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domingo, 14 de setembro de 2025

Pão, Paz, Silêncio e...Fé

 

Acabamos com a manhã chuvosa de domingo, no museu municipal da tapeçaria em Portalegre, um regresso ao mundo industrial e da arte mecenato, muito antes, mesmo, de apenas se ser patrono das artes por motivos mesquinhos ou fiscais.
São uma dezena de salas de bom gosto e de tapeçaria de autor, numa tentativa dos poderes públicos de atrasar a extinção da tapeçaria de arte, por falta de condicionalismo industrial, que alimentou os organismos públicos no longínquo Estado Novo e por ausência de capital do capitalismo lusitano, os únicos mecenas que poderiam salvar a nossa tradição.
A manufatura corre o risco de fechar, dizem. por falta de encomendas, mas a memória é inabalável.
Cá fora, as nuvens nimbo, por definição brancas, não iluminam os céus no domingo de manhã, mas voltaram à tarde para se refletirem nas planícies, ou seriam apenas as ovelhas do Alentejo profundo?
Embrenhado na serra, o gato que podia ter nome, mas não precisava, para ser o senhor da quinta, um abusado que cheirava a  mercearia e que se instalava entre as obras da escultora, patas cravadas no tapete de vime, olhos cinzentos transparentes que refletem a arte da terra da Maria, era o guardião das memorias da escultora,  espalhadas pelos cantos da quinta com vista para o Marvão, mas também um gato agradecido pela nossa hesitante atenção.
Sempre em paz com o teu espaço próprio. Oh gato cinzento! 
E especialmente, o silencio dos grandes espaços, a serra de são Mamede que não precisa de nos partilhar com os ruídos do mundo.
Aquele silêncio de quem não sente a necessidade de nos impor opiniões que não está certo de partilhar, sim, nesse mesmo sentido de quem nem se preocupa em acreditar.
Seja nos montes, seja nas planícies, nao ha ruídos de fundo que perturbem a nossa paz anterior.
Em Reguengo ainda há largadas, uma meia rua coberta de areia, as trincheiras coçadas de uso, e a ruralidade vestida em torno de barbas encardidas e bocas desdentadas no café que se (e nos ) chama a todos de bons amigos, não se chamasse a terra de Alegrete.
E, à volta da esplanada que também é a rua principal da aldeia, todos falam alto, especialmente quando se aproximam os forasteiros, citadinos de certeza. Falam alto com as minis na mão, agitando os braços, enrugando a boca e chispando a barba por fazer há três dias, num ritual em que testam se os que chegam são gente ou são bicho, se se atrevem a atravessar a muralha de homens da terra ou se fingem apenas procurar os lugares perdidos que sabem que nunca vão encontrar.
Nós entramos e logo somos brindados com um caloroso e desdentado sorriso porque, afinal de contas, passámos o teste e até podíamos ser gente da terra !
Alegrete, de seu nome.
E eles discutem a qualidade das vacas da largada de ontem, uma opinião avalizada mas não especialmente militante, mas também tiram selfies e riem-se para nós, e nesta terra também devem viver crianças, porque as arvores estão cobertas de desenhos e mensagens de amor e estão vestidas por rendas que protegem as centenárias árvores e as suas idosas de olhares menos impolutos. 
Pelas encostas das serras abaixo, existem ruas do bom juízo, uma bandeira nacional que não necessita de vento para se desfraldar, e uma ruralidade autentica porque nas terras vivem e trabalham aa pessoas, as bermas estão cuidadas e há miradouros das serras para os vales e parques de merendas que trocam olhares dos vales  com a serra e com a história.
E, nas fronteiras do interior profundo, sobra tempo para longas conversas à mesa farta, onde os horários precisos são desprezados, porque ter paz e pão é a única resposta às autocracias da mente que insistem, em cada recaída da humanidade, confundir-nos com miragens que apelidam de dilemas.
Um ruido de fundo que não resiste ao vinho na ânfora e à brisa de início de setembro que vem da praia fluvial e do rio.
Nem à imensidão dos grandes espaços, debruçados sobre as muralhas do castelo de Marvão, um discernimento só possível para quem observa o mundo visto das alturas.
E, no fim do sonho lento de um fim de semana, acordamos com uma intensa manifestação da fé do povo.
Preparado para resistir a mais uma semana de mundo à beira da insanidade.
Não há dilemas quando a vida se nos revela simples. 
Podemos, simplesmente, querer tudo. Outra vez.



sábado, 30 de agosto de 2025

As Latitudes de Óbidos sessão um

 


