Hoje tirei folga e parti em
peregrinação pelos locais mais improváveis, na senda da linha verde.
António Augusto Aguiar,15
Calçada de Arroios, 39
Campo Grande, 185
E a Alameda e o cinema Império, a
Praça do Chile e o Jardim Constantino
A pé, tantos anos depois, é uma
cidade diferente, de uma forma que chega a ser confrangedora, porque é
diferente e, também aqui, recanto imutável de gerações emigrantes do seu
próprio país, se sente a invasão do mundo e a exclusão dos residentes nos subúrbios
deste pedaço de cidade central, a nossa exclusão, que sempre nos considerámos
lisboetas.
No bairro de Arroios, aos mesmos
velhos (que são obviamente outros) que sobem e descem as calçadas e as
escadinhas, juntam-se as consequências da História que transformaram as
redondezas da Almirante Reis num espaço de etnias difusas.
A descolonização, o êxodo dos
povos subsarianos a globalização, o mercado único, a queda do muro de Berlim,
a crise económica, tudo se espelha nas ruas da velha cidade residencial, sem
vista para o rio nem o glamour do centro da cidade.
E os rituais adaptam-se, como as
portas se fecham e os negócios se transformam, como um bazar de emoções fortes
entornadas para o passeio, como os alguidares de água suja e detergente muito
usado, e os dejectos animais que se advinham vaguear pela noite escura de
lampiões com desenho da era do petróleo.
Nada parecido com a pacata vizinhança
de aldeia de província do mini mercado A Pérola dos Açores (na Rua Ponta
Delgada, pois claro)
Na esquina do alfarrabista vive
um cabeleireiro, mais abaixo um estabelecimento de depilação completa de porta
aberta e clientes à vista.Não vi a padaria, já não há lojas
de ferragens e, na inclinada Calçada de Arroios, emerge uma novíssima agência
de viagens, de vidros espelhados e reclamo modernista
Nos jardins sobram sem abrigo de
todas as nacionalidades europeias, pronúncias com sotaque e os idosos sem voz,
mas também esplanadas e jardins infantis, cartazes de propaganda eleitoral e
grandes, largas e frondosas sombras, porque nenhuma revolução cortou as árvores
do jardim (nem as raízes de uns dedos de conversa entre as compras e a lida da
casa).
Apenas os cheiros e a sujidade
das ruas diferem, aparentemente.
Mas não há crianças nos jardins,
talvez por causa das companhias incómodas que, por ali se instalam, nos bancos
de jardim ou simplesmente porque não há crianças no bairro.
Mas há parques infantis.E o maior hospital de crianças da
cidade.
Mas sente-se e respira-se um
bairro, nas redondezas da Almirante Reis, diferente é certo, mais confuso e multi cultural diria mesmo que, nalguns momentos, nalgumas esquinas, se
reinventaram as origens árabes, apenas bazares, olhares suspeitos e
nacionalidades indecifráveis.
Quando o tempo salta sem
quotidiano e se constrói de visitas muito esporádicas, sentimos decididamente o
seu efeito erosivo, a certeza de que afinal as vidas e os locais mudam muito
mais rapidamente do que o hábito nos permite ver.
Campo Grande, 185 desfaz-se em
ruínas, (porra!) enquanto gruas desfazem o jardim do Campo Grande, o lago seco e sem
barcos, sem árvores e sem esplanada e, uns metros acima, renasceu o burburinho
de novos estudantes, novos espaços universitários da era 2000 e os caloiros
humilham-se nesta manhã muito abafada de Setembro às mãos dos veteranos.
No Campo Grande, duzentos e tal
Em Entrecampos, no que resta do
Jardim do Campo Grande.
Na Alameda…
Felizmente permanece reluzente a
António Augusto Aguiar,15.
Seria triste que a minha origem
se tivesse desfeito com o tempo!
Afinal nem tudo mudou!