Por mais que se pretenda esquecer, Berlim é o fogo cruzado sobre a sensibilidade de quem detesta sentir-se preso ao transitório, apenas mais uma face do definitivo, temperado de esporádicos complexos de culpa.
Mas, junto àquele gélido muro, a inspiração
esvai-se por entre complicados projetos de fuga que se enlaçam nos arames
farpados, apenas disfarçados pela arte subterrânea, sinistro doping de
sentimentos sem horizonte.
Ali tudo perde a racionalidade suprema do bom
europeu intimamente marginal; o inexplicável estende-se pelos longos baldios
sem sentido, que se esforçam por alargar os horizontes por cima do muro, de
onde o romance desapareceu há muito e apenas as imagens soltas dos postais a
preto e branco nos fazem sentir as trovoadas de esperança, sobretudo de
desespero e frustração!
E naquela tarde de Agosto, a trovoada e a
chuva foram as únicas manifestações possíveis de semelhança entre os dois
mundos, separados por alguns metros, suficientes para impedir a reconstrução de
ruas bloqueadas a meio, cujas linhas de elétrico comprovam que Berlim já foi
Berlim.
Por isso parto e fujo atrás da minha terra,
do meu mundo, porque aqui os baldios são tudo o que resta da vontade de
acreditar num mundo livre. E nem as violas solitárias à beira do tráfego
intenso, músicas das quais apenas ficou a melodia, me fazem esquecer a
indiferença mal simulada dos rostos que me rodeiam, sobretudo porque aquela
cruz, submersa por muitas outras, me garantia que mais um homem sem rosto ali
morrera em Dezembro.
Aqui, todos já deixaram de se sentir
ameaçados, de tão ameaçados que estão; é decididamente o princípio do fim de um
sonho, inundado de palavras e atos bem aceites, como o ser revolucionário na
Europa é incrivelmente vulgar, e cultivar a solidariedade apenas um mito nas
mentes de uma terceira vaga esclarecida, confortável entre muros baldios ou
apenas numa cabana refúgio montanhoso do Bom Selvagem.
Como diria o poeta, a liberdade não se
inventa, descobre-se!
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