Os despertares não precisam de ter consequências, basta rodearmo-nos de livros e letras, palavras e histórias que transbordam das prateleiras vertiginosas da livraria do mercado ou nas colinas suaves e ondulares da livraria santiago, que protegem o altar da capela que a alberga.
Nas profundezas do festival literário, os diálogos intimistas empurram o turismo de massas para a rua direita e nós, que ficamos lá dentro, entramos no universo paralelo que o escritor de Domingo à tarde se atrevia de apelidar de “nossos museus imaginários”
Sim, “quem tem um bom museu imaginário na sua cabeça, está mais protegido contra a inteligência artificial”, porque é nas emoções. e não na criatividade, que se revela o homem novo do novo século.
Mas só conseguimos imaginar, se pararmos de ver, porque estarmos sempre a ver pode impedir-nos de ver o futuro e as imagens ininterruptas bloquearem a nossa capacidade de visão.
Mas, neste fim de semana de retiro, até a intelectualidade esclarecida não consegue desligar os ecrãs dos novos ventos do Oeste que não se resolvem, repetindo os nossos dogmas passados, mas desmentindo, sem descanso, os atuais dogmas deles com uma visão inspirada do futuro.
Para isso, também nós temos de parar de ver, de bloquear as imagens para preservarmos o nosso museu imaginário. Tal como viver um fim de semana numa bolha.
E enquanto pairamos sobre as velas e sobre o quinteto de cordas que festejam a chegada da noite em Óbidos, da noite e da paz dos forasteiros, fechamos os olhos e imaginamos que é através da empatia que sobreviveremos às vagas de um futuro imperfeito.
Ou não!
Entre a audiência esclarecida, daquela que concorda que o direito de escolha da saída é uma questão psicológica profunda, há quem alerte que empatia em excesso já provocou a extinção dos dinossauros. 
Difíceis são os dilemas do nosso futuro, e que bom é podermos falar sobre eles




sexta-feira, 29 de agosto de 2025

As Latitudes de Óbidos sessão dois

 

O escritor que é engenheiro agrónomo não escreve muito, sente uma dor grande ao escrever ficção, para escrever temos de ter uma razão muito forte porque deve haver coisas melhores que passar oito horas por dia a inventar mentiras, oito horas por dia por cada meia página escrita porque escrevo para que gostem de mim, na ruralidade das minhas origens ou nas cidades do norte da Europa que me fascinaram como estivesse destinado a ser o embaixador do pensamento nórdico
Por teres 60 anos, por teres sido parte do universo de sonhos que era o DN Jovem, por sentires dores na escrita, por escreveres pouco e para gostarem de ti, e por teres saudades dos doze anos em que não publicaste porque sentiste falta que as pessoas gostassem de ti.
Gostei da modéstia com que te desalinhaste com os  novos ventos da auto ficção e como atribuíste, sem falsos pudores, a rapidez da escrita das novas gerações de escritores à profusão dos cursos de escrita criativa, assim uma espécie de pronto a vestir (escrever) uma antecâmara das promessas da inteligência artificial para o futuro da literatura
(Sim, eu sei que não disseste nada disso, mas senti-me com esse direito de interpretação abusiva porque afinal de contas também tenho a rondar 60 anos e fui publicado no DN Jovem quando sonhava e tinha 22)
Bela conversa, José Riço!



domingo, 13 de julho de 2025

Flashback #10 - Plácidos Domingos

 


Quando Avilez se tornou numa joia, às mãos de um arquiteto brasileiro, de nome Niemeyer então o fumo industrial voltou a representar o orgulho ancestral e a geometria das formas 
Avilez é filha de um Deus menor, a traseira da cidade dos príncipes e dos bispos, a antecâmara das imagens de Parr nos areais que recortam a costa de Gijon até à Corunha.
Mas em Avilez descobrimos o lado inconformista do fervoroso norte, como se aqui, o vendaval basco entrasse pelo porto acima, sem se deter nos guindastes nem se afundar nas linhas de água.
Recordando o tema principal da exposição permanente do novo Centro Niemeyer, uma ilha branca, salpicada de cinco peças arquitetônicas incrustada na originalidade do seu design e com a singularidade da sua localização, entre as grandes indústrias e o porto, comunicando com a cidade através de uma ponte que reconcilia as paisagem, é como se tratasse de “uma unidade dividida por zero”, uma metáfora muito conveniente sobre a geometria e o drama humano que representa a confrontam das tradições estabelecidas com uma revolução dos elementos.
Ao entardecer da Praça Maria Pita, a cidade da Corunha veio viver para a rua, enfeitiçada pelos grandes espaços, vestida de gala para o grande concerto.
Não há fronteiras no Norte, mas também à muitos séculos que não há uma monarquia reunida das Astúrias e da Galiza