Aquele podia ser o Burt
A expressão dele era inflamada.
Cirandava nervoso em círculos, avanços
e recuos, exprimia-se em gestos quase indomáveis e insurgia-se contra os preços
absurdos.
Olhava fixamente para os
quadradinhos brancos e grunhia.
E saltava para outro quadradinho
branco e repetia a cena. E saltava de sala em sala, era um espelho do grotesco
num só homem.
Por isso Burt, o homem que não
via nada, que era incapaz de se deter uns minutos que fossem numa qualquer das “melhores
obras do ano”, apelidava-se a si próprio de crítico de arte.
Bom, apelidar não apelidava, mas
ostentava a pose.“Obsceno, Non Sense, Overpriced”.
Burt (não me ocorreu outro nome,
nunca) era contudo a única peça dissonante da arte, tão pouco extravagante que
feria o olhar e se destacava pelo absurdo.
Por isso me recordo dele. Tão
absurdo quanto (porque) a extravagância da arte o permite.
Por isso, me esforcei por
esquecê-lo. E a exuberância engoliu-o
Na exposição de Verão na Royal
Academy of Arts tudo era exagero: A densidade de peças nas paredes, a multidão
de seres com livros de cheques nos olhos, filantropos, críticos e curadores, artistas
e fascinados, gente que se dividia entre a cor da arte e o branco do dinheiro,
entre a arte e o seu preço.
Por isso a Babel London é uma
imagem cheia de significados, o espelho da contradição humana.
Longos minutos a olhar para ela,
o tempo suficiente para acreditar que bem podia ser uma interpretação de um
sonho do homem contemporâneo.
Ou outra coisa qualquer
(£ 10,200 numa edição de 20
exemplares)
Longe do ruido das salas
fechadas, atravessei um parque, sobrevoei um lago, desci do bairro à cidade e
voltei, mas encontrei a ousadia espanhola ao largo do Serpentine.
Talvez no dia seguinte, mas foi
num dia qualquer
E voltei ao bairro, sim de vistas
cheias e cheio de imagens.
E eu também acredito que a arte,
a extravagância e o inconformismo nos podem transformar em melhores pessoas.
Apesar do preço
Apesar do indomável Burt!
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