Os subúrbios de Moscovo estão para lá dos anéis
dourados da cidade e, por aqui, não existem lobbies onde a corpulência da
segurança é proporcional à opulência dos lugares
As avenidas permanecem largas, afinal são as mesmas, mas
esta nova amplitude lamenta-se com a solidão dos passos apressados, dos
pavimentos desleixados e dos prédios pouco cuidados que desfilam em mais de
sessenta anos de construção em massa e de migrações inesperadas.
Alguns lançam-nos olhares desconfiados, mas poucos, a
maior parte dos transeuntes apenas tratam da sua própria vida, há mais gente
que circula de cabeça baixa e olhos pregados no chão.
Longe do anel dourado.
Como em todos os subúrbios, afinal de contas, em
torno das nove estações de comboio da capital, todas elas com os nomes
soviéticos dos seus principais destinos finais, muito tempo depois de terem
derrubado estes símbolos da nomenclatura geográfica oficial.
Nos bairros para lá dos anéis há os procuram ascender
na pirâmide da ambição e há os que se seguram à cidade e ao que resta das suas
memórias.
São estes lugares que constituem o purgatório das
cidades imensas.
Mas em Moscovo a proporção sofre de uma intensidade
que é refém da história recente, em que a capital foi o refúgio menos do que
provável de uma imensidão de povos, de deslocados de expatriados, antigos
irmãos, depois inimigos.
Nos arrabaldes das linhas de comboio, alternam as
visões entre a anarquia pós-império (sem que alguém tivesse distribuído previamente
qualquer manual de instruções) e as reminiscências operárias de uma vaga de
deslocados da ruralidade russa.
E, escondidos entre as traseiras de uma indústria
extinta, nasce a Moscovo pós-industrial, em ilhas de um novo capitalismo exuberante
e sem pudor, imersas nas carcaças velhas dos antigos armazéns revestidas de
cores, cheiros e sons diferentes.
As antecâmaras dos túneis outrora sombrios, povoam-se
de uma nova geração sem memória, que se move com a agilidade felina, roupas
justas e de cores escuras onde a arte, a estética e o negócio, chegam de
elétrico rápido e não trocam saudações com a vizinhança
O terceiro pilar da nova autocracia russa tem um novo
olhar sedutor e uma convicção inabalável no destino.
A loura do Porsche Cayenne que sai velozmente do
túnel obscurecido pela fuligem e pelo tempo é a prova de que restaram
sobreviventes da lei seca e do processo de construção do capitalismo de fim de
século.