O homem do boné azul e estrela
na testa olhava de cima dos óculos gastos, por detrás do guichet, a última
fronteira antes do euro
Passaporte na mão, olho na
obscura foto de passaporte eletrónico, ultima tecnologia dos salvo-condutos da
europa dourada que não convence os zelosos aduaneiros locais, fotos são no
fotomaton, coladas e rendilhadas nos rebordos, a cores claro, a única prova de autenticidade
O outro olho estava desperto para
a prova humana, especada do lado de lá da fronteira e do guichet
Aparentemente a prova viva já
duvidava que ela pudesse ser ela mesmo.
A visão da imaginável câmara
camuflada na lâmpada fluorescente do teto ainda a pingar tinta branca, revela-se
na câmara escura
Múltiplos bonés azuis em
círculo sobre um passaporte eletrónico e a prova viva puxava o cabelo para
trás, esforçava-se por se afirmar idêntica à contra prova eletrónica.
Mas não conseguia!
Nós esbracejávamos do lado de
cá da fronteira, eles (os bonés azuis) afastavam-nos para dentro do imaginário
gulag
O verniz já estava quase a
estalar
Simpáticos sim, mas não
pressionados pela horda de estranhos latinos
Não gostam de ser pressionados
Mas quem gosta, sobretudo
quando sonham que têm poder de veto!
Vencidos pela pressão popular,
mas não convencidos
Continuaram a coçar o queixo,
balançados entre a hospitalidade e o dever!
Terror no aeroporto de Lviv?
Nãa…
Tenho fétiches a leste,
reconheço.
Muitos! Arquitetónicos, artísticos,
motorizados e humanos.
Os memoriais soviéticos, os
trabants, os cemitérios judaicos grandes estátuas do regime, as alamedas da amizade
e do progresso
Especialmente dos gloriosos
anos do século vinte
O Tate Modern já lhe dedicou inclusive
uma sala inteirinha e quatro paredes de propaganda, panfletos…
Mas as ruas podem ser um museu
de história viva, têm outra dimensão.
E em cirílico, era pois a
primeira vez!
Excitante
Reconheço que os fétiches não
são racionais e, além disso, nunca tinha ido tão longe na elasticidade do
espaço europeu.
Mas o tempo escasseia
Sim, falta-me tempo para
enquadrar os símbolos do tempo.
Focagem manual
Tempo é o que os tesouros
precisam para ser redescobertos
Mas…
Constatei ter aterrado na
menos Ucrânia da Ucrânia, da mais ocidental e esquecida alma do Império de
Leste, a mais ansiosa de todas que abram as fronteiras ocidentais
Também por isso a mais pequena
das grandes cidades
Por isso, nem uma estátua de
Lenine, sem pedestal nem prédios imperiais
Ah, demasiado Europa Central,
cheia de história secular e praças floridas
Sussurram-me que esta Ucrânia
era aquele que sempre sonhou ser país, muito antes e muito depois de o ser
Aqui os prédios envelhecidos
revelam-se na pátria adiada
Agora, prioridade ao futuro!