É verdade que no centro de Sofia parecem conviver todos os credos e todos os templos têm um adjetivo que soa a verdade absoluta, a mais antiga igreja cristã em funcionamento, construída na época do império romano, a sinagoga, o maior templo sefardita da Europa, construída, imaginem, por judeus ibéricos , em fuga da inquisição, a mesquita construída por Mimar Sina, que construiu a mesquita azul, uma das mais antigas da Europa e mais uma das catedrais ortodoxas, esta apenas famosa por ter sido alvo de um atentado bombista perpetrado pelo partido comunista que, em 1925, pretendia matar o rei e instaurar a República. O rei sobreviveu, mas morreram mais de cem súbditos, aparentemente crentes, mas também, simplesmente, povo.
A monarquia sobreviveu e foram precisos mais vinte anos, uma guerra, uma política de alianças desastrosa e uma geografia infeliz para que os comunistas se transformassem nos novos senhores da Bulgária.
Mas no domingo de manhã da espiritualidade búlgara apenas prevaleceu a vontade do rei Kaloyan, que no século doze, durante o segundo renascimento do império búlgaro, teve uma mudança de crença, um verdadeiro "change of heart" , derrotou Balduíno I, o primeiro imperador latino de Constantinopla e converteu o seu povo à ortodoxia.
Nas cerimónias ortodoxas, os sacerdotes estão de costas para os fiéis, escondendo-se no altar e escondendo o altar dos olhos dos crentes, e dos outros, como se tivessem receio que os mortais contaminassem a essência do diálogo com Deus, mas os sons emanam uma fé oriental, debaixo dos frescos da mais antiga igreja cristã da Bulgária, São Jorge da Rotunda, ou na catedral russa de São Nicolau ou debaixo das cúpulas de Sveta Nedelya.
E, neste domingo de manhã, as igrejas estão cheias de crentes, toda a cidade beija os ícones, venera os altares dos santos orientais e canta, em pé, debaixo das cúpulas douradas, recebendo os sacerdotes que saem dos altares e se deixam cercar pelos crentes, mas sobretudo pela diversidade, dos novos, dos muito novos, alguns velhos e pelo incenso que emana do fumo das velas, há uma atmosfera de redenção no final da cerimónia, mesmo para os matulões de cabeça rapada, tatuagens bélicas, cabedal vestido e olhos de um azul que gela, só de olhar.
Mas alguns santos não têm olhos, reza a história ou a lenda, porque os otomanos transformaram as igrejas em mesquitas e não queriam os santos ortodoxos a olhar para eles.
E, como lembrança dos quinhentos anos de paz otomana, os búlgaros não se esquecem do imposto de sangue que significava a obrigação de entregar um filho para combater no exército otomano.
Por isso, com o rigor metódico que a vingança produz, poucas mesquitas ficaram intactas.
Por isso hoje não há turcos na Bulgária, há quando muito, búlgaros islamizados, afirma o discurso oficial, uma utopia que não se reflete naqueles de tez escura e de olhar de quem não tem raízes por aqui, que rondavam a mesquita, no centro da praça que é antes um conjunto de praças e de ruas, sobre as quais é possível desenhar um quadrado, eliminando as ruas, como se demolíssemos as paredes, uma destruição necessária para a construção de um grande ideal.
A praça da tolerância é uma visão irresistível do subconsciente humanista que comove a sensibilidade ocidental,
Percebe-se a ideia, mas os cartesianos dirão sempre que não é uma praça.
E as lendas, a história e a memória dos povos inviabiliza, amiúde, os finais felizes.
O castigo é normalmente a mais convincente forma de apelar à memória dos milagres de todos os santos, enquanto esperamos pelo dia do juízo final.
Foi a última imagem que me ocorreu antes de me concentrar a procurar os meus sapatos entre a multidão de calçado eclético que povoava a porta da mesquita Banya Bashi.
Sem comentários:
Enviar um comentário