Lima de novo.
A neblina da primavera do
pacífico persiste, embora temperada por um tímido sol, que acende uma chama protetora
das indígenas que se refastelam na relva de Miraflores, a pastar os lulus dos
ricos.
Depois da noite esfriada de
cusco, altitude seca em estado sólido, rebolámos para a altitude 0.
Lima, Perú a nível do mar, mas
protegida dos tsunamis por cinquenta metros de arribas convenientes.
Miraflores (o bairro) mira mar
por vontade e vocação.
E hoje, descobrimos a burguesia
peruana pelas ruas que trazem o oceano até aos jardins da cidade ociosa.
Uma outra face da mesma
metrópole, tão enorme e tão surpreendentemente estratificada por bairros, ruas
e quarteirões, ou simplesmente encostas de poeira desértica…
Contra as expectativas de uma
metrópole invadida pelo país rural, numa anarquia sudamérica das periferias em
pólvora, hoje revejo-me numa cidade com os ambientes Vargas Llosa que estou a
aprender a conhecer, sessenta anos mais tarde.
No jardim Kennedy, havia bancos com estórias trocadas entre velhos amigos, gatos que se espraiam pela relva, uma porta para a avenida arequipa, a conexão literária entre o passado e o presente da cidade dos príncipes e dos pobres.
Um excerto de cidade sul-americana
de latinidade ocidental, europeia sim mas com sotaque, como na bellavista em
Santiago, em Ipanema ou no bairro S.Telmo.
Saudosista, levemente afetado,
mas sedutor para um europeu latino que regressou dos confins (e das entranhas)
da indígena (fascinante, longínqua e estranha à nossa cultura do mar e da
planície) terra andina.
Mas a Lima nebulada e sombria de
um inverno que não termina mais, revela-nos outras surpresas…
Num mundo em que a agricultura
não é reconhecida, os terraços incas de experimentação agronómica e os ícones de
aproveitamento da natureza, qual sal de maras, reproduzem-se nos novos laboratórios
de experimentação gastronómica, exemplo restaurante central, a Lima, capital gastronómica
da américa do sul.
A chef loura prepara o cheese
cake cabra km 28, do lado de lá da cozinha peruana
E não sorri!
A um ritmo alucinante, uma
estratosférica alegoria de ingredientes sublimes que legitimam, só por si, um
abençoado regresso à terra profunda, um vale sagrado da agricultura de sabores.
Lá fora, os abutres, os pelicanos
e as gaivotas do pacífico acenam-nos com as asas e voam, rasantes sobre as
ondas.
Também na cidade dos reis, a última
palavra pertence aos deuses, e seus fiéis símbolos da vida eterna sobre a
terra.
Aleluia, Perú dos incas e dos
viracochas!
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