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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

vertigo mexica

 

É pressuposto começarmos pelo princípio, um povoamento datado de dois séculos antes de cristo, não é que que estes simbolismos de calendário interessassem muito a estes povos mesoamericanos que só conheceram o novo Deus barbudo muito tempo depois (e tarde demais ao que parece) e que construíam pirâmides de adoração ao Sol e à Lua  e alamedas que lembravam os mortos.
Muito antes daqueles povos que tiveram um lugar especial na História, primeiro os Maias, depois os Aztecas.
Mas em Teotihuacan, as pirâmides afinal não são pirâmides, são estruturas escalonadas porque não têm bicos, nenhuma delas é dedicada nem ao sol nem a lua, nem a alameda dos mortos era o cemitério da antiguidade, e tudo o que aqui vemos hoje resulta de uma interpretação azteca (portanto também pré-hispânica) do que eles descobriram, uma cidade cerimonial abandonada por uma civilização que tinha povoado aquele local mil e quatrocentos anos antes dos aztecas e que terá abandonado o local por exaustão de recursos naturais, ao que consta, por falta de água, esgotada pelo mito da criação da humanidade, “as montanhas que emergiram a partir da água”.
Abandonado por volta de 600 anos antes do aparecimento dos aztecas, enquanto grupo identitário próprio, por causas que nós, contemporâneos, temos dificuldades em conceber, porque ainda acreditamos que a tecnologia e o saber tornam os recursos naturais ilimitados.
A partir do lugar onde os deuses foram criados (assim se traduz Teotihuacan) do alto das escadas da pirâmide da Lua contemplamos a alameda doa sacrifícios ( eles juram que eram voluntários porque o sangue dos humanos fertilizava a terra e acalmava os deuses, mas nem do alto da pirâmide que não é pirâmide eu acredito, perdoa-me Rosa, a nossa contadora de historias local) e  repetimos mentalmente as formas como esta civilização procurava resolver os mistérios da criação e justificar a necessidade das cerimonias e dos rituais.
Somos a quinta humanidade (aparentemente seremos sempre a quinta humanidade em todos os presentes) a última - depois de nós virá o diluvio e veio, séculos depois, encarnado num barbudo de capacete.
E Quincuce, o símbolo principal das culturas mesoamericana, representa os cinco pontos cardinais, incluindo o centro como ponto cardinal, porque eles achavam que a terra era plana, também os cinco elementos da natureza, incluindo a raça humana e as cinco humanidades, depois das quatro anteriores se terem extinguido por ordem de cada um dos Deus Sol.
Iras que só o Deus Sol conseguiria provocar. catástrofes naturais, como na terceira humanidade em que o vento empurrou a humanidade pelo mundo abaixo, como se o mundo fosse uma folha de papel a sobrevoar o vazio.
Pronto. Começámos, ainda que atabalhoados pelas diferenças de fuso horário, pelo princípio


Mas regressar aos confins da história do planalto, exige uns cinquenta quilómetros de regresso abrupto ao presente, uma intrusão  insolente de realidade, de ruídos de uma vida sofrida, favelas com os teleféricos como o novo instrumento de inclusão, que transporta o povo pelas encostas abaixo para participar na construção do dia mexicano, os muros brancos das bermas das autoestradas que são uma cacofonia de animais ferozes, de manifestos políticos, de publicidade a produtos de consumo ou de serviços de aconselhamento.
O autocarro regressa cheio à metrópole, e regressa também a intensidade dos cheiros, a azafama das pessoas, dos vendedores ambulantes com as suas trouxas, dos engraxadores de sapatos, das taquerias de rua, umas nos passeios, outras nos cruzamentos sobre o asfalto, quer os semáforos estejam verdes ou vermelhos, ou apenas transeuntes que se agitam nas bermas da estradas e das ruas, nas escadarias do metro, sempre sem tropeçar no comércio que alimenta milhões e dá de comer a muitas centenas de milhares.
Assombroso, impossível de parar de tão intenso, tão esmagador, que te empurra na frente deles e te transforma em poucas horas em mais um chilango entre milhões,  mais um entre iguais, porque é assim que eles sempre nos olharam, talvez por termos aprendido rápido a sair a correr das carruagens do metro sem ficar entalados nas suas portas que não esperam por ti, europeu habituado a um longo normativo de conformidade que te protege em todos os cenários de aperto.
Aqui, na vertigem do tempo e do espaço que escasseia, não há tempo.
Mas no mercado de San Juan, o tempo pausava, o mel sabia a café e o ceviche que vinha do mar, cheirava a maresia, apesar de tão longe do mar, apesar de tão longe do campo, tudo era genuíno nas mãos e nos olhos do Victor, antes o Victor de Acapulco, agora o Victor o Sereio, sim, o Victor como o masculino de Sereia.
Como o Miguel, quando nos encheu as mãos de gomas e de bolas de chocolate e a boca de provas de doces, sem saber se nos venderia algo, e nos pedia desculpa de não poder fazer mais desconto.
Ou como os cantores informais que tinham a voz, como instrumento único, e que pediam emprestado o som a uma coluna de potência indeterminada, mas não poupavam a voz e o coração que dela saia.
Na cidade todos, mesmo os cantores, parecem cantar mais alto e ao desafio, é uma alegria desenfreada para quem quer sobreviver. E quando voltamos à rua, para visitar a biblioteca Vasconcelos, percebemos que a cidade é esmagadora, até no silêncio e nas linhas arrojadas de sua arquitetura contemporânea, um silêncio sepulcral, um espaço publico onde os livros se encavalitam nas prateleiras metálicas que forram o espaço que as pessoas consultam sem a presença de bibliotecários, apenas com uma simples revista na porta de saída.
Mas alguns refugiam-se na biblioteca Vasconcelos apenas para descansar uns breves minutos da vertigem que é a urbe.
Sim, o povo canta alto para não chorar
Como os mariachis da praça Garibaldi.




