Hundertwasser foi um austríaco invulgar.
Quase um anticristo da genética continental de um
povo que expandiu as suas ambições imperiais em torno da capital de um império
terreno, enquanto as forças não lhes faltaram e a vida passou a acontecer para
lá das paredes de Hofburg.
Este amador inspirado, que interpretou a arquitetura
e a pintura como um ato de embelezamento, assim descrito pelo desdenho dos
clássico, acreditava que as coisas tinham de ser belas.
Este homem, que hoje apelidam de ecologista, nasceu
das convulsões republicanas da Viena Vermelha e cresceu na época negra de uma
nação ocupada e reduzida à sua dimensão regional, mas nunca perdeu o fascínio
pelas cores vivas de um mundo percorrido, sem ordem mas, principalmente, com curiosidade.
E, por isso, foi colhendo todas as tendências da arte
contemporânea, revestidas das cores exuberantes que representam um
indisfarçável deslumbramento pelo imaginário tropical.
E, de projeto em projeto, concebeu urbanizações que
embrenhavam as casas na natureza como casulos que apelavam à proteção do Bom
Selvagem, revestiu igrejas de formas geométricas concêntricas – tal como o
mundo acaba, um dia, por ser – forrou a primeira incineradora urbana de Viena
com artefactos que alimentam o imaginário surrealista e espacial – havia algo
de simultaneamente ingénuo e extraterrestre nas suas formas de expressão – para
os lados de Karl Marx Hof, uma das obras sociais de marca da Viena Vermelha,
dois anos depois de nascer.
E, de resto, vagueou pelo mundo e morreu no maior dos
mares do mundo, no Pacífico, a bordo do maior barco do mundo, o Queen
Elisabeth, no ano em que o mundo mudou de século.
Como se soubesse que ele era um homem de um só
século, um sucessor não nomeado dos artistas austríacos que derrubaram a estética
dominante do império e que anteciparam a secessão, duas décadas antes do tempo.
E, tal como quis, foi enterrado nos antípodas da
Europa – Nova Zelândia, para ser mais preciso, o paraíso verde do mundo, dizem,
ameaçado pelos males dos outros, um composto de buraco de ozono.
A Viena deixou um museu com centenas de obras suas,
um conceito, um bloco de apontamentos e um contra espaço ao imperial reinante.
E evaporou-se.
Apesar do seu espírito afrontador e disruptivo, um
grande borrão de cores, olhos nos olhos com a beleza austera e a preto e
branco, dos palácios do passado, apenas umas centenas de metros para ocidente.
E evaporou-se.
Apesar de ter marcado quase tanto como a nudez
ostensiva de Schiele e Klimt
Evaporou-se para os confins, não sem antes deixar
escrito nas paredes da Unter Weissgerstrasse, 13 uma despedida lapidar.
“If
we do not honour our past, we lost our future. If we destroy our roots, we
cannot grow”
Tão simples quanto a obra que deixou.
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