Um homem de idade indeterminada
balanceava a perna direita na proteção vermelha e branca que ali foi construída
a pensar nos miúdos à saída da escola.
Balanceava a perna direita, de
costas viradas para a rua e um olhar de soslaio para o movimento em cascata de
duplo sentido que inundava a rua (imaginem) da voz do operário.
Mas o homem de cabelos grisalhos,
de tez envelhecida pelo trabalho mas de olhos vivos de um militante da vida e
de uma mobilidade para quem a reforma é ainda para viver, não prestava atenção
ao movimento dos novos símbolos da cidade pós industrial.
Afinal de contas, a voz do
operário nasceu num outro tempo, no seio dos operários da indústria do tabaco,
há mais de uma centena de anos, muito tempo antes do tempo em que a vida de
bairro passou a ser sinónimo de autenticidade e, portanto, uma cobiça desmedida
da curiosidade alheia.
Entenda-se, com a conivência do
próprio bairro que entendeu que, afinal de contas, é mais fácil viver uma vida
com menos autenticidade, do que continuar a ser um bairro operário
E, entre a autenticidade desejada
pelos forasteiros ávidos de exotismo social, e a perda de raízes resultado do
contacto com os forasteiros, espera-se que nasça e persista uma relação
mutuamente vantajosa.
Espera-se. Chama-se
sustentabilidade.
Mas isso, parecia não interessar
ao homem de idade indeterminada, de boné de xadrez que cobria uma calvície
avançada e de feições determinadas.
Olhava sem pestanejar para a
escadaria de pedra que invadia os corredores deste edifício de uma imponência
quase revolucionária e esperava, balanceando a perna direita, como se estivesse
a testar a agilidade de movimentos e a destreza dos gestos.
Por isso mesmo, era um homem
novo, certamente e a sua pose ostentava traços de arte nova, mas uma
personalidade construtivista, afinal de contas de uma coisa não parecia haver
dúvidas: era um homem do bairro e de origens operárias
A sirene tocou, era meio-dia e
podia mesmo ser a sirene da fábrica, mas era afinal o toque de saída da escola
primária dos miúdos do bairro e talvez do quartel dos bombeiros do bairro da
Graça.
Talvez, mas vindo dos corredores
austeros do edifício construtivista (digo eu que não sou especialista) saiu a
correr um bando de putos.
Bom, era só um, porque os outros
corriam corredores fora como uma gincana sem pista.
E esse, desceu as escadas aos
saltinhos e lançou-se no colo do avô, o homem de olhos vivos, chapéu no chão e
uma calvície que brilhava de orgulho e muita experiência porque a grade
vermelha e branca estava ali mais para o proteger a ele do que o neto.
Atrás deles, o movimento
incessante de elétricos 28 e de veículos elétricos de diversas rodas derretia o
Sol de Lisboa na calçada que, assim de repente, (tão breves os segundos que não
chegam para captar a essência), teria transformado a rua da voz do operário
numa imensa pista de ski, com neve fresca e sem socalcos.
Mas parece que só eu é que me dei
conta desta impossibilidade meteorológica.
Afinal é Natal, não é?
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