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segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Glasnost





Glasnost não é uma expressão nova, na vida russa.

Publicidade, ou seja, com a participação da sociedade no planeamento e na execução da reforma.

É uma expressão tão voluntariosa quanto incapaz de impor uma vontade, original dos governantes dos séculos dezoito e dezanove que exigiam reformas profundas e ansiavam em impor a sua visão (ou uma visão inspirada na cultura europeia) mas eram incapazes de construir, financiar e dotar de meios o Estado para que ele se transformasse num instrumento de governo.
Glasnost é, pois, apenas uma ideologia tentativa, um estado de espírito de consequências imprevisíveis.
Na segunda metade do século dezanove, um terramoto com réplicas centenárias.
Mas a margem sul do rio moscovo respira um espírito de promessa,  como um fantasma que se revela em cada nuvem que se dissipa.
Atravessam-se as pontes e afastamo-nos do núcleo duro dos símbolos do poder central, das medidas de segurança e dos símbolos do turismo organizado em torno dos mitos do domínio imperial.
“I follow the Moskva down to Gorky Park”
Espaços amplos, locais que convidam ao diálogo e ao intercâmbio de ideias, não fosse uma manifestação de tolerância a plantação do parque das estátuas de um passado não reconhecido, bem no centro do jardim, com a bênção de Pedro e como uma extensão exterior ao novo Treytkov onde todo o século vinte da Rússia dos quatro momentos, insiste em confrontar as linhas austeras da sua arquitetura, com retalhos da vida de uma nação.
Reconhecendo que o tempo retira toda a urgência e quase toda a carga ideológica às noções de vanguarda e que, o que mantém a intemporalidade, é apenas arte. 
“Listening to the wind of change”
E, quando espreitamos pela janela, reconhecemos no desfilar pelos quatro momentos da história da Rússia, no sonho desvanecido de um estado moderno governado por czares, no exílio dos brancos nas metrópoles ocidentais, na vanguarda vermelha e no retorno às emoções do final do século, as crianças que jogam à bola por entre os personagens que moldaram o seu passado
 “Where the children of tomorrow dream away” 


E existe uma harmonia que engrandece Pedro, o navegador, do alto da sua armada, dominando o rio Moscovo como se fosse um mar, do alto dos seus noventa e oito metros, uma alegoria à sua estatura e ao seu cognome, o parque das estátuas perdidas, uma espécie de jardim momento que relativiza a importância passada
Independente da dominância de uma arquitetura austera 

I follow the Moskva, down to Gorky Park
Listening to the wind of change
An August summer night
Soldiers passing by
Listening to the wind of change

E nem o arco da vitória, que a todo o momento nos parece querer recordar que a história deste país nunca se fará de lugares comuns, consegue esconder os reflexos de uma simplicidade urbana que se vivia no fim da tarde do imenso verde chamado Gorki, repleto de pessoas comuns, movimentos e conversas numa língua que já nem nos parecia incompreensível, afinal de contas deslizar sobre patins é uma linguagem universal  


Walking down the street
Distant memories
Are buried in the past forever
The world is closing in
Did you ever think
That we could be so close, like brothers
The future's in the air
I can feel it everywhere

E quando o Sol se pôs sobre o lago, os sons da glasnost já não eram um fantasma, uma nova promessa de contornos épicos e resultados incertos, mas apenas uma promessa de normalidade contida

The wind of change
Blows straight into the face of time
Like a storm wind that will ring the freedom bell
For peace of mind
Let your balalaika sing
What my guitar wants to say

Glasnost, 
O que mudou desde o fim de século, não foi o sentido dos ventos de mudança, como uma ideologia tentativa.
Glasnost,  
O que mudou desde o fim de século foi mesmo a negação dos estados de espírito de consequências imprevisíveis.
Acho que nem os Escorpiões adivinhavam que, no princípio da noite do século vinte e um, nas sombras do parque Gorki, os transeuntes não marchariam a favor de um futuro no ar ou dos tempos de mudança, e que os restaurantes do parque manteriam o charme rural do imaginário da velha Rússia, e que as lanternas que crepitavam no seu anterior preferiam uma luz mortiça, quiçá romântica,  a uma promessa de fogo eterno.
Ou um par de cervejas russas e geladas, tagareladas entre meias doses de batatas fritas e uma banda experimental que tocava jazz ao fundo das escadas e que expandia o seu espaço exíguo na fluidez das imagens de fundo, que os ligavam ao mundo e às pequenas janelas que refletiam os passos de uma cidade.
No bairro medieval de Moscovo, apenas umas centenas de metros a sul da Lubianka

Afinal alguma coisa mudou nos ventos do tempo




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