A floresta de Rila é, segundo Hristo, um local de profunda espiritualidade, desde que João
dela fez local de meditação, nos tempos do primeiro império búlgaro.
O mosteiro de Rila foi construído para albergar os monges que seguiam os ensinamentos do mestre João, durante o auge do segundo império medieval búlgaro.
Depois, as trevas abateram-se sobre as montanhas e o vale de Rila e durante quase quinhentos anos não houve fé que resistisse aos otomanos, que se tornaram depois da conquista do reino da Bulgária, os novos senhores de Constantinopla.
A igreja do mosteiro foi construída no século dezanove, para recuperar os terrenos da fé, mas também o esplendor dos tempos medievais, quando a Bulgária fora grande e poderosa.
Não foi suficiente porque as potencias da época não queriam uma Bulgária grande, e estas são as palavras de Hristo, e nós acenamos, porque percebemos as dificuldades dos pequenos.
O São João búlgaro, Ivan na sua forma eslava, viveu nos anos 800, fez milagres antes de se refugiar, primeiro no vale e depois numa gruta na montanha, onde viveu nos últimos cinco anos da sua vida, em profunda comunhão com a natureza.
Segundo consta, e diz quem sabe, que a afirmação da nacionalidade búlgara foi, no período de independência, antes de tudo, uma afirmação da sua religião e dos seu ritos, e não tanto uma afirmação de contestação política contra os otomanos ou de afirmação de uma entidade própria, que eles próprios reconhecem não ter.
E isso explica a turbulenta relação deste povo - numa versão muito lata que os contemporâneos gostam de invocar, incluindo os Macedónios e os Trácios e uma parte dos Gregos e outros povos Balcãs - com Roma e com Constantinopla, e que justifica a escolha dos russos como uma terceira via que os ajudou a expulsar a autoridade dos otomanos e a libertar-se da dominância cultural dos gregos.
E isto explica também a veneração do santo Ivan.
Portanto, depois de expulsarem os turcos, construíram uma igreja no local de um convento do século treze, e pintaram as paredes e os tetos de cenas bíblicas, vivas e muito explícitas em que, na cena do juízo final, os pecadores tinham indisfarçáveis semelhanças com os turcos.
Tudo em homenagem ao santo João, cujo retiro, cujas relíquias, mistérios, lendas e até talvez os ossos datam do longínquo século nove, que os peregrinos descobrem, em veneração no altar.
Sim, hoje na igreja do mosteiro há quem jure que os crentes abriram o túmulo de João e acariciaram os ossos do santo, uma relíquia para quem precisa de se alimentar de provas vivas de fé.
Construíram um tesouro de fé muito visual, em cores que apelam à crença, num gesto de evangelização que se entende por quase cinco séculos de ausência, longe de imaginar que os outros russos, não os que os libertaram dos otomanos, mas aqueles que invadiram a Bulgária, umas décadas depois, com o pretexto dos Búlgaros serem aliados de Hitler, eram ateus e que não tinham fé nem amor próprio por todos os mosteiros que encerraram.
(a narrativa da libertação do jugo nazi, não se aplica no exemplo junto)
Rila não fechou, mas a palavra mosteiro foi convenientemente suprimida e as cenas bíblicas encerradas nas portas de um museu agnóstico.
E, tal como em todas as renascenças do orgulho nacional, no final do século vinte, elevou-se o complexo a património do mundo.
Hoje, nas montanhas, nos territórios dos ursos e dos alces, subimos por caminhos pedregosos à procura da gruta de Ivan. A vegetação era densa, entramos curvados no refugio do João mas Hristo assegurou-nos que, só os livres do pecado, seriam capazes de alcançar a fonte de água pura e o santuário no cimo da montanha.
E mesmo sem grande crença na adoração dos ícones ou relíquias, trepamos as rochas e escapulimo-nos pela ranhura das rochas que cobriam a gruta do santo e bebemos da água da montanha e do seu criador.
É sempre reconfortante pensar que estamos do lado dos búlgaros, dos crentes e um alívio estarmos devidamente puros, e portanto, do lado certo do juízo final.
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