Angra ontem de manhã luminosa
dava-se ares de cidade do Império chamado mundo, com salpicos de Paraty ou
Ceilão, vestígios e pequenos espelhos dos exóticos destinos, origens das preciosas
e longínquas mercadorias.
Angra la preciosa, um porto de
passagem que recebia pequenas gotas de seiva cosmopolita e de globalização (a
primeira globalização portuguesa) que pingavam como gratificações num porto de
abrigo imerso na cidade moderna e esculpida pelo Renascimento
Uma lógica de vivência "não
somos aventureiros mas partilhamos as suas fronteiras"
Vista do alto da memória, a
encosta e o vale compuseram-se em igrejas e conventos, convenientes repositórios
de relíquias e tesouros descobertos no além-mar, pequena recompensa pela alma
confortada, na ida ou no regresso, na derradeira fronteira entre o mar
conhecido e o mundo!
A densa e exótica vegetação, a
pedra escura e o mar azul profundo reforça a sensação de feitiço, uma conexão
quase sobrenatural com a vontade de descoberta e uma necessidade de viver a
centralidade, de absorver os cheiros, as cores, os sabores e os costumes dos
confins do universo em permanente descoberta.
Passado, glorioso passado!
Mas na descida aos vales da Angra
moderna, o feitiço de Vénus e Júpiter (também na Terceira o céu alinha Vénus e Júpiter,
ali e em todo o lado numa combinação rara), tende a desvanecer-se no difícil
balanço entre uma ruralidade predominante e uma juventude inquieta que reinventa
a modernidade - e os seus clichés - numa reacção insular e portanto
potencialmente exacerbada, um protesto latente porque cercado de água e
(apenas) fisicamente (equi) distante dos modelos civilizacionais ainda na moda
Nesta manhã solarenga de Verão
surpreendente (até nos Açores há Sol e seca nos tempos que correm) os
figurantes da baixa da cidade parecem não se aperceber que eles, as ilhas e o
Atlântico, unem hoje as pontas da civilização Ocidental
E é esta basicamente a nova
utilidade funcional do Atlântico e dos seus habitantes!
Presente, entorpecido presente!
Bem-vindos ao novo entreposto
entre a periferia económica e o centro cultural do mundo.
Seis séculos depois.
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