No primeiro andar, as histórias revelam-se em grandes formatos, num percurso circular, ao longo dos corredores do Chiostri di San Pietro,
Como convém para quem reclama um dever de ter ideias muito intensas, de ter o direito de protestar por um futuro melhor e duvidar do poder dos mais velhos, que parecem não conseguir resolver os desafios do pós-progresso
Como ter mais (o suficiente) com menos é a pergunta com que a nova geração confronta o eco dos claustros e a imensidão dos grandes espaços.
Mas quando se tem vinte anos, ninguém espera que tenham respostas, porque respostas significam o poder que eles não têm.
O que impede quem está no poder, de fazer o que é necessário para resolver as questões em torno da crise climática?
A primeira história e, em todos os roteiros, devemos começar pelo princípio, conta-se em formatos pequenos que, de repente ficam do tamanho das salas vazias, tal como em “slowly and then all at once” procuram colocar em equilíbrio precário a irreverência e o status, quem procura organizar o mundo em redor de recursos que já não existem, no pressuposto de que os recursos não se esgotam, que o planeta tem uma capacidade infinita de se regenerar … E de quem grita ter a certeza que os outros não vão conseguir.
Mas no Chiostri di San Pietro, nem todos os atos têm as mesmas consequências porque todos querem, mas só alguns podem e, no escuro, choramos as desigualdades do mundo que nos criou e que criou os que protestam.
Mas, como sempre, a realidade revela-se mais complexa do que os exercícios de simplificação artística e as diferenças de oportunidade entre os que podem e os que ousam, os que regressam, no fim do dia, ao conforto do progresso e os outros que não têm outra alternativa que não seja aceitar a ausência do progresso que os tiranos lhes impõem.
Há, em todos os casos, um conflito geracional evidente, mas também no poder do protesto, o mundo é demasiado desigual
Há jovens que têm pouco e arriscam tudo por um sonho e outros que não arriscam quase nada porque nasceram na zona certa do mundo, apesar do desprezo que se tornou moda demonstrar pelas inseguranças da democracia humanista.
Mas em “You don’t die”, Masha Amini morreu mesmo só porque o seu cabelo estava demasiado visível e as suas calças não eram adequadas, e milhares de jovens morreram com ela só porque ousaram desafiar os velhos e rejeitar as seguranças do dogma do terror e, na sala escura, não é preciso adivinhar para onde nos levam as imagens de cores intensas, porque o vermelho sangue não permite equívocos, estes jovens não vão poder regressar a casa e esconderem-se da sua vontade de mudança.
Como em “how is your dream?”, que nos mostra as imagens da repressão do movimento de protesto “umbrela movement” em Hong-Kong, em 2019, quando os jovens apenas pediam aos velhos que cumprissem a promessa que levava gerações, de um país, dois sistemas, como se as utopias pudessem esconder-se do destino debaixo de um chapéu de chuva.
E há também histórias de jovens que parecem armadilhados entre um passado determinado por um coletivismo utópico e um futuro com demasiadas escolhas como em “mal de mer” onde o autor desenvolve o tema das adolescências a preto e branco, rostos perplexos em cenários desfocados e paisagens suburbanas e um local escolhido que não podia deixar de ser a Lituânia.
E por detrás destas imagens há histórias, certamente que envolvem perplexidade e desencanto pelas formas que o mundo deles pode tomar, sem aviso prévio.
Em “control refresh” pressente-se o inóspito em cada imagem, como podem os jovens coexistir com a imensidão isolada das estepes russas e o mundo vibrante que espreita dos pequenos ecrãs luminosos que partilham entre as ruínas das cidades-fantasmas do isolamento boreal?
Como se estivessem a viver no purgatório e ainda não tivessem a certeza que futuro lhes é reservado
(entre o ocidente e o oriente, entre as democracias da qual a nossa individualidade parece agora desconfiar e as autocracias que destroem a nossa individualidade, entre a paz e a guerra).
E, depois, em cada nova sala, em cada curva de um novo corredor, há novas interpretações da mesma juventude inquieta, há ainda tanto tempo e espaço para a alienação como forma de expressar o direito à diferença, sem que haja um projeto de futuro nem a certeza se há ou não retorno a casa e ao mundo.
Nesta sexta-feira à tarde no Chiostri di San Pietro revejo-me, quarenta anos depois, na inquietante contradição entre o caos e a ordem, entre “raves and riots” ou “i fuck Tokyo” e “we are carver”, apenas diferentes alas do solitário corredor que nos transporta ao longo dos nossos vinte anos, até que atingimos uma espécie de paz de espírito quando deixamos de sonhar, aos trinta.
E há sempre a possibilidade de não se querer futuro nenhum e viver apenas um presente.
Em “raves and riots” retornamos às origens da geração z, quando a juventude europeia ocidental não conhecia as angústias do declínio civilizacional que parece ter arrastado a confiança europeia, após a primeira crise financeira do novo século.
(a crise de confiança no modelo de estado tão social que permitia às pessoas despojarem-se de quaisquer preocupações com o seu futuro porque o estado social o faria)
Por isso, estas imagens de caos devolvem-nos uma inesperada sensação de conforto, numa década em que a nossa perceção humanista do mundo, concedia à juventude o direito a uma longa série de pausas para conhecer o mundo, entre uma ideia não negociável de total liberdade de movimentos, extinção das fronteiras muito heavy metal e algum abuso de substâncias.
Para a maior parte deles, a inconsciência dos vinte, revelou-se um mar de oportunidades.
Na escuridão dos corredores do Chiostri di San Pietro dei por mim a rezar (sem um ritual preciso, é verdade) pelas inseguranças da democracia humanista e pela segurança dos putos que podem vir a mudar o mundo, se os deixarmos viver.