As memórias de Vila Franca espreitam das paredes, forram as
calçadas do centro da cidade e procuram despertar em cada taberna ou casa de
petiscos o Ribatejo das lezírias e dos campinos, dos touros e da festa brava.
Puro engano, traições da memória de uma idosa, que se prende
aos detalhes de recordações longínquas e se abstrai dos montes que a não
deixaram crescer, da autoestrada que a emparedou de encontro ao rio, esventrada
por um caminho-de-ferro que não tinha mais por onde atravessar.
O rio Tejo, a sua verdadeira fronteira que a afasta da
lezíria dos espaços amplos do (Ar) Ribatejo.
Apesar das tentativas de canonização terrena da tradição da
terra, eternizada nos museus municipais, na praça de touros e na toponímica das
ruas, largos e becos, o passado de aqui não sobrevive para além da festa do
barrete verde.
Agora são os touros mecânicos de ferro e aço, de rodas e
carris que irrompem pelas diversas latitudes da urbe que se habituou a ser
entreposto e subúrbio, um corredor com vista para a miragem que transpira o
suor dos viajantes.
Sob as árvores frondosas da língua de terra e paz, isola-se o
jardim ribeirinho, que procura virar as costas ao burburinho, à descaracterização,
aos comboios, e ao tráfego anárquico.
Os velhos nos bancos de jardim e os estudantes nas mesas da
esplanada, escolhem os lugares virados para o rio pardacento e para a lama fértil
das terras além rio, entre apitos das locomotivas e o miar lânguido dos gatos
que se espreguiçam dentro dos botes ociosos, ao Sol e ao sabor das ondas.
Também eles sabem que as fragatas, os varinos e a faluas, são
meros museus flutuantes de séculos de pesca no rio e já não saem ao rio nem
desafiam nem o sável, nem as marés.
No silêncio do olhar vazio de uns e no burburinho incontido
de outros, atravessa-se a ponte entre o passado e o presente, a lezíria e o
subúrbio.
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