- Pai, porque é que todos te chamam
Patrão?
- O pai é um homem importante! – E o
filho não percebeu nada.
Importante – repetia o puto, enquanto se
mirava de cima do seu metro e vinte para os ténis todos rotos
Uma pedra que se tinha intrometido
entre ele, a bola e uma nuvem de pó amarelado por onde se esfumou uma grande
oportunidade de golo, frustração porque as miúdas sorriam apenas para os
heróis.
Isso sim. Era importante
No topo das muralhas do castelo, este homem de meia-idade
abria os braços para o horizonte da planície amarela, campos a perder de vista,
ondas quase simétricas.
Cá de cima, o patrão quase parecia um homem alto, apesar de
uma fita métrica bem esticada ser incapaz de lhe dar mais do que um metro e
sessenta de altura.
A calvície e o seu terror pelas balanças, conferia-lhe uma
forma demasiado redonda para os seus
trinta e oito anos de idade, um fato coçado de tantas cerimónias oficiais, que
parecia querer rebentar-se a cada movimento mais energético do Patrão.
E falava de coisas sérias: revolução, povo…
E ia crescendo.
E o puto, doze anos, mais ou menos, temeu o pior.
Mas logo o patrão se levantou, apressou-se, vestiu novamente
o ar de presidente, e lançou-se rua abaixo, acenando a toda a gente e gritando
ao puto “ Conto-te ao jantar”.
- Calceteiro incompetente – pensou,
quando quase tropeçava numa pedra da velha calçada que se havia desprendido da
rua!
O puto tinha mesmo razão
O pai patrão não podia ter sido um
desportista.
...imaginava-o agora a descer à vila,
naquele passo miudinho e ligeiramente desengonçado, suando com a sua falta de
ginásio, com uma ambição de quem não descansa enquanto o burgo não virar cidade
sempre atrás de mais um compromisso autárquico, aquela pausa nas ombreiras da
porta principal da Câmara, cumprimentando todos os que apareciam por lá, reunião
de vereadores, grandes projetos para a vila, obras sociais e, importante, as
piscinas olímpicas municipais, reunião com os projetistas e engenheiros e os
munícipes, todos eles queriam falar com o presidente, afinal ele era o Patrão.
Eram quase onze da noite mas os olhos
do filho do António quase saiam das órbitas de tão despertos por esta
descoberta.
Pai salteador e pirata. Não havia
melhor visão para um pai. Só não entendeu essa história da revolução dos
cravos.
Devia ser uma outra aventura qualquer!
Mas, naquela noite, o patrão teve
pesadelos com o desmoronamento do seu mundo ideológico, “ Aquele careca lixou
tudo”!
Mas, com o tempo e o cansaço adormeceu
de vez, embalado pela água tépida da piscina municipal, acabada hoje, novinha
em folha.
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