- Pretendem um táxi?
O rececionista do 38, ainda simulou um trejeito,
esticou o indicador prensado entre duas talas para o ar e para o mapa dos
transportes “Podem tomar um transporte público, é muito prático e, mesmo não
havendo metro até Tegel, existem autocarros e não há forma de enganar”.
Já tinha insistido, de forma educada, em fazer a
conta “porque amanhã toda a gente vai querer pagar”, já tinha pedido
autorização que pagássemos os extras em dinheiro, afinal de contas são apenas
pequenos montantes ou apenas especialização de negócios ou talvez remuneração
variável.
Educado, mas insistente, o rececionista do 38, tinha
vontade de combater o tédio das horas mortas com trabalho útil e o gelo da
noite com companhia, mesmo que apenas conversa de ocasião.
“Quando cheguei a Berlim, logo me avisaram que nesta
cidade havia verão e não verão. Hoje, zero graus, para a semana dezoito, como
vê não há primaveras em Berlim”.
Sorri, esta é uma temperatura de início de primavera,
mas imaginei que os climas mediterrânicos não fossem a especialidade do
rececionista do 38.
Mas enganei-me. Identificou-me pelo nome (e
principalmente pelo apelido) de check-out, sem hesitações, “de Portugal” e
desfez-se em sentimentos de pertença sobre um povo que sabia receber, irradiava
simpatia e vivia num país lindo chamado Algarve.
“Nenhuma semelhança com os espanhóis, também conheço
o sul de Espanha e eles não gostam de turistas”
Com o nome de Irina ainda na mente desde a hora do
pequeno almoço, imaginei que o porteiro da noite fosse russo, afinal de contas
o homem falava que cá tinha chegado, de algum lado, pressuponho.
Pareceu surpreendido por eu perguntar de onde era,
“Sou berlinense, como o meu pai, o meu avô e o meu bisavô. Só eu é que nasci em
Moscovo, mas apenas por acaso, ou talvez não, o meu pai tinha ido estudar para
Moscovo”.
Ao homem com cerca de cinquenta, também lhe disse que
me fascinava Berlim, era a quarta vez que vinha, “A primeira em 1985”
“West Berlin?”
Tão evidente a pergunta quanto a resposta, com
cinquenta anos ainda não restam dúvidas da origem da história e de que tinha
havido duas centralidades e eu concluí que o pai de homem da noite tinha,
definitivamente, pertencido à outra centralidade.
Hoje as diferenças são mais subtis, por vezes até
propositadamente escondidas, por isso o rosto simpático que era berlinense, mas
tinha nascido na União Soviética, eventualmente um filho do regime da
iniciativa coletiva, emendou a sugestão, perante a sua suspeita de que não me
teria agradado a sua ideia de viagem nos transportes públicos
“Realmente são apenas mais dez ou quinze euros”, numa
tradução prosaica de “os tempos mudaram”
O triunfo do capitalismo não tocou da mesma forma
ambas as centralidades, e não terá sido um desfecho óbvio para muita gente.
É curioso como o tempo torna a história menos óbvia
que o presente, e tende a fazer realçar as subtilezas de entre as verdades
absolutas.
Mitte, Orianienburger Strasse, no coração do Leste.
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