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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

O batismo de fogo

 

Está frio na manhã solarenga de Sibiu e respira-se uma atmosfera de lazer, há quem chegue ao centro histórico vestido de noivos (ele e ela), ou de convidados, o urbano laço preto na camisa branca, destoa da prole vestida de bordados e folhos, uma afirmação de ruralidade em dia de festa.
Sibiu é uma cidade muito antiga e não traja ruralidade no seu interior, medieval tardia na sua criação mantém a sua silhueta aristocrata, a dos boiardos do império austro húngaro e a igreja Luterana que mantém a etnia romena, ortodoxa, crente e campestre, fora dos limites das muralhas.
Mas neste sábado de manhã de Outono, as portas da cidade estão abertas a todos os credos, os velhos que jogam gamão nos jardins da praça da unidade, ou as famílias inteiras que se passeiam entre as três praças da cidade sim, eram famílias numerosas e vestiam, na sua maioria uma alma rural, enquanto a urbanidade local debicava cappuccinos nos cafés da praça grande e nas esplanadas das ruas adjacentes em grupos contidos e conversas eloquentes que o Sol da manhã não deixava esfriar.
E porque é sábado, a cidade alta e a cidade baixa festejam as cerimónias das suas vidas, devidamente resguardados da mundanidade das grandes praças


Na catedral ortodoxa, uma construção grandiosa do início do século vinte, já na extremidade leste  da cidade velha, um reconhecimento tardio da crença do povo, que precedeu a integração da Transilvânia no território da grande Roménia, a luz exterior invade a nave central do templo, filtrada pelos vitrais que narram os episódios da vida de Cristo e pelo silêncio dos devotos.
Apenas se ouve a voz do sacerdote e o tímido choro da criança que , rodeada pela familia, é despida em cima de uma mesa e mergulhada na bacia batismal, um batismo sem cedências nem compromissos, um ritual ortodoxo conforme jesus.
E depois a criança chorou alto e a família suspirou de alegria e de alívio, criança batizada e, de novo, na segurança do colo da avó.
Encontramos, mais tarde, os noivos e os respetivos convidados na igreja do convento das ursulinas, na extremidade ocidental da cidade velha, eram pois bons católicos, uma igreja decorada de flores, umas dezenas de convidados com fatos pouco usados e alguns mesmo de cores que não se coadunam com o imaginário de qualquer sacro matrimónio, mas não olhamos com muita atenção, teriam repetido o sim, nunca o saberemos porque, sem querermos, procurávamos as paredes abandonadas do antigo convento, agora um hub criativo em dia de vernissage, existe afinal uma terceira via na cidade de Sibiu, uma detalhada reportagem sobre o dia dos mortos, um novo Messias da arte vestido de preto, co chapéu de abas, rosto bicudo e gestos bruscos que se pavoneava entre as instalações, cenários góticos e uma estética incomoda, não no sentido de verdade incómoda, mas de grotesco incómodo.
Na tarde de sábado no recolhimento do mosteiro, longe dos olhares da praça, celebrava-se uma vanguarda desprovida a roçar o absurdo, ninguém se atreva a imaginar uma Roménia tradicional, enraizada na antiga tradição senhorial e rural, dos primórdios da sua independência.
Ioan Muntean é um pintor que confirma a existência de uma regra através do contraditório exuberante da exceção.
A sua exposição "É aqui" é um projeto de recuperação da memória do património construído da Igreja ortodoxa em locais isolados, exemplos de atos de fé das pequenas comunidades rurais.
Existe uma candura na pintura de Ioan, na forma como modela a luz, é como transmite a ideia de que, para lá da solidão e abandono dos locais pintados existe sempre a nossa aspiração a algo espiritual e superior ás dificuldades da realidade quotidiana, uma metáfora para a intimidade do ato de fé.
Mais do que um conflito de perspectivas ou um debate sobre o modelo de desenvolvimento de um país, trata-se sobretudo do elogio da diversidade e o respeito pelas origens.
Aleluia!




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