Finalmente a planície, até que
enfim que as nuvens se tornam naquele cinzento esbranquiçado que transparece
inocência.
Finalmente as nuvens inofensivas
que aceleram o rolar no asfalto e entorpecem os reflexos.
É plana, é rural, uma perspetiva
sem fim, apenas levemente emoldurada por montanhas que se confundem com os
reflexos de uma claridade que cega, e que vem do céu, dos campos de cereais,
dos silos amarelos, como que a querer perpetuar o Verão.
Se não fosse a planície, o Sol e
a súbita vontade de dormir uma sesta, nunca Torremejia se intrometeria no meu
mapa, no meu ângulo reto que me preparava para desenhar, ali para os lados de
Mérida.
E, sem vontade de parar, tal era
o entorpecimento pela luz da planície, entrei no deserto da vila, Domingo à
tarde fora.
Na rua, na estrada, na N 630 ou
na rua da estremadura, conforme fosse a nossa distância do estatuto de
forasteiro, predominava a vivalma, que não era um estado de alma, mas uma
realidade terrena.
Triste a solidão da Extremadura província.
Numa espécie de esplanada que
disputava a berma poeirenta da estrada ou da rua com meia dúzia de automóveis
igualmente poeirentos, sentavam-se os exemplares do vanguardismo da terra, a
sua juventude portanto.
Eram quatro, pareciam igualmente
distribuídos entre sexos, cabelos compridos, algumas com madeixas espetadas,
talvez piercing no nariz. Talvez, não tenho a certeza. E fumavam, disso tenho a
certeza.
Levantaram as cabeças e só saíram
olhares de desdenho.
Dentro do café, a penumbra
estendia-se da janela até ao balcão e os residentes tornavam-se mais velhos,
mais curiosos mas igualmente pouco interessados. Afinal de contas, estava de
passagem, era apenas um inseto nervoso a fugir da chuva que vinha de sul.
Por detrás do balcão esperava-me
um barrigudo de meia-idade, de camisa branca e gravata vermelha, apertada com
rigor e sem suor. Limpou o balcão de madeira com um pano mais escuro que a
camisa e agarrou-se freneticamente à máquina do café. Sem grandes palavras.
Apenas o suficiente. Também é assim que se quer um barman. Uma solenidade de
quem sabe que não tem outro lugar senão aquele.
Nas paredes por detrás do bar,
estava pendurada a história de Torremejia; uma telefonia de válvulas arrumada
numa prateleira do lado direito do balcão, que partilhava com uns quantos
despertadores e umas jarras de porcelana florida e gasta,
Atrás da grande máquina de café, um
modelo clássico merecedor da estrada 66, penduravam-se utensílios da terra, jurei
ver um arado, que vinha do teto até às chávenas de verdadeiro expresso,
molduras com fotos de homens barbudos, algures nos inícios do século passado,
gente solene, molduras muito pretas, formato que me despertou para as touradas,
em versão de festa brava espanhola. Estremadura, portanto.
Do lado esquerdo do balcão, mais
escuro, mais longe, mais sombrio e mais só, uma enorme máquina de escrever
preta, teclas pretas e um enorme cilindro, insistia em dar um toque de
modernidade ao lugar, enfim mais trinta anos que as molduras e os arados, muito
mais antiga que a cromada máquina do café
O homem não tinha bigode, a casa
de banho estava inundava entre o cheiro de lixívia, a tampa partida e água do
autoclismo que não parava de cair e o secador que despejava ar frio.
No corredor de saída um casal,
sim um homem e uma mulher de feições orientais – definitivamente chineses –
arfavam concentradíssimos para uma slot machine eletrónica que lhes comia as
moedas ininterruptamente, cada vez mais concentrados e tensos, como se não
houvesse amanhã, e pareciam personagens de banda desenhada introduzidas por um
qualquer realizador alternativo no centro de um filme a preto e branco em que
os atores principais, nem sequer davam pela sua presença
Lancei uma moeda para cima do
balcão e virei as costas, pontapeando a porta com a biqueira da bota direita.
No meio do asfalto, de pernas
abertas e arma fora do coldre, disparei, soprei para a objetiva e montei-me,
sem olhar, no meu automóvel, com a certeza que tinha atingido o alvo, e
arranquei velozmente, pradaria fora, cobrindo de pó os rufias de Torremejia
THE END
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