Anoitecia nos
subúrbios da cidade, seja ela qual for afinal, porque tinham alertado N. que
havia duas cidades, algo que ele entendia, mas tinha dificuldade em verbalizar,
em palmilhar em cima de um mapa.
Muros e mais
muros outra vez, depois da estepe e, para lá das silhuetas do arame farpado,
despontava um clarão de luz branca, que parecia nascido do chão, cada vez mais
forte com o aproximar da noite e sempre que atravessava mais uma fronteira,
mais uma troca de polícia, mais uma linha truncada, um trocar de olhares, e
cães que farejam tudo.
Uma luz que
absorvia a escuridão circundante e um destino que deixava N. intrigado: nunca
tinha entrado numa cidade pelo Jardim Zoológico.
Mas em
Berlim, uma das duas cidades, um novo país depois de atravessar outros, com a
mesma língua, mas outro hemisfério, Zoological Gartens é a estação ferroviária
do centro de uma das cidades.
Depois do
silêncio e da solidão, uma babilónia de gente atordoou N.
Era gente na
plataforma que quase trepava pela cobertura de ferro fundido e vidraças de arte
nova, e ninguém parecia estar aqui de passagem, gente de latitudes tão
contraditórias, embrulhos e bagagens que se abraçavam à multidão que se movia sempre
muito apressada, mas como formigas num quintal, afinal de contas porque é têm
tanta pressa se o quintal é pequeno e os muros são altos?
E logo
entendeu que não havia regras conhecidas neste epicentro de sensibilidades
exacerbadas.
Refugiados
que pela latitude e cor da pele era pressuposto serem hóspedes da outra cidade,
atapetavam os subterrâneos desta cidade, como uma sala de espera de quem, vindo
de tão longe, se equivocou na fronteira.
E quando
ainda se procurava libertar destes equívocos, N. foi projetado para a rua, que
o recebeu com um frenesim que não tinha nação, tal era a confusão de sons que a
língua resultante, já não era alemão.
Afinal
tinham construído três cidades e N. perdia de vez a perceção de tempo e espaço.
No chuveiro
do Hotel Flórida, um longo corredor de chão amarelo brilhante , de portas de
castanho fechadas e uma fila de chuveiros comuns, com torneiras de um metal
envelhecido que lembravam que já tinha havido uma só cidade, N. lavava-se
cuidadosamente deste banho de multidão e procurava acertar o passo com esta
multidão tão furiosa.
Da janela do
quarto, lençóis encardidos, cortina de renda amarelada e uma cadeira encarnada
sem braços, espraiava-se um mar de luzes e néon.
Na Ku’ Dam,
fosse dia ou fosse noite, havia três quilómetros e meio de mundo que se atropelava, sabe-se lá para onde eles iam, num quintal tão pequeno, com muros
tão altos.
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