Horóscopos compatíveis são o
primeiro momento, a seleção natural, para um casamento combinado
Um processo meticuloso que
prossegue com o envio de fotografias e a marcação de entrevistas e que tem como
objetivo maximizar compatibilidades e assegurar a felicidade racional e
controlada.
Aceitando que a astrologia é a
rainha das ciências, uma espécie de manto protetor contra os lapsos de escolha
dos humanos.
Não parecia ser essa a preocupação
do tratador ou condutor do elefante indiano – mais franzino e menos dotado que
o irmão africano – que procurava arrastar os obesos ocidentais, encosta acima.
O tratador do elefante –
cinquenta elefantes vezes cinco subidas por dia vezes duas pessoas,
independentemente do seu peso – não era o dono do elefante, porque o patrão era
dono de vinte e quatro elefantes mais vinte e quatro tratadores, tudo vezes
cinco subidas vezes, pelo menos, uma largas centenas de rupias vezes os dias
que o elefante e o tratador aguentarem.
Não é de todo a preocupação do
agitado Berto que procurava captar a atenção dos transeuntes e fotografar os
ocidentais bananas que se desequilibravam no dorso do elefante e fazia-os jurar
que só o Berto tinha as fotografias acertadas, procurem o Berto e digam não aos
outros todos, e que os perseguiu sem deixar rasto todo o dia por todo o local
para lhes entregar um molho de imagens impressas em papel encardido por
duzentas rupias em mais de dez poses aparvalhadas por minuto.
A vinte quilómetros de distância.
A astrologia é uma ciência dos
nobres para os nobres, é um manto protetor que não permite a identificação de
compatibilidades através da escada social.
Não é pois uma ciência
igualitária.
Por isso o tratador de elefantes
e o Berto, uma espécie de fotógrafo, impressora e realizador de portefólios neo
românticos, não invocaram os astros para nos transportar ao palácio dos deuses.
E nessa manhã desfez-se a nossa
fé humanista e ocidental do pequeno empreendedor como o motor do desenvolvimento
do grande mercado interno.
Tal como em todos os negócios da
India mais ou menos informal, há sempre uma multidão de membros informais de
uma casta inferior que asseguram a prosperidade dos médios comerciantes, e o
deleite de um serviço silencioso, eficiente e agradecido.
Na maior economia de mercado do
mundo, o chão eleva-se sempre à altura do último ser humano da cadeia social.
Acima da poeira, vive a economia
mais feroz e resiliente do mundo.
E enquanto me derretia com o
arrojo das muralhas dos grandes senhores dos pequenos reinos e enquanto me
contorcia com a necessidade de reconhecer, agora numa cadência mais do que
diária, que nenhuma moeda tem apenas uma face, voltava a habituar-me às coisas
como elas são.
A dinastia dos marajás de Jaipur
mudara-se, no século dezoito, deste reino de montanhas cercadas por muralhas
imperiais com nome de pedra preciosa e a mais de meio caminho entre o a terra e
o céu, para a cidade no vale, apenas por causa do Sol, e da vontade
empreendedora do mais brilhante dos reis da dinastia, um matemático, um
cientista, um astrónomo, tudo na mesma pessoa.
E com o marajá mais inteligente
de toda a dinastia nasceu Jaipur, uma cidade construída a régua e esquadro e um
observatório do Sol e dos astros, plantado no esplendor da planície, nos
portões do palácio da cidade.
Afinal de contas, por aqui
ninguém se casa sem consultar os astros.
Apesar de, não ter a certeza que
a matemática seja o mais relevante na vida dos terrenos.
Pelo menos abaixo da poeira.
Umas décadas mais tarde, outro
membro da dinastia dos marajás, decidiu pintar toda a cidade de rosa, para a
agradar aos ingleses, de visita nestas paragens.
Até o Observatório.
E enquanto o Berto corria
encostas e vales, como o homem da maratona, para nos entregar uma dúzia de
fotografias impressas em papel encardido, buscando em todos os cantos e
buracos, porque desta busca dependiam as duzentas e cinquenta rupias de um dia
de trabalho, eventualmente partilhado com alguns informadores, o homem da
impressora, o dono da máquina e o fornecedor de tinteiros, o regente e pai do
jovem marajá de dezasseis anos, proprietário dos palácios, agora luxuosos
hotéis de charme, saía pela porta do palácio de jaqueta azul e lustrosa, de
pose imperial e estatuto guerreiro e juntava-se ao povo no pátio do palácio
cedido a museu nacional, uma sociedade proveitosa entre a moderna republica e a
tradicional monarquia.
No outro extremo do pátio, à luz
de um sol brilhante que inundava as arcadas, o museu nacional expunha os
gigantescos jarros de prata que o marajá de Jaipur enchia de água sagrada do
Ganges e transportara para Inglaterra numa das suas visitas oficiais, para seu
consumo e sua bênção própria.
À saída, esperava-nos um fim
feliz para o Berto e para os ocidentais que, no final de um dia de reis, só um
molho de imagens impressas em papel encardido por duzentas rupias em mais de
dez poses aparvalhadas por minuto, nos poderia deixar tão completos como os
reis banhados em água prateada do Ganges.
Ou como os elefantes deleitados
com uma banana com casca enrolada na sua tromba franzida e peluda – franzida se
comparada com as dos seus irmãos africanos – e despejada na sua boca alegre e
carinhosa.
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