domingo, 14 de setembro de 2025

Pão, Paz, Silêncio e...Fé

 

Acabamos com a manhã chuvosa de domingo, no museu municipal da tapeçaria em Portalegre, um regresso ao mundo industrial e da arte mecenato, muito antes, mesmo, de apenas se ser patrono das artes por motivos mesquinhos ou fiscais.
São uma dezena de salas de bom gosto e de tapeçaria de autor, numa tentativa dos poderes públicos de atrasar a extinção da tapeçaria de arte, por falta de condicionalismo industrial, que alimentou os organismos públicos no longínquo Estado Novo e por ausência de capital do capitalismo lusitano, os únicos mecenas que poderiam salvar a nossa tradição.
A manufatura corre o risco de fechar, dizem. por falta de encomendas, mas a memória é inabalável.
Cá fora, as nuvens nimbo, por definição brancas, não iluminam os céus no domingo de manhã, mas voltaram à tarde para se refletirem nas planícies, ou seriam apenas as ovelhas do Alentejo profundo?
Embrenhado na serra, o gato que podia ter nome, mas não precisava, para ser o senhor da quinta, um abusado que cheirava a  mercearia e que se instalava entre as obras da escultora, patas cravadas no tapete de vime, olhos cinzentos transparentes que refletem a arte da terra da Maria, era o guardião das memorias da escultora,  espalhadas pelos cantos da quinta com vista para o Marvão, mas também um gato agradecido pela nossa hesitante atenção.
Sempre em paz com o teu espaço próprio. Oh gato cinzento! 
E especialmente, o silencio dos grandes espaços, a serra de são Mamede que não precisa de nos partilhar com os ruídos do mundo.
Aquele silêncio de quem não sente a necessidade de nos impor opiniões que não está certo de partilhar, sim, nesse mesmo sentido de quem nem se preocupa em acreditar.
Seja nos montes, seja nas planícies, nao ha ruídos de fundo que perturbem a nossa paz anterior.
Em Reguengo ainda há largadas, uma meia rua coberta de areia, as trincheiras coçadas de uso, e a ruralidade vestida em torno de barbas encardidas e bocas desdentadas no café que se (e nos ) chama a todos de bons amigos, não se chamasse a terra de Alegrete.
E, à volta da esplanada que também é a rua principal da aldeia, todos falam alto, especialmente quando se aproximam os forasteiros, citadinos de certeza. Falam alto com as minis na mão, agitando os braços, enrugando a boca e chispando a barba por fazer há três dias, num ritual em que testam se os que chegam são gente ou são bicho, se se atrevem a atravessar a muralha de homens da terra ou se fingem apenas procurar os lugares perdidos que sabem que nunca vão encontrar.
Nós entramos e logo somos brindados com um caloroso e desdentado sorriso porque, afinal de contas, passámos o teste e até podíamos ser gente da terra !
Alegrete, de seu nome.
E eles discutem a qualidade das vacas da largada de ontem, uma opinião avalizada mas não especialmente militante, mas também tiram selfies e riem-se para nós, e nesta terra também devem viver crianças, porque as arvores estão cobertas de desenhos e mensagens de amor e estão vestidas por rendas que protegem as centenárias árvores e as suas idosas de olhares menos impolutos. 
Pelas encostas das serras abaixo, existem ruas do bom juízo, uma bandeira nacional que não necessita de vento para se desfraldar, e uma ruralidade autentica porque nas terras vivem e trabalham aa pessoas, as bermas estão cuidadas e há miradouros das serras para os vales e parques de merendas que trocam olhares dos vales  com a serra e com a história.
E, nas fronteiras do interior profundo, sobra tempo para longas conversas à mesa farta, onde os horários precisos são desprezados, porque ter paz e pão é a única resposta às autocracias da mente que insistem, em cada recaída da humanidade, confundir-nos com miragens que apelidam de dilemas.
Um ruido de fundo que não resiste ao vinho na ânfora e à brisa de início de setembro que vem da praia fluvial e do rio.
Nem à imensidão dos grandes espaços, debruçados sobre as muralhas do castelo de Marvão, um discernimento só possível para quem observa o mundo visto das alturas.
E, no fim do sonho lento de um fim de semana, acordamos com uma intensa manifestação da fé do povo.
Preparado para resistir a mais uma semana de mundo à beira da insanidade.
Não há dilemas quando a vida se nos revela simples. 
Podemos, simplesmente, querer tudo. Outra vez.



