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terça-feira, 14 de maio de 2024

Road to the border

 


Água, fogo, terra e vento eram elementos sagrados pelos seguidores de Zaratustra e do Zoroastrismo e tudo faziam para evitar a sua poluição. 
Acreditavam que os espíritos malignos invadiam os corpos após a morte pelo que não era possível enterrá-los, queimá-los ou depositá-los na água. 
Nas torres do silêncio, os corpos eram entregues aos animais que os limpavam da carne e preservavam o ambiente. 
Em silêncio, longe das cidades e dos ritos funerários. 
Em Yazd, a capital Zaratustra do Irão, a nossa descoberta terminou e partimos para norte, empurrados pela geoestratégia e pelo belicismo, nada que as pessoas, na rua, entendam. 
Nem nós, enquanto discípulos de Zaratustra. 
E as torres do silêncio, hoje apenas um santuário antigo de meditação, tolerância e obediência aos sinais que a natureza emite, recorda-nos que nos encontramos num processo de retrocesso civilizacional, e olham-nos, incrédulas, pela nossa debandada obediente ou receosa dos novos donos do céu. 
Também nós, mas, mesmo assim partimos para norte, enquanto negociávamos os símbolos sagrados, preferimos a terra ao ar e a água ao fogo, tudo por uma questão de segurança, porque quem tem um bom passaporte, consegue sempre negociar com os deuses. 
Apenas nós temos opção de escolha, eles sabem que têm de ficar, prisioneiros das nuvens cinzentas que se abatem sobre a obrigação de recato, sobre as mentes, há décadas, aprisionadas, e sobre a expressão da palavra, em que todas as entoações incomuns e gesticulação excessiva são objeto de escuta persecutória. 
Contradição, foi a palavra do nosso amigo, a propósito do amado poeta Hafez - um poeta do amor e das Contradições terrenas - um código de palavras suspeitas que poderia ter feito tombar o céu baixo do Irão sobre a sua cabeça, apesar de ter apenas questionado sem se atrever a responder. 
Tão pouca é a opção deles, quer na guerra quer na paz, que os faz, muitas vezes, suspirar pela vitoria dos inimigos infiéis, enquanto lançam foguetes e cânticos de vitória por uns aviões de papel que conseguiram alcançar a fronteira do Satã (antes da sua destruição final) 
É fácil ser ativista eloquente e exigente quando o mais que nos pode acontecer é um insulto nas redes sociais.
Ao contrário deles.
E, com eles no coração, subimos direito a norte, contornamos o aeroporto de Teerão e prosseguimos com a caravana da rota da seda, sempre com objetivo de chegarmos, primeiro a Tabriz, o bazar mais antigo do mundo, e depois à Turquia, enquanto os nossos amigos de Teerão se abrigavam da retaliação dos infiéis, que provavelmente nunca chegará.
E só paramos em Zagdan. nas fronteiras de um país imaginário, mas de um povo vibrante, acolhedor e distintivo. 
Às portas do Curdistão iraniano, recebe-nos uma noite fria e uma cidade que não se passeia pela rua, mas acelera nas avenidas largas de uma cidade deserta, para cima e para baixo, viaturas que aceleram, emparelhadas, nas faixas centrais e se recolhem de vidros ao vento e coloridos sinais de luzes, como se fossem um piscar de olhos na escuridão dos afluentes laterais da grande avenida,
O sábio assegura-nos tratar-se de um ritual de sedução, com códigos persas, primeiro  a exibição do garbo, medidos em cavalos de potência e depois uma discreta troca de olhares, â procura de uma conivência de vontades, ou uma cor de faróis comum. 
Mas na noite de Zagdan nem todos lhe recolhem cedo. Ao jantar, festejam-se aniversários, há jovens miúdas que soltam gritos de desafio ao disc-jockey de música techno iraniana, elas e todos nós sentados em posição de lótus, todos em harmonia com a tradição árabe de comermos descalços sobre longos e felpudos tapetes persas zagdan. Não se ultrapassam os limites da lei e dos costumes mullahs, mas festejam-se os aniversários com bolo de sabores conhecidos, batemos todos palmas à jovem aniversariante, o bolo tem velas e fogo de artifício mas aqui não se festeja nada mais do que a adolescência da rapariga, a alegria do avô e da restante família do patriarca e provamos o bolo que nos oferecem com vontade e prazer. 
Aqui não há festejos dos ataques aos infiéis, porque para este povo não há infiéis., há apenas pessoas que falam outra língua com quem treinam a internacionalidade, para um dia que a possam usar. 
Para este povo, nós somos os viajantes que os visitamos e ninguém nos questionou a nossa posição geoestratégica antes de nos estender a mão e convidar-nos para a sua vida, que eles querem que seja tranquila, próspera e feliz. 
E durante a noite não ouvimos a voz do imã a chamar para a oração das quatro da manhã, estávamos a viajar e, portanto, dispensados das preces e, quiçá, da própria fé nos homens e no Deus que os criou, por aqui chamado de Alá



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