A cidade virou carrocel.
Longe e perto da nova atmosfera cosmopolita e
internacional que valoriza o espaço e dilui as tradições, irrompem os locais
improvisados da cultura popular, as cores desconcertantes da aldeia que
construiu a cidade.
Despertam os velhos mágicos do entretenimento
popular.
Os saltimbancos nómadas que trilham os longos
invernos pelas estradas do interior, e que, escondidos da civilização e dos
costumes urbanos, esperam o ano todo pelo Verão para poderem assentar arraiais
e descobrir as suas efémeras raízes sedentárias.
Lançam as estacas que suportam a sua endurecida forma
de vida e constroem o arraial dos outros.
Veem não se sabe bem de onde, desaparecem depois para
voltar a despontar noutros locais tão óbvios quanto estes.
Encontram nas ruas e nas praças os seus únicos
momentos a que podem chamar de casa e a cidade confronta-se com as suas origens
rufias e tolera-os, pelos carrocéis, pelos sacos de pipocas, pelas luzes de néon
e pelas barracas de tiro aos coelhos (ou a outra coisa qualquer).
Por breves momentos, até parece que a cidade
readquire as suas origens e os seus cheiros.
Mas esta é a cidade dos carrocéis e a nova urbe sabe
(sempre soube) que não os vai adotar.
Eles são apenas o sabor da festa anual e quando as
multidões decidem que a festa acabou, desaparecem da praça, dos jardins e da
beira-rio lembrando-lhes que terminou o seu tempo e varrem-nos do espaço porque
é necessário recuperar os espaços verdes para as crianças da cidade (as mesmas
que uivam nas diversões dos santos) e as ciclovias para o bem-estar de uma
população tão ativa quão sedentária.
E a churraria Nuno parte para o próximo arraial até
que o fim da estação os disperse para mais um Inverno de cores escondidas e
envergonhadas origens.