sábado, 30 de agosto de 2025

As Latitudes de Óbidos sessão um

 


Os despertares não precisam de ter consequências, basta rodearmo-nos de livros e letras, palavras e histórias que transbordam das prateleiras vertiginosas da livraria do mercado ou nas colinas suaves e ondulares da livraria santiago, que protegem o altar da capela que a alberga.
Nas profundezas do festival literário, os diálogos intimistas empurram o turismo de massas para a rua direita e nós, que ficamos lá dentro, entramos no universo paralelo que o escritor de Domingo à tarde se atrevia de apelidar de “nossos museus imaginários”
Sim, “quem tem um bom museu imaginário na sua cabeça, está mais protegido contra a inteligência artificial”, porque é nas emoções. e não na criatividade, que se revela o homem novo do novo século.
Mas só conseguimos imaginar, se pararmos de ver, porque estarmos sempre a ver pode impedir-nos de ver o futuro e as imagens ininterruptas bloquearem a nossa capacidade de visão.
Mas, neste fim de semana de retiro, até a intelectualidade esclarecida não consegue desligar os ecrãs dos novos ventos do Oeste que não se resolvem, repetindo os nossos dogmas passados, mas desmentindo, sem descanso, os atuais dogmas deles com uma visão inspirada do futuro.
Para isso, também nós temos de parar de ver, de bloquear as imagens para preservarmos o nosso museu imaginário. Tal como viver um fim de semana numa bolha.
E enquanto pairamos sobre as velas e sobre o quinteto de cordas que festejam a chegada da noite em Óbidos, da noite e da paz dos forasteiros, fechamos os olhos e imaginamos que é através da empatia que sobreviveremos às vagas de um futuro imperfeito.
Ou não!
Entre a audiência esclarecida, daquela que concorda que o direito de escolha da saída é uma questão psicológica profunda, há quem alerte que empatia em excesso já provocou a extinção dos dinossauros. 
Difíceis são os dilemas do nosso futuro, e que bom é podermos falar sobre eles




sexta-feira, 29 de agosto de 2025

As Latitudes de Óbidos sessão dois

 

O escritor que é engenheiro agrónomo não escreve muito, sente uma dor grande ao escrever ficção, para escrever temos de ter uma razão muito forte porque deve haver coisas melhores que passar oito horas por dia a inventar mentiras, oito horas por dia por cada meia página escrita porque escrevo para que gostem de mim, na ruralidade das minhas origens ou nas cidades do norte da Europa que me fascinaram como estivesse destinado a ser o embaixador do pensamento nórdico
Por teres 60 anos, por teres sido parte do universo de sonhos que era o DN Jovem, por sentires dores na escrita, por escreveres pouco e para gostarem de ti, e por teres saudades dos doze anos em que não publicaste porque sentiste falta que as pessoas gostassem de ti.
Gostei da modéstia com que te desalinhaste com os  novos ventos da auto ficção e como atribuíste, sem falsos pudores, a rapidez da escrita das novas gerações de escritores à profusão dos cursos de escrita criativa, assim uma espécie de pronto a vestir (escrever) uma antecâmara das promessas da inteligência artificial para o futuro da literatura
(Sim, eu sei que não disseste nada disso, mas senti-me com esse direito de interpretação abusiva porque afinal de contas também tenho a rondar 60 anos e fui publicado no DN Jovem quando sonhava e tinha 22)
Bela conversa, José Riço!