelos dilúvios de estação seca, um pouco abaixo da esquina com o Boulevard De Gaule e os vestígios de um colonialismo indolente para com a periferia, guardam o silêncio da noite como se Phnom Penh fosse apenas um refúgio de todos os fantasmas das grandes metrópoles do Vietname.
E, no calor refrescante da noite, saboreámos os cheiros da ruralidade nas ruas desertas, na cozinha ao ar livre onde o patriarca amassava a massa fresca, e o resto da família inteira a partilhar o sorriso das crianças nos mesmos pratos onde serviam as refeições, e nós que já tínhamos antecipado que os momentos da capital do Camboja começavam logo na fronteira, nas paredes de um azul intenso da terra de ninguém, enquanto aguardávamos que os passaportes regressassem carimbados e com os vistos, enquanto engolíamos um arroz tão desdenhoso quanto o olhar de quem o servia.  
Foi preciso nascer o Sol do dia seguinte para que a cidade nos revelasse a hierarquia com que se propõe construir o seu futuro, a partir das margens do rio em direção aos subúrbios, sim, a família real e os despojos do império kmer – que nem os kmers vermelhos foram capazes de destruir – dominam a vista do rio, do alto dos seus pagodes da pompa, do luxo dourado e e da residência real,  um símbolo que todos reconhecem ter pouco valor prático mas que ajuda a criar um sentimento de pertença, tão necessário num país que poderia nunca ter sido mais do que um acidente histórico, engolido pelos vizinhos impérios dominantes, encarcerado nos confins periféricos de um império colonial ou quase extinto por umas dezenas de meses de loucura homicida, tudo em sequência, não foi uma opção de escolha múltipla escolha.
Não muito longe dos rios, vivem as grandes avenidas que a miraculosa democracia do Camboja, parece ter reservado para o desenvolvimento económico e para a especulação imobiliária, onde coabitam os vestígios de uma arquitetura colonial francesa ( e, surpreendentemente, depois do dia nascer, mantém vestígios de ruralidade na vivência das pessoas, nas ruas mais estreitas e ainda bordejadas por árvores, que até talvez sejam centenárias) e as novas torres de vidro e betão que concorrem para pilares dos céus, uma imagem de marca e, nesta zona de disputa pelo terreno, é muito provável que a história e a tradição sejam submersas pelos buldózeres do progresso
E, claro, muitos guindastes nos ares, uma garantia de que a cidade do meio (tal como império do meio) estará irreconhecível a um curto prazo.
 Longe dos rios e das grandes avenidas vive a cidade tradicional, pobre e distante dos boulevards, das residências da especulação imobiliária e da ambição kmer de que Phnom Penh esteja no mapa das metrópoles asiáticas e que mais ninguém se atreva, sequer, a pensar em esvaziá-la porque a sua multidão não o consente.
Na cidade onde vive o povo, o alcatrão das ruas é intermitente, domina o primado da auto construção ou da construção remendada e de materiais de uma menor escolha, o traçado não é linear e cada curva ou estreitamento de via – tal como os solavancos dos buracos na rua e as paredes descascadas pela chuva – são resultado da persistência e da vontade de viver de quem – tal como no resto da Indochina de partido único – sabe que não há nenhum Estado Social por perto e que a sobrevivência na avalanche do progresso, exige muito esforço e uma relativização pragmática da perfeição.
Neste pedaço de caos, jantamos longe do glamour da gente bonita da marginal e, bem assim, longe da massa feita à mão, nas traseiras das grandes avenidas, onde resistem os edifícios térreos, mas de traça nobre e colonial.
Nos subúrbios onde vive o povo, o jantar é de caldeirada de sabores da confluência dos rios,  duas panelas de pedaços de peixe imersos em espuma e verdes, que podiam ser couves, mas não são,  e demasiadas meninas para nos sorrir, que nos servem de guias para o mundo de uma culinária esforçada, de um karaoke com sabores orientais e sabe-se lá mais do quê se, alguma vez, os olhares se viessem a cruzar, mas, aleluia, não, voltámos ao pacífico boulevard, dentro de uma van que resistiu com dificuldades à sua idade, aos buracos do alcatrão intermitente, à escuridão e às curvas dos bairros populares de Phnom Penh, uma cidade que só o nome inspira exotismo e mistério.
Pelo menos naquela noite escura, às voltas nas entranhas da cidade.
No fim da noite, o tailandês ganha o combate de Mai Tai, comprometendo a versão de que a verdadeira origem desde boxe sem regras é Cambojana (ou apenas mais uma prova de que os mais fortes tendem a dominar o espaço no sudoeste asiático ).
Não fosse o Sião a besta negra da ambição kmer.
E quando voltamos à estrada à procura dos vestígios dos tempos áureos da civilização Kmer, reconstruímos meticulosamente os últimos momentos na cidade, um trânsito que aquece com o dia, com a intensidade das obras e com os engarrafamentos nas avenidas, quase proporcionais ao tamanho dos arranha-céus que brotam das suas margens, só os edifícios do Estado mantêm a traça colonial e os espaços exteriores generosos, nesta placa tectónica instável que é a urbe do meio e a visita à escola da Martina
A escola de ourivesaria da Martina é uma tentativa de proporcionar a aprendizagem de ofícios especializados a jovens de famílias pobres, mas o resultado parece ser o de uma derrota da boa vontade e do voluntarismo europeu contra os caminhos de vida mais óbvios e imediatos e uma desconfiança natural de tudo o que lhes é dado por europeus distantes.
E, enquanto procurávamos resistir ao sinistro mercado das aranhas, impingidas à beira da estrada como uma indelével nova experiência de vida, concluíamos que provavelmente o assistencialismo dos países doadores não resolve o que a vontade própria dos povos não constrói.
Provavelmente resultado de uma diferença insanável, de perspetivas
E, cansado de tanta reflexão, adormeci na estrada à espera de um café que nunca mais chegava e desisti de aprofundar o real papel do rei Shianouk na história do Camboja.
Ambiguidade, foi a última palavra de que me lembrei, antes de adormecer
E sonhei com crepes de banana, uma verdade palpável do Camboja