Há cidades que não se podem dar ao luxo de viver do passado.
Apesar de o terem tido, a História delapidou-lhes o património, os
vestígios.
Sucessivamente, século após século
Antuérpia é um exemplo que demonstra que o sucesso pode ser destrutivo.
Ou que a centralidade e a importância estratégica, nos momentos mais conturbados
da História, apaga os símbolos do poder passado.
E derrotado!
E a cronologia histórica é construída através da destruição dos
modelos passados.
Destruição criativa que possibilitou a ascensão da renascença à custa
do modo de vida medieval.
Mas a História de Antuérpia não acaba no seu início.
Depois da ocupação espanhola, vem a anexação ao império austríaco, os
franceses outra vez, que nunca desistiram da Flandres, até que os Holandeses os
conduziram até à criação da Nação Belga.
Foi necessário chegarmos ao século XX para que chegassem os vizinhos,
os descendentes do Sacro Império Romano-Germânico. E as muito destrutivas
guerras do século vinte que fustigaram a cidade da forma mais cruel: à bomba,
sem que nada dali pudesse nascer.
Ameaças concretizadas pelos poderosos e sacrossantos vizinhos
E os vestígios das reconstruções apressadas, misturam-se na
arquitetura e nas silhuetas dos transeuntes.
Antuérpia, o porto assolado pelo vento do mar do norte.
Tão perto, tão longe.
Antuérpia, a comerciante entre avenidas rasgadas pelo período pós
guerra e as montras de visual ocidental.
Promessa de cidade da moda e do design.
E experimental!
Laivos de Rubens entre praças e catedrais!
Antuérpia Sul, a burguesa réplica de Paris dos cafés, dos palácios e
das galerias.
Antuérpia, o bairro de judeus ortodoxos que se passeiam junto às
montras brilhantes pintadas de diamantes, dentro de bunkers de cimento e
construção moderna.
Sem graça.
Antuérpia, a Arte Nova, revelada em toda a sua extensão na Gare que
afirma a centralidade belga nas rotas do presente.
Fronteira do século e afirmação da difícil independência belga
Ainda hoje!
Fronteira entre os comerciantes judeus ortodoxos e as novas
geografias.
Chinatown!
É na praça da estação que todos se encontram, entre elétricos que
circulam em carrossel antes de fugirem em destinos opostos.
Povos que não se conhecem, de tão diferentes que são as suas
fisionomias, roupas e formas de andar, de saltar para os elétricos, de rondar
pelas esquinas e de espiar os arcos que flanqueiam a entrada nos ghettos dos
outros
Antuérpia esforça-se por construir o seu presente com base na sua
universalidade histórica, renascida das cinzas.
Não é portanto uma cidade museu, é uma comunidade de experiências.
Portanto alimenta-se de incoerência, vive num permanente estaleiro e
procura a harmonia através do caos.
E as cidades experiência visitam-se de forma diferente
Pensava exatamente nisso, enquanto sorria para a adorável empregada de
bar e espreitava para rua, protegido pelas vidraças do bar do hotel, espiando
os transeuntes e vazando baldes de cerveja belga!
Sem comentários:
Enviar um comentário