Tudo se passa na imagem desfocada
que desfila por detrás do teu close-up.
(Sim, a máquina fotográfica
adquiriu vontade própria com o pôr-do-sol de Florença na esplanada da Piazza, e
eu distraí-me com as imagens de fundo, tão levemente desfocadas como
inesperadas na cidade de todos os visitantes)
Piazza Santo Spirito, um não
destino em Oltrano, o outro lado do rio.
Finalmente houve tempo para
descansar a vista sobre a vida dos outros, os florentinos a passear os cães na
praça em horas de conversa imaginada com as bicicletas na mão e o banco de
jardim sob as pernas em particular, e o corpo em geral, os copos que baloiçam
ao ar, gargalhadas súbitas ou amenos sussurros, conforme os figurantes e a
atenção (dispersa) do nosso olhar.
Oito da noite e o vento é uma
bênção continental (apenina ou mediterrânica), antagónica do infernal vento
atlântico do nosso julho.
Os 37 graus à sombra sufocavam a
tarde, que vagueou por entre os tesouros de uma época em que os Homens sonharam
para além do que esperavam deles, planeando catedrais e palácios, decorando
abóbodas com frescos magníficos, construindo uma cidade, um museu e uma montra
de arte humana que se revela hoje absolutamente intemporal.
Uma cidade à escala humana, onde
coexistem os ofícios, os cheiros e o espírito mercantilista dos seus habitantes.
(E a cidade resiste a uma prole
de invasores que não para de crescer. Antes eram só os europeus, os japoneses e
os americanos. Hoje são também os outros europeus, os russos, os chineses e os
indianos, atrás do fascínio da história e da arte do coração cultural da
renascença europeia)
E a magia ficou, paira no ar
quente de verão, sentem-se os espíritos (fantasmas) benignos de quem a criou (a
cidade) nas ruas amarelas e nos edifícios castanhos (sim, em Florença dominam
as cores torradas), nos inesperados torreões e nas óbvias fontes de água fria,
na ponte, na praça e no palácio, símbolos de uma capital, que já foi!
Os espíritos sabem que não há
igual, por isso sobrevoam (ano após ano) as calçadas desta urbe, numa atmosfera
que aquece à noite, inspirando todos os que se sentem artistas e se instalam
neste palco permanente lançando fogo no ar, mesclando a arte moderna e a música
contemporânea com os cenários imaginados pelos coreógrafos do segundo milénio,
atentos a todos os pormenores, em sucessivas sintonias e ângulos vivos, apenas
ao alcance de mentes e mãos visionárias.
Florença não se devora, aspira-se,
aproveitando as correntes de ar quente que atravessam as varandas medievais que
a renascença tornou imortais, os focos de luz que podiam ser archotes e que
realçam as sombras (as nossas ou dos fantasmas criadores) que agora pululam
entre os visitantes aturdidos pelo som, pelas luzes e pelos cheiros que emanam
das pedras coçadas que nos envolvem.
Sim, Florença aspira-se e ela (de
forma ardilosa) nos envolve, fazendo sair os génios em catadupa da lâmpada de
Aladino.
Da sua, da nossa e da deles!
(A música e as vozes dos sopranos
elevam-se (abraçam) no torreão do palácio Vecchio)
Um festival de sentidos!
Em trinta anos de existência
errante e curiosa apenas os rostos mudaram mas os olhares, embevecidos pela
noite quente, são os mesmos.
Provavelmente os rostos (como o
meu) também são os mesmos, envelhecidos pelo tempo, desesperadamente à procura
de uma cura duradoura de rejuvenescimento.
Êxtase e admiração, um espaço de
encontro de (cada vez mais) culturas, abençoado pelo génio dos mestres!
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