Adão e Eva - Silvia Patrício in Humanário
(Centro Cultural de Cascais)
A
ideia de que a criação do mundo tenha sido um big bang , primeiro o céu entre
as nuvens escuras, depois uma enorme massa redonda, o mar e a vegetação, os
seres vivos e, finalmente o nosso eu é uma visão reconfortante.
Tenha sido obra de um Deus maior ou uma mera coincidência científica.
Muito mais simples de explicar do que uma complexa teoria evolutiva que, por se perder nos confins do tempo, diluiria qualquer sentido de urgência.
Tenha sido obra de um Deus maior ou uma mera coincidência científica.
Muito mais simples de explicar do que uma complexa teoria evolutiva que, por se perder nos confins do tempo, diluiria qualquer sentido de urgência.
E
evitava termos de lidar com conceitos difíceis como o tempo infinito e a ordem
das coisas.
E
sedimentava a crença de sermos o destino final do processo de criação.
Mas
quando foi necessário construir uma história dentro dos limites da compreensão
humana, foi-se esvaindo a ideia de uma criação sem mácula.
Primeiro
a ideia da costela do sonolento Adão se transformar em mulher, depois os filhos
do Deus que escolheram as filhas dos Homens para mulheres e o amargo
arrependimento do criador perante o resultado da sua criação.
E
da culpa nasceu a fatalidade de ter de remendar, eliminar, corrigir, escolher
os melhores entre cada espécie, os nobres entre os pensamentos e os desejos que
tendiam sempre e unicamente para o mal.
E
depois emergem as interrogações, porquê o Noé e não outros, porque é que uns
sobreviviam ao dilúvio dentro de uma arca construída de madeiras resinosas, e
outros eram arrastados pelas fontes do grande abismo
E
no fim dos primórdios da História, temos um Deus que desistiu de castigar os
homens, na mesma medida em que desistiu dos homens e ficou a noção de que o
amor era sinónimo de castigo e de que os homens não eram afinal o destino final
do processo de criação mas apenas um defeito de fabrico.
Assim
sendo, e se recusarmos aceitar os difíceis conceitos da física, da química e da
matemática dos astros, ficamos presos às consequências deste pecado original.
De
uma das duas ideias igualmente perturbadoras: quem cria também destrói ou
afinal de contas, porque fomos um erro, estamos entregues ao nosso próprio
destino
E
nesta fase da história eu já estaria mais tentado a converter-me à teoria da
evolução que, verdade, não eliminava nem corrigia os defeitos da natureza
humana, não nos atribuiria o estatuto de centro de universo mas apenas de uns
seres, entre muitos outros, que tenderiam a adaptar às continuas mudanças do
universo com o objetivo de sobreviver.
Nesta
fase da (porventura curta) história do universo, o desconhecimento do infinito
transforma-se em conforto porque sugere continuidade e sustentabilidade.
Depois
de ler a história (do que conhecemos até ao presente) a ideia da criação é assustadora.
Por
múltiplas razões.
Por
julgarmos que somos o centro do mundo e, portanto, estarmos convencidos de que
não temos de nos adaptar às mudanças no espaço cósmico.
Porque
o big bang de entrada potencia um big bang de saída.
Ou
simplesmente por estarmos entregues a nós próprios.
A
não ser…
E
se rebobinássemos outra vez a história para aquela parte do Adão e Eva, antes
da culpa, do pecado original e da arca de Noé?
Silvia Patrício in Humanário
(Centro Cultural de Cascais)