Para lá das portas da cidade vive a “nouvelle ville”, uma legião de invasores das suas próprias origens.
Para lá das portas vive o mundo geométrico dos
colonizadores efémeros e um tráfego intenso que tem como único fim irrigar o
sangue que circula nas artérias da Medina.
Eram vinte, as portas originais desta muralha que, há
dez séculos, preserva a sua ambiguidade, entre o seu desejo de proteger e a sua
inevitabilidade de a cercar.
A primeira muralha foi construída, ao longo de um perímetro
irregular, pelos Almorávidas quando o desespero se tornou mais forte do que a
crença antiga berbere.
“ Os muros aprisionam mais do que protegem”
Ali, o artista, foi o terceiro da dinastia dos
senhores do deserto.
O único que nunca havia conhecido o deserto.
Liberal, um jovem apaixonado pela arquitetura, pela
cultura e pelas humanidades, pela arte e pelo esplendor do Al Andaluz.
E, por tudo isso, Ali construiu palácios e
transformou Marraquexe numa cidade imperial, mas quebrou a conexão com o
deserto e a legitimação do império.
Ali, o último dos almorávidas foi submerso pelo
deslumbramento do luxo e do poder.
E entre Ali e o deserto emergiu uma nova tribo de
berberes, os homens da montanha.
“Os que acreditam na unidade de Deus”
Ibn Tumart, o seu líder e um profundo estudioso do
Corão
Décadas de imersão, estudo e interpretação e de uma
vida dura e frugal, tornaram os novos líderes espirituais menos condescendentes
com as cedências à fé das gerações instaladas no poder, nascidas na beleza da
arte e na leveza das humanidades.
Arrogância e corrupção.
Era desta forma que os despojados da riqueza da
cidade, espreitavam Marraquexe, a partir das montanhas.
A partir de Tinmel, nasceu a nação Almóada.
E quando os perseguidores se transformaram em
perseguidos, os Almorávidas construíram a muralha que os derrotou, por dentro.
No século X, as reformas de regime faziam-se sempre a
partir de fora pelos renegados do sistema e sem misericórdia.
E no século X, os jovens apaixonados pelas
humanidades parecem condenados a perder impérios
E quando Yaqab al Massour ordenou a construção da Bab
Agnou, havia uma mensagem evidente do Sultão, ninguém que chegasse à cidade
teria dúvidas de quem detinha o poder.
A exuberância Almóada submergiu a harmonia e a
simplicidade dos Berberes do deserto.
Nas portas da cidade e no seu interior.
E ninguém hoje desconhece esta porta da cidade
A exuberância sempre foi mais valorizada que o
significado histórico.
Nem o homem da caleche, nem o taxista, nem o
empresário da Medina do Sul, nem todos os guias informais que pululam nas
esquinas dos souks temáticos.
Nem o Hakim.
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