Alexandre II foi o primeiro Czar verdadeiramente
renovador.
Já ia longo o século XIX e, nem por isso, a servidão
tinha sido abolida da imensidão da estepe russa
Por isso o enorme quadro que preenche uma parede inteira
no museu Tretaykov, o museu de arte moderna russa dos séculos dezoito e
dezanove tem significado, para quem se esforçou por descobrir a História Russa,
pelo menos a partir da ascensão dos Romanov.
Alexandre II falando com os camponeses, quem sabe tentando
explicar que a nobreza que dele dependia o tinha impedido de libertar os camponeses
com a dignidade suficiente que impedisse, algumas dezenas de anos mais tarde, o
eclodir de uma revolução sangrenta e cessionária.
A última tentativa de salvar o império de forma tranquila,
por isso insistiam os homens do Czar que a revolução tinha de ser feita de cima
para baixo.
Mas não foi
A arte russa dos finais de Era é, essencialmente, explicita,
como se o meio envolvente fosse de tal maneira pungente, que impedisse a
abstração dos artistas, como se estes se sentissem na obrigação estética de
desfazer os equívocos e as incapacidades de um estado se transformar num instrumento
mobilizador da mudança.
Porque a ambição sempre foi tão grande quanto a
dimensão do território, mas este foi esmagador na diversidade e na relutância
de um destino comum.
Talvez por isso, a arte russa não precisa de ser
revolucionária para não ser meiga, precede a revolução na sua expressividade,
na proliferação das cores e na dimensão das suas telas e oscila, como a própria
história do país, entre o triunfal e o sofredor.
Sem uma ordem nem uma cronologia clara.
Por isso, nas paredes do museu de Tretaykov espelham-se
sinais de premonição, perpetuam-se as cenas épicas como se a Rússia profunda pré-revolucionária,
não se pudesse construir apenas de lugares e gentes comuns.
Tão impressionante quanto os olhos dos guardiões do
regime, os vigilantes, tão idosos como se vivessem na nuvem que lhes definiu o
destino, muitas horas seguidas de guarda de honra aos mortos da História ( ainda
se ouviam os ecos da revolução) tão inexpressivos quanto a sua ausência de
palavras, gestos ou apenas um sorriso, sequer.
Há ainda uma geração que espera, pacientemente, que o
tempo passe sem desfazer o bolor e a patine e baixa os olhos perante a curiosidade
dos forasteiros.
Perscruto os vigilantes que dormitam de olhos abertos,
e antevejo instruções precisas para não interferirem com o curso da História,
nem demonstrar demasiado amor próprio.
Como se as instruções tivessem sido dadas há, pelo
menos trinta anos, e ninguém mais se tivesse lembrado de os retirar da máquina
do tempo.
Eram quase oito da noite e começava a chover em
Moscovo.
Afinal de contas, o Verão tinha acabado hoje.
Nós, talvez por termos acordado repentinamente no princípio
do resto do mundo, estávamos cilindrados pelas centenas de anos que os nossos
passos haviam percorrido, mas devidamente recompensados pelo esforço prévio de
tentar obter diferentes perspetivas para interpretar os sinais de cirílico que
emanam dos lugares deste país.
Regressados ao calor da modernidade, esperámos
pacientemente pela enorme pizza de presunto e dois baldes de cerveja russa, não
demonstrámos sinais de impaciência e sorrimos em eslavo incompreensível para a
jovem empregada de mesa, não fosse ela impacientar-se como a colega do almoço,
perante a tímida lembrança de que tínhamos pedido dois, e não um, café.
“Coffee is cooking” – foi a única vez que, em plenos
pulmões, nos sentimos compreendidos naquele dia, na cidade do Ivan.
E emborcámos sem piedade, com a certeza de que jamais
nos iriamos aborrecer com os russos, mesmo quando lhes devolvemos troco em
excesso e eles nos responderam com um trejeito, na fronteira entre o trocista e
o indiferente ou mesmo quando a avozinha do guichet do metro se impacientou em
russo quando demonstrámos não entender as suas explicações gestuais e sugerimos
percursos alternativos que gostaríamos de seguir, para alcançar o nosso destino.
Ela tinha razão, quem não tem experiência, não deve
ter opinião
Afinal de contas esta malta também tem amor próprio, nós é que não entendemos
Quanto ao fim da História de Alexandre, é relevante concluir que um problema de expetativas matou o Czar e a sua reforma!
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