Entrámos na primeira sala e as paredes forram-se de sinais, luzes de uma intermitência global, como se fosse o universo em noite de verão, espelhado sobre o planisfério.
(Como se a terra nem sequer fosse redonda)
E as rotas que ligam os pontos, sucedem-se a uma
velocidade de timelapse, no mesmo ritmo do contador digital: milhares de
concertos, milhões de espectadores, não há tempo para desenhar circunferências
neste mundo unido por cinquenta e três anos de fascínio mútuo.
(E eu que até que nunca fui um deslumbrado pela banda das pedras
rolantes)
Na segunda sala somos cercados por um gigantesco vídeo Wall que
transmite, com uma metódica cronologia de anarquia uma sucessão de vagas de
música e movimento, e não há seres normais que consigam agarrar esta
cronologia, isolar os momentos.
(Independentemente do gosto pessoal e das escolhas estéticas, cinquenta e
três anos de momentos não permitem uma escolha minimalista e criteriosa).
E sucedem-se as salas que procuram equilibrar-se entre os momentos de
exotismo e de excentricidade da banda e sinais subtis de uma marca que prometia
intemporalidade.
(Sim, cinquenta e três anos é intemporalidade musical, mas também um
farol da moderna civilização ocidental que se procura reinventar nos últimos
setenta anos, com o objetivo de viver em paz – pelo menos entre si)
A réplica do apartamento sujo, anárquico (mas
curiosamente clássico para a época de sofás de veludo pesado, papel de parede
brilhante escuro, alcatifas sintéticas) e despojado, de uma época em que
cantavam em bares e na rua
(Mas a marca de intemporalidade estava no piano de
cauda e nas guitarras elétricas espalhadas pelo chão escuro, entre cinzeiros a
abarrotar e pratos sujos de restos de comida)
As primeiras aparições, a revolução dos fatos, os
objetos icónicos, a ascensão ao mediatismo, o exibicionismo pelo abismo,
drogas, sexo e rock & rol, como se eles testassem escrupulosamente os
limites da resistência e da luxúria, apóstolos do lado negra da existência.
(Rigor na forma como se cultivaram na rebeldia e
exibicionismo, mas também como transformavam os estúdios de gravação em templos
da criatividade, os momentos de criação em exercícios de perfeccionismo sem
pressas, o design cuidadoso e de escola das capas dos álbuns, a origem e a
preservação do logo, a perspicácia com que entendem que a exuberância dos palcos
é crucial para acompanhar o crescimento das suas multidões de seguidores)
Lugares estudados, litografias de Andy Wahrol, a
representação dos nossos lados loucos, sem preconceito e com desdém, a apologia
de grupo como um espaço protegido de diversidade e de personalidades vincadas
pela tolerância das suas próprias diferenças.
(E eu que até que nunca fui um deslumbrado pela banda das pedras rolantes,
exceto quando oiço o Satisfaction)
Cinquenta anos é muito tempo (e, tal como eu,
nasceram em 1963) mas nunca deixaram que a sua loucura os destruísse, apesar do
aspeto decrépito do quarteto que continua a fascinar as miúdas de dezoito anos
que (não aparentam) não se parecem recordar que, nos seus concertos, são afinal
quatro avôs no palco a contar-lhes duas ou três dezenas de histórias.
Muito improvável pela diversidade de personalidades
(o gigantismo de Mick, as hesitações de Keith), mas com um processo criativo
minucioso – até nas imagens das jovens desnudadas nos corredores do avião em
tour, algures em setenta, cobertas de cremes (diria natas) e copos de álcool quase
destilado – que explica “vocês velhos (quer dizer, pais) eram muito mais
rebeldes que nós…”
Para a maioria (dos agora respeitáveis velhinhos, que
apenas se emocionam nestes breves momentos) não serviu grande coisa
(Continuam a viver como os mestres de forma /
retórica ou morreram de overdoses de droga estragada)
Mas, para eles, pedras rolantes, fez toda a diferença
(justificou toda a diferença)
No fim do dia, a sua razão de existência é a música.
E eles (Sir Mick, yes Sir) representam o triunfo da
essência sobre a forma
Que bela moral da história isto dava!
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