É quase angustiante preparar uma
viagem non-stop ida e volta aos confins dos Cárpatos, porque não nos acostumamos
à ideia de que vamos atravessar para aí um quarto do mundo (julgo que mais, se
eliminarmos os mares não povoados, debaixo de uma linha circunferencial que
abrace o globo) e voltar, sem levar roupa ou mala, no mesmo dia (entendido como
um período sequencial e sem intervalos com uma validade máxima de 24 horas,
seja noite seja dia, 24 horas ponto!)
Uma digestão tão rápida de uma
refeição tão opulenta que nem dois comprimidos para o estômago aconchegaria a
dor.
E depois não há espaço de erro na
meteorologia, que talvez fosse mais previsível se não desconfiasse dos efeitos
secundários e das influências aleatórias do lançamento dos mísseis ucranianos anti
chuva
Material fora de prazo do antigo
arsenal de guerra fria?
Um livro, escolhido sem critério
nas prateleiras solitárias da nova grande distribuição cultural, pareceu-me uma
forma adequada e muito conveniente de (me) preparar (para) a aterragem para
além dos Cárpatos, uma espécie de transportador que prepara a nossa personalidade
para um choque qualquer, um purgatório intemporal, indolor, com retorno
garantido e programado.
Bufo e Spallanzani pareceu-me um
bom título, Chicago anos 30, Império Soviético em decomposição anos 90 (sim um
pouco atrasado, eu sei, talvez não)
É que, quando viajamos de uma
forma desesperadamente veloz, Europa acima, devemos acautelar os nossos
viciados espíritos na ocidentalidade europeia, a única (hermética e asséptica)
Europa a que nossa geração foi habituada.
Com o estilhaçar do número de
países e nacionalidades renascidas, alargou-se a amplitude aceitável do espaço
europeu e aumentou a dificuldade de encontrar um mínimo múltiplo comum para uma
tão (utópica) desejável união política.
Com influência decisiva no nível
de vida, nas variantes linguísticas do triângulo alemão, inglês, francês, no
sentido de humor, no estado das estradas e nos índices de poluição dos
autocarros urbanos, no custo (e no gosto) de uma cerveja e na distância focal
dos olhares autóctones.
Amplitude a crescer, amplitude
máxima na Ucrânia, antes da mãe (intransponível) Rússia e nos antípodas da
república islâmica, a caminho do Sol Nascente.
Um romance com sangue, sexo e
violência parece-me (repentinamente a 10 mil metros de altitude) uma metáfora
demasiado extravagante para uma Europa desprotegida que não estamos habituados
a reconhecer.
Tudo tende a ser novo (para nós,
e velho para eles) a Leste do Paraíso e dos Cárpatos…Acho eu!
E fechei o livro, dez páginas
depois de o abrir, e adormeci
A visão (sem direito a sonho,
sequer) à saída do avião foi gloriosa, quase avassaladora; no fundo da
escadaria recebiam-nos uns meninos grandes, louros e sem barba, com um boné
azul e desproporcional, de estrela na testa e uma pala verdadeiramente kitsch
e, na borda do passeio, a antiga (e única até há um mês atrás) aerogare, um
brinco neoclássico da esplendorosa arquitetura soviética, brilhava de
convencimento próprio (e alguém me dizia que os tetos do interior eram
imperdíveis) e deixou-me em êxtase total!
É que eu tenho um fraquinho por
ícones!
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