A imagem do comboio a cirandar no
vale escuro do Mondego oeste na escura noite de natal, assaltou-me os sonhos.
Apareceu do escuro, só poderia ter
aparecido da curva do rio, para lá da Figueira, a caminho das Caldas, duas
carruagens sem locomotiva, entre o escuro e a berma, e o meu olhar fustigado
pela vertigem da autoestrada reparou que vinha quase vazio, porque os vultos
não sobressaiam da luz, aquela luz de fim de festa, amarelo sujo, sinónimo de
melancolia de uma celebração que não sobreviveu ao regresso.
Na linha do Oeste, concorrendo
com a autoestrada escura, esta árvore de natal rolante e de cores sóbrias
percorria o vale a cumprir um horário absurdo, porque na noite de natal não é
pressuposto vislumbrar o comboio fantasma, porque na noite de todas as
estrelas, o pai natal deve sobrevoar o vale num trenó guiado por renas sábias e
no velho trem do oeste só o revisor sobressaia, hirto como uma rocha cinzenta,
e até de cima da vertigem da velocidade eu consegui perceber que ele furava
bilhetes e não entregava presentes.
Tão fugaz foi a visão, que sonhei toda a noite com o comboio fantasma que não se cansava de apitar, ligando todas as imagens
desfocadas que coleccionara no dia de Natal!
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