Subir à cúpula do Bundestag é um assunto de estado.
Reichtag por Norman Foster é uma marca do modernismo
alemão após reunificação.
Nunca o parlamento alemão tinha suportado uma cúpula com
tanto vidro.
Nem quando o Kaiser Guilherme I a construiu em vidro
e aço.
Nem com a renúncia do Kaiser e a proclamação da
República, no final da primeira guerra, época genocida para os grandes impérios
da Europa Central.
Nem quando Hitler alegadamente lhe pegou fogo para
incriminar os adversários políticos e apoderar-se de dois terços do parlamento,
com quarenta e três por cento dos votos.
Nem depois a sua destruição pelo Exército Vermelho,
nem quando o decidiram reconstruir após a guerra, nem quando uma multidão de
berlinenses se reuniu à volta, no bloqueio de 1948 e o presidente da câmara
clamou para que “Vós, povos do mundo, socorram esta cidade”
Nunca o Reichtag tinha suportado uma cúpula com tanto
vidro, mesmo quando Christo a cobriu de tela em 1995.
E, porque nada em Berlin, pode ser olhado (sequer)
sem as devidas associações e os carregados simbolismos, a nova cúpula de vidro
do novo parlamento alemão (o que são afinal dezanove anos na intensa história
de Berlim?) é um mundo de possibilidades de interpretações simbólicas.
Símbolo da transparência dos poderes parlamentares, o
redondo da agregação de uma nação, uma circunferência que marca (ambiciona) uma
nova geometria de centralidade na Alemanha europeia, a libertação da democracia
alemã da tutela das grandes potências vencedoras da última grande guerra.
Do alto da cúpula desenhada por um americano,
estende-se aos seus pés, a embaixada americana na zona de ninguém, entre muros,
apoiada no imperial arco de Brandemburgo, a russa uns metros depois no início Unter
den Linden e a inglesa na mais modesta e lateral traseira do luxuoso Adlon.
Todos aos pés do centralismo unificado do Reichtag.
Por todas estas interpretações infundadas e
simbolismos possíveis, subir à cúpula do Bundestag (uma forma de retirarmos o
peso histórico) é um assunto de Estado.
Pode até ser gratuito, mas tudo tem um preço, exceto
a segurança nacional.
Exige prévia marcação gratuita, mas igualmente prévia
revelação de identidade para escrutínio da polícia, a oportunidade de descobrir
um slot disponível em vida útil compatível, uma grande vontade que nos leve a
descobrir uma opção executiva e organizada a vinte e dois euros com um chá incluído
e direito a repetir (o chá), ou então…em momento de irrefletido desvario de
subir aos céus nas asas do desejo (óbvia associação a Wim Wenders, eu sei) , e ao preço de uma viagem low-cost até Berlim,
a reserva de uma mesa para almoço ou jantar no resplandecente Kaffer, com
direito a todas as subidas e descidas à cúpula que o corpo aguentar, tendo em
conta que, o arrojo e o modernismo assim o exige, as subidas e as descidas se
fazem por rampas diferentes.
Sempre com prévia revelação de identidade, com comprovação
documental da mesma nuns barracões pré-fabricados plantados no lamaçal da fachada
principal,(que obscurecem a grandeza da mensagem que, sobre as arcadas, nos
assegura que ali vive o povo alemão), o acompanhamento muito atento até à porta
principal, com portas duplas que se abrem alternadamente e a entrada num
elevador apinhado, guardado por um zeloso guardião da subida ao topo, que
reserva para ele próprio a única cadeira que sobe e desce dia inteiro, de manhã
até à meia-noite.
E, finalmente, a cúpula.
No absoluto centro da nova e da velha cidade (e quarenta
e quatro anos de baldio entre as duas referências anteriores) com as pérolas
aos nossos pés, a pretensiosa Potsdam Platz, o gigantesco e despido TierGarten,
o sólido Arco de Brandemburgo, a reverente Catedral, a espaventosa Torre de
Televisão e as centenas de guindastes que parecem pendurar a urbe, muito para
além do tempo esperado.
Tudo, símbolos da História e da alucinação que foi, e
é, esta cidade.
Do topo, só a coluna da Vitória, empurrada do
Reichtag para o fundo da rua 17 de Junho, por um pequeno homem de bigode a quem
a estátua importunava a vista, parece dialogar com a nossa visão em plano de
igualdade (ou serão os anjos que a sobrevoam?)
Quanto á cozinha do Kaffer é demasiado científica, uma
culinária vista como um processo químico com uma fascinação pelo orientalismo
gastronómico, de sabores orientais exóticos, empratados em ingredientes alemães.
Falta-me a alquimia do improviso e dos sabores mediterrânicos,
e parece-me que este fascínio súbito pelas tendências orientais (da pintura
modernista do Hamburger Banhof à culinária do Kaffer ou da comida de rua que empesta
o ar das ruas de Mitte) é uma vingança fria e cruel dos derrotados da
reunificação porque, até olhando cá de cima, se conclui que o glamour se transferiu quase todo
para Oriente.
Em vésperas de uma manhã de neve, repleta de uma
neblina romântica e vista cá de cima, Berlim já não sobrevive da história,
antes transformou-se na capital do Leste.
(Mais uma associação abusiva e impertinente)
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