Pedro,
Genéve tornou-se fria! Esta semana nevou, e o
Inverno começou esta semana.
Hoje Reagan chegou, tudo está bloqueado,
vigiado, a cidade submerge em militares, em metralhadoras.
A cidade manifesta-se, uma marcha pela paz,
uma manifestação pelos judeus, pelos afegãos, pelos refugiados.
Na semana passada tivemos medo em Genéve. A maioria votou
“Vigilante”, um grupo de extrema-direita e, numa única semana, centenas de
refugiados Zairenses e Turcos foram reenviados para os seus países. Et onc!!!
Este fim-de-semana, na segunda ronda, os lugares foram distribuídos entre
liberais, socialistas e um Vigilante.
Genéve, a Suíça, não está tão calma como
aparente.
Eu regozijo, porque em breve terei uma semana
de férias.
Mas sempre o teu silêncio. Recebeste as
minhas cartas?
Penso em ti muito forte e espero que estejas
bem. Escreve.
E
Michelle cruzara-se com os seus olhos, por entre uma onda de loiras colegiais
num bar de estação em Munique, cervejas que rodavam na mesa, elas eram quatro e
ele sempre só, não diria abandonado porque Pedro achava-se longe desse estado
terminal que significa abandono.
-
Chamo-me Pedro!
-
Michelle – o sorriso era verdadeiramente transparente, ou talvez cor de Alpes –
e as outras são Stephanie, Marie e Petra, e vimos de Genéve.
- Vamos
no Orient-Express até Paris!
O Orient-Express
era uma griffe e, mesmo para um veterano dos comboios noturnos, havia alguns
diferentes dos outros, provocavam arrepios de ansiedade e dependência, delírios
de imaginação. E quando mais tarde, bem mais tarde, relia a longínqua e
desencantada carta de Michelle, entre duas aulas, teoria e prática de uma
prolongada vida universitária, lembrou-se como tudo (ou nada) tinha sido um
produto do Expresso do Oriente de regresso a Paris, que apenas no nome resistia
ao pedigree de outrora, mas que detinha um estranho poder, era o mistério sobre
carris que reinava nos seres que se atreviam a desafiá-lo, entrando!
- Paris?
É uma excelente altura para regressar a casa!
O fresco
da noite despertou-os e a música atraiu-os para um pequeno bar escondido entre
ruelas e trepadeiras, um pátio cercado de vedações e um portão que insistia em
ranger, degraus esgotados pela erosão dos séculos, retorcidos como o corrimão de
ferro que os empurrava para as luzes e para o fumo, um balcão corrido até ao
fundo, mesas cheias de gente e histórias que se contavam em voz de tambor, o
acompanhamento das baladas do jogral, viola no colo e notas bem
puxadas ao sentimento e à atmosfera que Pedro jurava em voz alta já ter visto
num filme qualquer, com muitos anos, sempre num qualquer antes da guerra, Paris
no seu auge, como uma premonição de euforia antes que o mundo se consuma numa
carnificina qualquer!
E quando
a festa finalmente terminou, a pedido do barman, o grupo tinha crescido; um
novo parisiense, o Che magrebino, Pedro e as Suíças e um Giovanni aparentemente
mais maduro.
Este novo microcosmos
de seres calcorreava as calçadas de Monmartre à procura de horizontes, e
encontrou-o nas escadarias de Sacré Coeur, mas as largas vistas da colina e da
cidade recusavam as certezas que eles procuravam, a música tem este efeito,
anestesia o conformismo, o individualismo e gera vontades.
Mas, apesar do esforço
nem mesmo o Che argelino, o mais recente espécimen europeu desta colónia em
ebulição intelectual, adivinhava até onde podia ser aquela paz pardacenta que
sobrevoava os anos 80, porque este envelhecido Continente não se compadece com
tantas décadas de estabilidade emocional.
- Os franceses
precisam de nós, mas não fazem mais do que nos tolerar – esforçava-se Ahmed por
explicar os seus dilemas e sofrimentos a Stephanie, que genuinamente o desejava
compreender, tal era a sua atenção – eles sentem que a nossa vinda é um fardo
que tiveram de suportar, por nos colonizar, assim como um filho indesejado numa
relação fortuita.
(continua)
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