N. soprou uma baforada de fumo reciclado pelo
pulmão com uma força de rajada, janela fora.
Se era aqui que se estendia a cortina, então
o fumo voltaria para trás.
Mas não! Voou por cima do arame farpado e
extinguiu-se para lá da fronteira de ferro ferrugento.
Apesar de ser Verão, N. só vislumbrava planície
cinzenta, onde devia haver campos castanhos em pousio, porque a fronteira não é
povoada por agricultores ou outros seres sedentários
Então era ali, o lugar
A imagem de um corredor desolado trespassava
da estreita linha que apontava a leste, lá fora da janela entreaberta, para
dentro da composição, um corredor vazio, cercado de cores amareladas pelo
tempo, compartimentos fechados, gente de rostos fechados.
Um polícia, uma carruagem, uma placa numa
plataforma de cidade insignificante, que nunca teria acesso a algum mapa, não
fosse a fronteira.
Helmsted.
E N. sentiu um arrepio, porque aquela placa
de letras negras sobre um fundo branco, naquela língua e com uma caligrafia tão
bem definida, quando o destino é leste, é símbolo de diabo.
N. lançou a beata para a linha, porque
descobrira que o esforço de emitir sinais de fumo para o horizonte era insano.
Não havia ninguém que lhe respondesse nesta, ou noutra linguagem qualquer.
Olhando para baixo, era evidente que milhares
doutros tinham desistido antes dele, por tédio da longa espera ou por falta de
incentivo. A linha estava pejada de beatas, conclusão óbvia de que este lugar
não era a fachada da frente, para ninguém.
Mas a beata de N. incendiou os guardas, porque
devia ser diferente, ninguém se pode atrever a querer fundir o ferro, a
desprezar este espaço de não terra, a sinalizar uma presença, a enrolar um
cigarro, tudo muito suspeito vindo de um jovem sujo, barbudo e de cabelo
desgrenhado.
Solene, enfadonho e infame
N. enfiou-se no seu assento, rodeado de
alemães incomodados, circunspectos e de cara fechada, e desistiu de ser
irreverente.
Afinal de contas, o comboio já estava a andar
e o destino, em 1985, era DDR.
E N. nem reparou que, à medida que penetrava
nas profundezas do corredor, os campos tornavam-se castanhos – imaginação dele
que a leste só havia estepe – e que as centenas de pequeninos pioneiros
bordejavam as passagens de nível, e que havia carroças e tratores, tudo muito
desfocado pela velocidade deste comboio sem paragens até Berlim.
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