A perspetiva dos pintores
nórdicos das terras baixas além Alpes, da barreira montanhosa que os separava
das cores quentes das terras do Sul, é fantasmagórica.
Os picos gelados sem encostas
suaves, uma sensação abrupta de azuis gélidos num horizonte que eles nunca
tinham visto, destoam do detalhe minucioso dos primeiros planos predominantes
de verde e castanho e de cenas do quotidiano da Flandres do século XVII.
Segundo a Rita, licenciada em
História de Arte havia, nos primeiros sete núcleos, uma necessidade panfletária
de narrar e evocar as cenas de um quotidiano feliz, como se de uma época de paz
se tratasse, não coincidissem as datas das pinturas com o período da guerra dos
oitenta anos.
A desconstrução sistemática das
realidades não é pois um fenómeno exclusivo da imprensa escrita e reveste-se de
cores vivas, gente feliz e referências mais ou menos explícitas à boa moral
religiosa de uma predominância católica.
As montanhas (imaginável
fronteira sul que os pintores desconheciam), a vida no campo, a paisagem de
gelo e neve, o bosque como cenário, Rubens e a paisagem e no jardim do palácio.
Capítulos de uma sociedade de
classes bem vincadas, mas em harmonia no trabalho e no lazer, burguesia feliz
em piqueniques no campo, rodeados de trabalhadores que tratam a terra e de
animais no pasto e, um pouco mais nos contornos do horizonte, crianças que
dançam em roda em manifestação espontânea de alegria no trabalho.
Os bosques escuros e verdejantes que
representavam a verdadeira fronteira dos povos da planície são retratados como
a verdade assustadora para onde eram remetidos os animais e os renegados, mas
surpreendem pelos diversos efeitos de luz e por esporádicas referências bíblicas
ou (mais bizarro ainda) mitológicas, como se os pintores utilizassem metáforas
e humor subtil para relevar dissonâncias que a autoridade jamais entenderia.
Como os nobres vestidos de vestes
simples a trabalhar a terra ou as Ninfas no bosque, ou a camponesa que cai no
gelo e, no meio de uma multidão feliz e bem comportada, se expõem de rabo para
o ar, o cavaleiro que atravessa o lago por cima das águas, o cão que alça a
perna no canto inferior esquerdo de um quadro repleto de representantes da
igreja…
Depois há o Rubens só para amigos
que pintava florestas com luz de entardecer a furar as árvores, provocador
porque subverte as cenas de caça onde o caçador perde sempre para um anjo que
lhe rouba a presa.
As cenas de guerras navais surgem
apenas nos núcleos finais com evocações a guerras longínquas, os turcos como
sempre retratados como infiéis e as bandeiras holandesas substituídas por
cruzes espanholas, certamente por censores autorizados sem sensibilidade artística.
Obrigado Rita pelas lições de
luz, de profundidade e de foco como expressões de arte e pelo belo exercício de
regras de composição clássicas expostas em ambiente intimista numa exposição
clássica com auréola pop.
Ainda que haja pinturas feitas ao metro
encomendadas por monarcas espanhóis, patéticas perceções à distância das terras
exóticas (imaginem a capacidade inventiva dos marinheiros derramada em pintura
sobre uma tela) e experiências atabalhoadas (no núcleo nove) quando os nórdicos
atravessaram os Alpes e se depararam com a luz quente e desconhecida do Sul da
Europa.
Imperdível hora e meia!
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