Bombardeada pelos Croatas em 93,
Mostar é a prova de que não há inocentes na idiota guerra das Balcãs
Para além do pedaço de cidade
reconstruída, pedra a pedra, pelas consciências pesadas das pombas europeias e
do folclore do turismo multicultural, nada mais bate certo neste puzzle
civilizacional.
Apesar de ter sido, e ter vivido,
como fronteira dos impérios, durante séculos e, segundo rezam as crónicas,
habituaram-se a viver em harmonia, igrejas e mesquitas, hoje, vinte anos depois
da guerra as comunidades vivem vidas separadas, uma paz podre que se esconde
por detrás do grande bazar que é a zona antiga da cidade, cheio de mercadoria
sem origem definida, mas definitivamente oriental e com contornos turcos, a
prova de que a cidade velha de Mostar não tem vida própria, nem comum.
À custa das contas públicas,
pouco mas dispendioso Estado que, em Mostar, duplicou o seu aparelho para
servir de forma distinta a comunidade muçulmana bósnia e católica croata.
Não se respira por isso naqueles
becos de pedras bicudas e gastas, aquele clima de harmonia que a reconstrução
da ponte pretendeu recriar.
As margens do rio estão pejadas
de musculados mergulhadores profissionais que transformaram uma festa anual,
num espectáculo que corre a todas as horas, haja no chapéu que passa de mão em
mão, pelo menos sete euros, oferecidos por turistas que gostam de emoções
fortes, protagonizadas por exóticos locais.
A margem norte do rio, enche-se
de homens musculados de tronco nu que despejam cervejas na barraca de madeira
que se debruça sobre a corrente que empurra o orgulho para o mar, para lá da
fronteira com a vizinha Croácia.
Quando lhes perguntam – e um
jovem jornalista americano perguntou, numa reportagem que não tem dois anos –
qual a razão da guerra, eles não sabem, não respondem ou não querem saber.
O jovem muçulmano (seria
muçulmano? Seriam os vendedores das lojas do bazar mesmo bósnios?) que
controlava as entradas na (minúscula) mesquita principal incentivou a criança a
subir ao minarete sem pagar e depois, estendendo a mão, colocou o dedo na boca
e afirmou “não digam nada lá fora, menos quatro markas no preço, vale
certamente duas markas de gorjeta”.
Achei pois que não valia a pena
perguntar-lhe qual a razão da paz, pois ele talvez fosse incapaz de saber.
Mas nas vielas da margem norte,
mais longe do bazar, rodeado por pequenos riachos, pontes de pedra e hotéis
simples e familiares, senti que este local poderia (poderá?) ter sido (vir a
ser) especial.
Se os balcânicos conseguirem
superar esta geração sem se meterem em trabalhos.
Oiço um estrondo nas minhas
costas e recuo assustado. Vinha do lado da ponte, mas afinal era apenas mais um
musculado que se tinha lançado à água.
Sete euros depois!