E na manhã seguinte, o
sapo gramofone descobriu um mundo novo, novos sons que se adivinhavam atrás dos
muros brancos, que ele não podia ver, mas ouvia e, pelos sons, sentia-se longe:
o amolador de facas pedalava no beco assoprando numa tão aguda gaita que
assombrava o sossego das redondezas, as bilhas de lata que chocalhavam na
quintinha da Dona Ana, sinónimo de vaca ordenhada, a única que a velha ainda
guardava entre os exíguos pastos que se acercavam dos prédios e a barraca
indómita de onde ela, e a vaca, pareciam renascer todos os santos dias.
Depois, apenas
escuridão e silêncio – na ótica batráquia, bem entendido – afinal de contas, as
bases científicas do Einstein eram consistentes e a inalação do composto
anestesiante transformou o gramofone (o sapo) numa bela adormecida, tão real o
efeito quanto qualquer filme de animação, produzido pelo cinema americano (mais
tarde viriam os desenhos animados checoslovacos, esses menos realistas e mais
alternativos) que durou até que as gotas de suor do enrascado Einstein o
acordaram da (seca) letargia de anfíbio fora de água.
Mas aquelas faenas no
pátio da escola primária não passaram despercebidas aos rivais da rua de cima.
Na noite seguinte, em que os diplomados Einstein, Juiz, Passarola e Moshe já se
interrogavam (cada um para si e todos com ninguém) o que fazer com o sapo que
já dava trabalho que chegue para humedecer permanentemente aquela fria pele de
réptil, e era preciso arranjar uma solução que não lhes estragasse a reputação,
e os pais que não os largavam com as sábias advertências de que aqueles
esbugalhados bichos tem venenos tóxicos (vejam lá bem a cena), a solução veio
dos fanáticos rivais da rua de cima.
Bem pela noite dentro
(os básicos bárbaros da rua de cima viviam sob um controlo parental bem mais
frouxo, uns verdadeiros selvagens) saltaram os muros de metro e meio,
vandalizaram a improvisada gaiola do sapo, espezinharam as plantas que, por ali
cresciam selvagens, e raptaram o atónito gramofone que, desta vez, pouco se
queixou porque o instalaram numa caixa de plástico (fechada é certo) repleta de
água e mosquitos e a única dissonância na rescue box era aquela palmeira de
plástico, espetada no meio do lago, que desvendava a sua origem como um remoto
lar de uma qualquer tartaruga centenária, fugitiva dos maus tratos impostos por
algum dono menos zeloso.
Suspeita-se que a ação
de resgate no quintal dos caracóis tenha sido uma afirmação de força da turma
concorrente e com um objetivo preciso de obrigar o bando dos quatro a engolir
os sapos do seu atrevimento.
Provavelmente o
gramofone foi despejado novamente na cova dos sapos – há testemunhas oculares
pouco fiáveis que garantiram este destino – mas nenhum dos membros do bando se
mostrou particularmente entusiasmado em procura-lo; as férias estavam a chegar
e as novas ideias brotavam-lhes da mente com uma velocidade tão alucinante que
já só pensavam nas expedições à terra do Sal, nos mergulhos na lodosa praia
fluvial, na operação especial de vigia aos aviões da base aérea…
Numa madrugada da Primavera seguinte,
vieram os tanques e os soldados a sério e invadiram o solitário e isolado reino
de batráquios, transpuseram os montes e enxugaram o pântano, prenderam o rei
sapo e exilaram os seus súbditos para um lago longínquo.
Começava a revolução dos cravos!
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