O nome dela é Gema, Dona Gema
Capturada pelas tropas do Sultão,
adormecida pela solidão da berma do caminho, Gema foi, segundo alguns
cronistas, o princípio do fim da soberania indiscutível do velho guerreiro.
Seriam os seus olhos, os cabelos
que lhe escorriam pelos ombros ou antes a sua fragilidade cristã desprovida de
ambição, que enfeitiçaram as barbas brancas e a longa idade do Sultão, isso,
ninguém sabe.
Ou ninguém, alguma vez ousou
questionar.
Exceto o velho sábio, provindo
dos confins do Egito que, conhecedor de todas as ciências ocultas, particularmente
a magia, assegurou que, se o talismã indicava perigo é porque esta mulher é uma
feiticeira que usa as suas formas sedutoras para enganar os incautos.
Mas o guerreiro que aspirava a
paz celestial nos famosos jardins do Irão, só tinha ouvidos para o silêncio da princesa
cativa e da sua lira de prata pendurada sobre o seu generoso decote.
Gema reuniu uma corte de admiradores eventuais à porta do Palácio e
contou-nos a sua história, a do velho sábio que se propôs construir um jardim
mais grandioso que o do Irão, tão extraordinário e inexpugnável que ninguém, do
lado de fora, o poderia ver.
A princesa católica iria escrever a história num tempo futuro, a do
astrólogo mágico que haveria de conceber este palácio rodeado de fortalezas
inexpugnáveis e com jardins interiores, ricos e luxuriantes.
Invisível aos olhos dos mortais, protegidos por uma chave e por uma
mão, poderosos talismãs carregados de uma magia oriunda dos confins do Egito
Mas a princesa católica tinha o
dom de enfeitiçar os homens, porque enfraqueceu o coração e as defesas do velho
sultão e deixou-se raptar pelo astrólogo para o enfeitiçar, nos confins da sua
caverna, até à eternidade.
O Sultão morreu acossado pelos
inimigos e os habitantes locais não encontraram nunca, nesta colina, nada mais
que um terreno ermo e escabroso.
Até ao dia do Juízo Final ou
quando a mão que segura a chave desfaça o encantamento que foi lançado sobre
esta colina.
Gema mantem uma versão diferente da construção do palácio, a história
de Alhamar o fundador do Alhambra, numa época em que o grande Califado se
confinava à exígua Granada, longe vão os tempos do esplendor expansionista da
grande nação moura.
Terá sido o último dos sultões unificadores do que restava do Império,
mas o primeiro que rendeu vassalagem ao Rei Fernando
E construiu o Alhambra, uma fortaleza vista de fora, um retiro
construído para dentro, para deleite e segurança de mais duzentos e cinquenta
anos de presença árabe na península.
Gema, a princesa católica sem
nome registado,
Gema, a guia intérprete do Palácio de Alhambra.
E ela, a nova Gema, calou-se e eu finalmente percebi o encantamento do
Sultão lendário, ou de Alhamar, o fundador do Alhambra por esta colina.
O fascínio do silêncio, das águas
límpidas que parecem nascer de todos os aposentos e jardins deste magnífico
lugar, da floresta verdejante e dos tons alaranjados que submergem a paisagem,
por onde quer que poisemos o nosso olhar
E os gatos sonolentos que se
enroscam ao longo da porta da Justiça, que são os espíritos do velho astrólogo
que imaginou este lugar, antes mesmo de se tornar visível aos mortais.
A sedução de uma lenda reside,
afinal de contas, na insignificância dos detalhes históricos.
Para Carlos V, o novo
conquistador católico, tristes aqueles que perderam tudo isto, para o último
Sultão, a vergonha da retirada sem resistência, em 1492, e a humilhação da mãe
que lhe terá acusado de se ter comportado como uma mulher na defesa do que lhes
pertencia
O resto é História
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