Columbia Flower Market
O desafio de Domingo era outro.
Descobrir se existia uma Londres suburbana, quase
rural, uma terra de quase agricultores, de seres que cultivam os parques
infantis e as quintas ecológicas, de ruas que se espraiam em mercados de flores
e a fúria dos prédios de vidro que se encolhem diante da persistência dos
mercados de rua, coisas sérias a partir de cinco libras, outras menos sérias a
partir de três libras e bugigangas a uma libra
Mal se atravessa a linha que separa as duas polícias,
na igual medida em que nos afastamos do glorioso West End da família real e de
Charles Dickens, os números contam, as famílias expandem-se entre roupas
amontoadas e a fumegante comida de rua, e a diversidade cultural e étnica constrói-se
de rituais e rotinas pagãs.
“Ladies,
please come, it’s time to spend your Money with me”
Peticoat Lane
Peticoat Lane
Subindo a Bethnal Green em direção ao enclave
espanhol, cruzam-se ruas sem trânsito de esquinas arredondadas por casas térreas
que vivem de portas abertas e observam os transeuntes que transportam bouquets
de flores rua abaixo, embrulhados em papel pardo, sinal de uma vizinhança que
habita os Domingos no mercado das flores
“Estas flores não precisam de água e duram mais do
que eu e tu, juntos”
Bethnal Green
Columbia Flower Market
Columbia Flower Market - Backstreet Boys
Bethnal Green
Às quatro e meia, o mercado rende-se a um leilão de
substâncias perecíveis e toda a gente parece adivinhar que esta é a hora de
encher as janelas de flores tardias, de preço descontado e de alma cheia.
Os triciclos competem com as trotinetes por um lugar
no meio da rua e ninguém se preocupa com o trânsito inexistente
E crianças, muitas crianças que, aos berros, te dizem
que a leste de Bethnal Green já não mora a sofisticada Linda
Apenas o agridoce “melhor café do mundo” que é
servido em cima do Regent’s Canal, a caminho do mercado de Broadway, rodeado de
cebolas e batata-doce, alho francês e especiarias diversas.
A leste de um Domingo cinzento vive outro mundo, os boat
people que não precisam de lutar pela vida para aqui se instalar, nas margens
do canal que, em Setembro, cobre-se de verde e prolonga o parque Vitoria para
além da margem sul.
Mas a malta não se parece importar porque são
estruturalmente desleixados, vivem no seu quintal de copo de vinho tinto na mão
e cabelos sebosos, intrincados e compridos, convivem numa inércia calculada com
os corredores de fim de semana, vestidos com óculos de uma existência marginal,
Um Buda na proa,
Um triciclo no telhado,
Tralha espalhada pela popa,
Uma vida desarrumada que se espreita para dentro do
fogão vintém,
A lenha que espera, empilhada, um espaço que se abra nos
apertados espaços do inverno,
“Ice
Cream, Cake Cream, everybody scream”
É apenas mais uma charada de duas miúdas de fatos de
treino laranja que deixam o eco para trás, enquanto o último dos eremitas
medita, de pernas cruzadas, em equilíbrio com a popa verde do batelão
esquecido.
Afinal de contas Londres não tem de ser apenas
centralidade, sofisticação, independência, maioridade e vanguarda.
Um local tão internacional tão multicultural que
dispensa raízes
Existe em diversos algures, por esta longa e dispersa
cidade, lugares onde se sente uma abraço chamado família, onde não existe
qualquer pressão para as pessoas serem independentes.
É este o outro lado equilibrador da natureza humana.
Certo?
Regent's Canal
Sem comentários:
Enviar um comentário