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sábado, 11 de maio de 2024

O Sul profundo

 


O Sul profundo é diferente do Sul geográfico e, na República, o profundo começa em Bandar Abbas, quando a população da cidade decide invadir a praia em dia de feriado, o primeiro dia depois do Ramadão. 
Ir à praia por estas bandas, não é bem ir à praia, é uma força de expressão longamente vestida onde os pés descalços hesitam em furar as ondas rasteiras da maré vazia porque as vestes compridas estorvam os movimentos e a perspetiva de ensopar as vestes turva a mente e nesta envolvente de autocondicionamento social só as crianças usam fato da liberdade e tomam o banho purificador. 
Mas a praia no sul profundo da República Islâmica é uma enorme extensão de povo que deambula nas areias escuras, ou a trote de cavalos que alugam as pernas e o seu tratador por alguns minutos de fama, com pouco proveito para os animais. 
O cosmos da praia de Bandar Abbas não é muito brilhante, nem particularmente colorido, mas agita-se muito, nas esplanadas onde famílias numerosas destroem castelos de gelado e cascatas de refrigerantes e no areal de moto quatro e animais diversos que urinam na frente dos clientes, e assim o tratador demonstra aos potenciais clientes a pujança e a qualidade do animal de montar, proeza não repetida com os camelos, animais de feitio menos previsível quando confrontados com a infantilidade humana. 
Para Sul tornamo-nos transparentes, porque o povo Bandari tem demasiada vida para sobreviver e não tem tempo a perder com visitantes que procuram retirar o exótico das suas vidas sofridas. 
Sem agressividade especial, apenas indiferença e uma vontade explícita de preservar a sua imagem. 
Nas noites quentes de Minab, há piqueniques espalhados pelo jardim infantil e, entre os baloiços e os canteiros de flores cuidadosamente alinhados, os grelhadores a carvão chispam chama, faúlha e kebab e as famílias reúnem-se em torno das suas vidas. 
Nas manhãs do mercado Bandari de Minab, as quintas-feiras resumem a vida das comunidades que vendem diretamente o que produzem, seja esforço com a natureza, seja talento artesanal e, no mais profundo e conservador de todas as províncias do Irão são as mulheres Bandaris, escondidas nas longas vestes e nas coloridas máscaras, que tomam a iniciativa, que discutem todos os termos relevantes do negócio e argumentam com os clientes, uma raridade nos bazares da Pérsia, mais um dos domínios dos homens, eles de feições persas mas de descendência árabe.
Aqui, em Minab, aos homens e aos meninos, as mulheres bandaris deixam-nos viver e tomar conta da testosterona da luta de galos e das rolas que se libertam das correntes e voam dos telhados de zinco em direção à liberdade trôpega de quem já não sabe voar.
E nem os animais os deixam inteiramente nas mãos deles. À entrada do mercado dos animais, são elas que ocupam os melhores lugares, obrigando os compradores a circular apertados entre as ancas dos animais, pressão máxima para fechar negócio e definem os preços, e uma cabra bem parecida tem uma vida sem valor, menos de cem euros no mercado dos animais de Minab. 
Começamos a regressar do sul profundo seguindo o caminho iraniano que os ligava a norte ao traçado principal da rota da seda, atravessando a cordilheira de Zagros e entrando num novo mundo de planaltos áridos, cumes nevados, os grandes desertos e  a descoberta das planícies de kebabs.
Em Bam, a água corre canalizada pela berma das estradas, pressente-se, apesar de ser noite, um extenso oásis de palmeiras, sente-se a brisa da vida na noite de Bam e sim, confirmação visual na manhã seguinte do topo da fortaleza de Bam, pressentimos que estávamos a abandonar o sul profundo. 
Naquela noite, a cidade de Bam cozinhava na rua em grelhadores a carvão e as mesas da esplanada da cidade estavam cheias de gente que festejam, na rua, o novo regresso à vida deles. 
Mesmo que a crença seja enorme, as pessoas sonham mesmo é com o que conhecem!



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